Nova teoria explica o que gerou a inteligência humana: bebês incapazes
Bebês indefesos demandam pais espertinhos, que por sua vez geram filhos de cabeça grande, portanto indefesos.
Um dos maiores mistérios que desafiam a inteligência humana é ela própria. Como explicar que nós, Homo sapiens, tenhamos cérebros capazes de teoremas, teorias científicas e seriados de TV, num mundo em que nenhuma outra espécie foi muito além dos grunhidos e das ferramentas de pau e pedra? O mistério é entender por que diabos temos tão mais desse negócio do que os outros. A evolução costuma ser pão-dura: ela dá às espécies apenas o que elas precisam para sobreviver – nem 1 miligrama a mais. Afinal, evoluir é caro. Ganhar novos equipamentos no nosso corpo custa o preço de precisar encontrar mais comida para manter esse equipamento funcionando. Este cérebro gigante entre as suas orelhas consome 25% do oxigênio e 20% da energia do seu corpo – por que diabos estamos gastanto tanto com um equipamento tão mais potente que o de qualquer outro? Não deveria bastar ser só um tiquinho mais inteligente que a competição?
Dois pesquisadores da Universidade de Rochester, no estado de Nova York, encontraram uma resposta elegante para esse antigo mistério. Num artigo que eles acabam de publicar na revista da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, eles concluíram que a grande razão para sermos tão espertinhos é o tanto que nossos bebês são indefesos. Afinal, para manter um bebê humano vivo, é preciso saber juntar lé com cré. Por mais de 9 meses, o bichinho é incapaz de basicamente qualquer coisa: não consegue nem se virar sozinho, quanto mais se proteger de uma ameaça. Se quiserem legar seus genes à próxima geração, os pais têm que ser capazes de planejar o futuro, prever ameaças, calcular probabilidades – ou seja, precisam de uma inteligência extraordinária. “É muito difícil imaginar que adultos de qualquer outra espécie consigam fazer vingar uma criança humana”, diz a pesquisa. Nenhuma outra espécie tem bebês tão incapazes: uma girafa recém-nascida leva minutos para sair andando depois que sai do útero da mãe.
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Acontece que, para sermos mais inteligentes, precisamos de cabeças maiores, capazes de acomodar o cerebrão. E o cabeção resultante acaba tornando os bebês ainda mais indefesos: um pimpolho humano leva três meses para ser capaz de simplesmente sustentar o crânio sobre o pescoço. Demoramos tanto para aprender a andar porque não é mole sustentar aquele coco no nosso corpinho mirrado. A consequência é um ciclo de feedback positivo, que é como os cientistas da complexidade chamam um processo no qual o aumento de uma coisa faz com que essa mesma coisa aumente, por sua vez causando mais aumento ainda. Bebês indefesos exigem pais inteligentes, que por sua vez geram bebês mais cabeçudos, demandando pais ainda mais inteligentes, que portanto geram bebês ainda mais cabeçudos, e portanto mais indefesos – e assim por diante. Feedbacks positivos geralmente são a explicação para situações nos quais uma espécie tem muito mais de algo do que qualquer outra (o tamanho do pescoço da girafa, as especificidades do nariz do elefante, a capacidade de cálculo, abstração e narrativa dos humanos).
A bela teoria, elaborada pelos neurocientistas Steven Piantadosi e Celeste Kidd, não é muito fácil de provar, já que não há jeito de reproduzir em laboratório o processo evolutivo que aconteceu ao longo de dezenas de milhares de anos. Mas Piantadosi e Kidd tiveram uma boa ideia: programaram num computador o modelo matemático dessa dinâmica evolutiva – e o resultado que encontraram é consistente com a teoria. Aí, para confirmar, usaram o mesmo modelo para investigar outras espécies de mamíferos, e perceberam que realmente existe uma correlação entre incapacidade dos bebês e inteligência da espécie.
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Não significa, é claro, que essa seja a única explicação para o a inteligência humana. A evolução é um processo complexo e geralmente as causas de qualquer coisa são múltiplas e interconectadas. Alguns pesquisadores acreditam que a inteligência humana seja em parte algo semelhante à cauda de um pavão: um instrumento exageradamente exuberante de atração sexual, que serve para sinalizar aos parceiros que o indivíduo é tão saudável que está podendo desperdiçar energia e oxigênio com um equipamento muito mais potente do que o necessário. Mas a teoria do cabeção sexy tinha buracos – que parecem ter sido preenchidos com a nova pesquisa.