Em 1877, o coronel russo Nikolaï Przwalski trouxe de Dzungarie, na China, o crânio e o couro de um cavalo que pertencia a uma raça desconhecida de Equidae. O zoólogo russo I.S. Poliakoff imediatamente descreveu essa espécie e a chamou de Equus caballus przewalskii, em honra a seu “descobridor”. As especificações do animal foram então estabelecidas: um tanto pequeno, a pele ocre, a crina grossa e densa, sem madeixas. Mais tarde, descobriu-se que seu cariótipo – o conjunto de cromossomos de um indivíduo – tinha 66 cromossomos, em vez dos 64 das espécies domésticas. Não havia dúvidas – esse cavalo de tempos pré-históricos era o ancestral de nossos cavalos atuais. É ele mesmo que está ilustrado nos afrescos das cavernas de Lescaux e Niaux, na França, que datam de pelo menos 15 000 a.C.
Originário da Europa, o cavalo parece ter vivido uma épica história ao deparar com a expansão humana, da qual fugiu. Assim, abrigando-se em terras remotas da Ásia, como o Deserto de Gobi e as estepes, dividiu-se em duas partes: a que se afastou e continuou como era, e a que permaneceu junto ao homem e se transformou no cavalo doméstico. Mas o destino dos fugitivos estava selado. Quando o explorador russo fez sua descoberta, a espécie já corria risco de extinção, porque a expansão das manadas domésticas ameaçava cada vez mais aqueles parentes pequenos e raros. Os últimos Przewalskis livres foram vistos em 1966 nas encostas da montanha de Takhin-Dhara-Narun, na China. Era essencial salvá-los como vestígio de um tempo esquecido.
Foi então que teve início um fenômeno curioso. Na Europa do começo do século, animais e plantas exóticas, vindos de países distantes, estavam na moda. Graças a isso, vários jardins zoológicos europeus interessaram-se pelos Przewalskis capturados na China. Estes animais, ao mesmo tempo agressivos e assustadiços – dão coices em todas as direções e não deixam ninguém se aproximar -, são por outro lado muito simples de criar, pois são robustos e resistem facilmente a diferentes climas.
Nos anos 20, enquanto o Przewalski estava morrendo na natureza, famílias inteiras estavam se formando em zôos europeus, americanos, australianos e ucranianos. Entre eles, treze garanhões foram designados para fundar uma linhagem, produzindo filhos fortes e puros. Desenvolveu-se uma espécie contraditória: cavalos selvagens que devem sua sobrevivência ao cativeiro.
Os cavalos ganharam carteira de identidade
Nos anos 50, a criação dos Przewalski foi organizada em escala internacional. Os diretores dos zoológicos decidiram criar um projeto para encontrar melhores métodos de criação e principalmente para trocar espécimes, de modo a racionalizar a reprodução e evitar as desvantagens da consangüinidade. Uma estratégia foi estabelecida para os treze membros fundadores. Um tipo de carteira de identidade genética – um pedigree – foi estabelecido para cada cavalo, com o nome, número de registro, origem, proporção de consangüinidade. Espécimes foram transferidos, cruzamentos controlados, a espécie se multiplicou e os resultados foram encorajadores.
No entanto, em 1965, novamente apareceram problemas de evolução. Nos zoológicos, os cavalos, alimentados e protegidos, não mais eram submetidos à seleção natural. Animais fracos se reproduziam tão bem quanto os fortes, diluindo os próprios defeitos no sangue de outros. Como conseqüência, as medidas tornaram-se ainda mais severas.
Os computadores começaram a ser usados nos anos 80, primeiro nos Estados Unidos e depois na Europa. Foi desenvolvido um programa complexo, estruturado por geneticistas, que incluía a teoria da probabilidade, levando em conta parâmetros aparentemente contraditórios – de um lado, a taxa de consangüinidade de cada cavalo é constantemente reduzida, mas ao mesmo tempo é essencial para se tentar obter a presença constante de genes de cada membro fundador e cada descendente se beneficie de todas as vantagens dos treze originais. Graças a este sistema, o melhor parceiro pode ser escolhido para o pequeno cavalo, a fim de se obterem os potros mais equilibrados possíveis.
No momento, o plano de criação é dirigido em Colônia, na Alemanha. Dos milhares de cavalos Przewalski do mundo, mais de 600 vivem na Europa, dos quais não menos de 150 no único parque zoológico de Askania-Nova, na Ucrânia. Como os resultados são animadores, a reintrodução da espécie na natureza foi colocada em prática. No começo dos anos 80, o World Wildlife Fund decidiu abrir suas portas aos cavalos. Repetindo tentativas anteriores feitas na Ucrânia, China, Canadá, Holanda e Alemanha, liberou quatro garanhões no Parque Nacional Cevennes, na França. Foi um fracasso total. Depois de ter passado o primeiro inverno sem problemas, nenhum cavalo estava vivo no final do ano. As autópsias revelaram que três dos cavalos eram portadores de sérias deformações congênitas, e que o quarto tinha sido atingido por um raio. No entanto, em abril de 1989, o experimento foi refeito no mesmo lugar com três garanhões mais rigorosamente selecionados, fornecidos pelo
Marwell Zoological Garden, na Inglaterra. Desta vez o experimento foi um sucesso.
Isso levou à fundação da Takh Association que, com o WWF, começou um projeto mais ambicioso na França: uma reserva de 300 hectares, situada em Causses du Méjean, no sul do país, onde sete garanhões e éguas foram soltos. Esta reserva é um verdadeiro sucesso. A longo prazo, deve acomodar quarenta cavalos. Mais tarde, outro programa deverá começar: a reintrodução de uma grande manada no coração das estepes da Mongólia.
Este projeto, apoiado e financiado por organizações como a WWF International e a Unesco, fez um acordo com o governo da Mongólia. Equipes ocidentais já estão realizando missões para localizar as regiões mais adequadas a este propósito. Esta escolha é particularmente difícil: a área precisa oferecer todas as chances para a sobrevivência dos Przewalski, que têm de reaprender os reflexos da vida selvagem, como a procura de comida e a cautela para escapar de predadores. Por enquanto, há planos para um imenso parque natural de 9 000 quilômetros quadrados, situado na região de Gobi. Jean-Luc Berthier, responsável pelo plano de criação dos cavalos Przewalski no Jardin des Plantes, em Paris, conclui: “Com meios assim, este cavalo poderia tornar-se uma espécie que, só por sua presença, implicaria a proteção de uma região inteira, incluindo a fauna e a flora. Foi isso que aconteceu quando o orangotango foi reintroduzido na Indonésia. Esta providência assegurou a salvaguarda de partes inteiras de florestas.” Retornando às terras da Mongólia, o cavalo Przewalski poderia assegurar o futuro das estepes de seu passado.
Jean-Christophe Grangé