O espaço é aqui
Sair da Terra não serve apenas para conquistar outros mundos; na verdade, muitas das aplicações essenciais ao nosso dia-a-dia vieram de lá
Quando a gente fala de espaço, é normal pensar em grandes travessias interplanetárias, robozinhos em Marte, pegadas na Lua e imagens estonteantes enviadas dos mais longínquos rincões do Universo. Mas não costuma se lembrar de que o espaço também é aqui – a Terra também faz parte do espaço. E aí surgem coisas como geleiras se desprendendo e derretendo no oceano, desmatamento nas grandes florestas tropicais, para não falar em telecomunicações e GPS. Explorar o espaço tem tudo a ver com entendermos e usarmos melhor o nosso próprio planeta.
Um mundo só
O primeiro efeito prático do lançamento de satélites foi acelerar o fenômeno que hoje chamamos de globalização. Com os satélites, a distância entre as mais afastadas regiões do planeta praticamente sumiu, e surgiu a oportunidade de fazer informações atravessar o mundo em tempo real. Não é pouca coisa.
O conceito de satélite de telecomunicações veio com o saudoso escritor Arthur C. Clarke. Em 1945, ele sugeriu, num artigo técnico, que uma rede de satélites colocada numa órbita geoestacionária (em que o satélite avança no mesmo ritmo que o planeta gira, permanecendo sempre sobre a mesma região do globo) poderia oferecer contato praticamente instantâneo entre todas as partes do mundo.
Hoje, a órbita geoestacionária é cobiçada por todas as empresas de telecomunicações e permite que recebamos pela TV notícias e transmissões esportivas em tempo real. E outros satélites permitem que tenhamos um sistema de posicionamento global (GPS) revolucionário para o controle do tráfego aéreo e, a essa altura, até mesmo do tráfego terrestre.
Outro efeito importante da era espacial foi a mudança radical do conceito de observação da Terra. Lá do alto, é possível ver muitas coisas que não poderiam ser vistas daqui de baixo. Isso transformou o século 20 no século da consciência. Graças aos satélites, descobrimos que a industrialização está matando a Terra.
A primeira observação espacial notável dos efeitos deletérios do ser humano sobre a Terra veio com a descoberta do buraco na camada de ozônio na Antártida. Causado pela emissão de CFCs (clorofluorcarbonetos) na atmosfera – gases usados frequentemente até os anos 80 em diversos produtos -, o buraco ameaçava eliminar a proteção natural que o ar nos oferece contra os raios ultravioleta do Sol. Com a descoberta dramática, um esforço global para banir os CFCs entrou em ação, e foi possível conter o problema.
E por falar em drama, talvez não exista um maior hoje em dia que o do aquecimento global. Hoje sabemos que ele tem tudo a ver com as emissões de gás carbônico e outros gases-estufa na atmosfera pelas atividades humanas. Mas o espaço ajudou muito a chegarmos a essa conclusão, graças a imagens espetaculares que mostravam o degelo progressivo das regiões ártica e antártica. Um dos fenômenos mais interessantes presenciados por satélites foi o completo sumiço das neves do monte Kilimanjaro, na África, em questão de alguns anos. Demonstração mais contundente de que o planeta realmente estava se aquecendo não poderia existir.
Protegendo a vida
Outro uso extremamente efetivo dos satélites foi o monitoramento das grandes reservas de biodiversidade do planeta – as florestas tropicais. A maior e mais conhecida delas, claro, é a Amazônia, que tem tido o espaço como um de seus mais efetivos guardiões. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) tem longa tradição no monitoramento do desmatamento amazônico. Trabalhando com imagens dos satélites americanos Landsat e, mais recentemente, com os satélites da série CBERS (construídos em parceria por Brasil e China), o instituto apresenta anualmente números que dão uma medida do problema do desmatamento.
Problema, não; problemão. Não foi incomum, nas últimas décadas, termos anos em que uma área equivalente a um dos estados do Nordeste fosse desmatada em 365 dias. A situação periclitante fez o Inpe dar o passo seguinte e criar um sistema eficiente de monitoramento em tempo real.
Hoje, esse sistema (chamado Deter) permite ao governo agir e multar o proprietário de terras que esteja conduzindo desmatamento ilegal. É inegável que, com isso, a taxa de desmatamento caiu. Mas ainda não dá para dizer que a floresta está segura. Para que isso aconteça, será preciso ações mais incisivas de quem está aqui embaixo. Os satélites, lá em cima, estão fazendo a parte deles.
São tantas emoções
Uma promessa para incrementar a vida humana na Terra também vem da nascente indústria do turismo espacial. Hoje, somente quem paga US$ 30 milhões pode viajar ao espaço e fazer uma visita à Estação Espacial Internacional, voando numa nave russa Soyuz. Mas nos próximos anos devem entrar em operação as primeiras espaçonaves dedicadas exclusivamente a missões de turismo espacial.
Com capacidade apenas para voos suborbitais, esses veículos farão breves visitas ao espaço (com alguns minutos de sensação de ausência de peso para seus ocupantes). Mas o custo de uma passagem deve cair para um centésimo do que se paga hoje para ir ao espaço com os russos, o que irá permitir que muito mais pessoas tenham a oportunidade de ver a Terra do lado de fora. Sem dúvida que, com essa revolução comercial, deve também aumentar a consciência de que nosso planeta é um só e precisa ser protegido.