Nova técnica de edição do DNA promete corrigir diversas doenças genéticas
Variação no sistema Crispr permite editar o genoma humano de forma bem mais precisa — podendo consertar 89% das mutações que causam doenças hereditárias.
Dez anos atrás, se alguém dissesse ser um “editor de genes”, essa pessoa certamente seria taxada como louca. Pelo simples motivo de que não havia conhecimento teórico – muito menos tecnologia avançada o bastante – para promover modificações no DNA humano ou de outros seres vivos como algo rotineiro. Desde 2012, isso existe e tem nome: Crispr/Cas9. E pesquisadores dos Estados Unidos acabam de anunciar uma ferramenta ainda mais promissora.
Vislumbrada a partir de uma ideia tida em 2017 por Andrew Anzalone, que então concluía seu doutorado na Universidade Columbia, foi desenvolvida para valer alguns meses depois no laboratório do biólogo químico David Liu, do Instituto Broad, controlado pelo MIT e pela Universidade Harvard. Liu ganhou fama por ter criado alguns sistemas Crispr com maior precisão chamados “editores de base”. Mas a nova técnica parece ser ainda melhor.
Ela funciona de forma bem mais controlada e menos imprevisível que a mais famosa das ferramentas de edição do DNA — e ainda abre novas possibilidades aos editores de genes que antes estavam fora de cogitação.
Bem resumidamente, o Crispr é excelente em cortar a dupla hélice do genoma, mas na hora de substituir um gene ou uma sequência de genes defeituosos por uma saudável, as coisas ficam mais complicadas. É que ele usa a enzima Cas9 para cortar ambas as hélices do genoma e um pedaço de RNA que funciona como guia de onde a tesoura deve agir. Então outros processos podem trocar uma letra por outra, ou fazer coisas como ligar e desligar determinado gene.
Só que esse “ctrl + x” é muito dependente dos mecanismos de reparo do DNA que a própria célula realiza. E, boa parte das vezes, o resultado final não sai conforme o esperado. Seria um pouco como confiar no corretor automático a missão de escrever um texto por você. A célula pode deletar ou inserir letras indesejadas onde a hélice foi danificada.
Já a técnica de Anzalone e Liu veio para aperfeiçoar esse sistema. A dupla teve uma sacada genial: criar uma molécula que centraliza várias funções essenciais para o processo dar certo de forma controlada.
Funciona assim: a tal molécula não só encontra o local do DNA que necessita ser consertado, como também carrega consigo na “área de transferência” uma cópia do trecho que se pretende inserir. Depois, ela vai lá e faz um picote em uma única hélice do genoma e vai colocando as novas letras, uma por uma, como uma máquina de escrever. Em seguida, a molécula faz um cortezinho na hélice oposta — e o reparo celular dá conta de finalizar bem o processo.
A técnica ganhou o nome em inglês de “prime editing”, algo como uma edição avançada. Descrita em um artigo publicado nesta segunda (21) na revista Nature, ela ainda está nos estágios iniciais de desenvolvimento. Mas, de forma geral, a comunidade científica recebeu a novidade com entusiasmo, sobretudo porque dá mais versatilidade e flexibilidade na hora de editar o DNA, como incluir 44 letras, deletar 80 e trocar qualquer uma por qualquer outra.
De acordo com os pesquisadores envolvidos, o método prime tem o potencial para corrigir 89% de 75 mil doenças genéticas transmissíveis hereditariamente. Nos primeiros testes feitos em células humanas, os pesquisadores conseguiram eliminar as mutações que provocam anemia falciforme, fibrose cística, a doença de Tay Sachs, entre muitas outras. Agora, será preciso percorrer um longo caminho até que a tecnologia chegue aos pacientes.