O gene zumbi que protege os elefantes do câncer
Conheça TP53 e LIF6: uma dupla de genes que mata células cancerígenas antes que elas causem problemas – e permitiu que os elefantes se tornassem os maiores mamíferos terrestres
Um elefante africano, em cativeiro, vive uns 70 anos. Mais ou menos o mesmo que um ser humano.
Um elefante africano pesa 6 mil kg. Mais ou menos 100 vezes o que pesa um ser humano.
Um corpo que pesa 100 vezes mais que o nosso, naturalmente, contém 100 vezes mais células, cada uma com sua própria cópia do DNA do animal. Isso significa que o elefante também está sujeito a um risco 100 vezes maior de sofrer um dano no DNA. Um erro que pode causar câncer.
Apesar disso, só 5% dos gigantes acinzentados morrem por causa de tumores, contra 17% dos Homo sapiens. O que os torna tão resistentes à doença? Bem-vindo ao paradoxo de Peto – batizado em homenagem ao biólogo Richard Peto, de Oxford, autor do primeiro texto que apontou essa anomalia estatística, de 1977.
Há três anos, em 2015, pesquisadores das universidades de Chicago e Utah deram um passo importante na solução do problema. Eles descobriram que os elefantes têm inacreditáveis 20 cópias de um gene chamado TP53. Já o ser humano tem só uma. E essa é uma daquelas situações em que 1 é bom, 2 é ótimo e 20 é excelente: a função do TP53 é justamente identificar que há um trecho de DNA danificado em uma célula – e consertá-lo antes que ela se multiplique e cause mais problemas. Quanto mais guardiões desses um animal tem, melhor.
Agora, o pessoal de Chicago desvendou mais um componente da notável resistência dos elefantes aos tumores: um outro gene, chamado LIF6, que volta do mundo dos mortos só para dar um pau em células cancerígenas.
Para entender exatamente o que ele faz, vamos começar por um fato básico, mas meio assustador: genes vira e mexe se duplicam (ou triplicam. Ou o número de cópias que você preferir). Isso é comum, e às vezes é combustível para a seleção natural. Por exemplo: o cérebro dos ancestrais do ser humano passou por um surto de crescimento após um gene chamado NOTCH2NL instalar três versões modificadas de si mesmo no cromossomo 1. É em parte a esse acidente que devemos nossa inteligência.
Às vezes essas cópias vêm com modificações que as tornam inúteis. Basta mudar algumas letrinhas no DNA para ter em mãos um gene que serve para, grosso modo, nada. Ele só fica lá, pegando carona nas nossas células sem exercer função alguma. Esses genes foram apelidados de “mortos” (embora não estejam mortos de fato: genes são moléculas, e moléculas não são coisas vivas para poderem morrer).
O LIF6 é um gene morto. A não ser quando ele encontra o lendário p53. Assim que ele recebe o recado do p53 – de que há um trecho de DNA danificado – ele é ativado e produz uma espécie de proteína terrorista: ela vai até a mitocôndria, que é a usina de energia da célula, e abre buracos em sua parede até desativá-la. No mundo microscópico, esse é o equivalente de explodir uma hidrelétrica: um apagão generalizado em toda a cidade. Sem energia, a célula morre. O que, nesse caso, é ótimo: morta, ela não se reproduz – impedindo que a mutação se espalhe e vire câncer.
Os elefantes esbanjam 8 cópias do LIF, embora só uma delas, até onde se sabe, seja funcional (a número 6 – daí o nome). Sem esse gene kamikaze, o animal nunca teria podido alcançar o tamanho que alcançou. No ritmo em que suas células precisam se multiplicar para deixá-lo grande desse jeito, é quase certo que danos letais no DNA vão aparecer. Só com uma barreira de defesa sólida assim é possível combatê-los.
“Nós podemos usar truques evolutivos para tentar entender quando esse gene defunto se tornou ativo novamente”, afirmou em comunicado Vincent Lynch, líder do estudo publicado no periódico Cell. “Ele surgiu na época em que o registro fóssil mostra que os pequenos ancestrais dos elefantes contemporâneos começaram a crescer. Isso começou a acontecer entre 25 milhões e 30 milhões de anos. Esse método suplementar de supressão de câncer pode ter sido um elemento chave para permitir o enorme aumento de tamanho.”