O médico Eugene Dubois
Perfil e história do médico, o descobridor do elo perdido entre o homem e o macaco.
Alessandro Greco
O elo perdido entre o homem e o macaco quase ficou realmente perdido. Ele passou décadas trancafiado em um cofre do Museu Teyler, em Harleem, Holanda. Seu guardião, o médico holandês Eugene Dubois, colocou-o lá em 1900 e só deixou alguém vê-lo mais de 20 anos depois.
Nascido em Eijdsen, Holanda, em 1858, Dubois foi o primeiro homem a procurar fósseis humanos. Com talento, persistência e sorte, ele achou o primeiro fóssil do Homo erectus, na época chamado por ele de Pithecanthropus erectus (pithekos significa “macaco” em grego, e anthropos, “homem”). Cavando nas margens do Rio Solo, em Java, na Ásia, Dubois encontrou um crânio, um dente e um fêmur do que considerou ser o elo perdido entre o macaco e o homem. Mas pagou tão caro pelo feito que talvez tivesse preferido nunca ter saído de sua cidade natal.
Dubois nasceu em uma sociedade em que dizer que o homem era parente do macaco era heresia. A Origem das Espécies, de Charles Darwin, foi lançado um ano depois de seu nascimento e aceito como verdade apenas no século seguinte. Ou seja, ele não tinha nenhuma base científica para apoiá-lo em sua tese do elo perdido. Foi a vontade de comprovar a Teoria da Evolução de Darwin que o levou a abandonar, em 1887, uma promissora carreira acadêmica na Universidade de Amsterdã, onde se formara médico, para aventurar-se pela Indonésia.
O cientista levou sua mulher Anna e a filha Eugène na viagem e, durante a estada de oito anos, teve mais dois meninos. Em 1893, a morte da caçula, ao nascer, abalou os alicerces da família. O casal nunca mais foi o mesmo. Anna vivia acusando Dubois de colocar o trabalho acima da saúde da família. E, para piorar a relação já crítica entre um pesquisador obcecado pelo trabalho e uma dama européia que não tinha muito o que fazer no meio da Ásia, Dubois pegou malária e ficou várias vezes à beira da morte.
Mas, se as coisas iam mal em casa, o trabalho no campo dava frutos. Em 1891, Dubois encontrou um pedaço do crânio do sonhado elo perdido. Em 1894, publicou uma descrição do fóssil e concluiu que não era de um macaco nem de um homem, mas de um ser intermediário. Certo de que iria finalmente encontrar admiração e reconhecimento por seu trabalho, voltou para casa.
Ao chegar na cidade natal, o cientista foi encontrar com a mãe e mostrou a ela, orgulhoso, o fruto de suas buscas. Recebeu um olhar desconfiado como resposta. Estava claro que a própria mãe não o apoiaria. E, mais claro ainda, que muito menos aprovação angariaria junto aos colegas. Quase todos duvidaram do achado. Dubois, já bastante neurótico devido às seguidas rejeições, ficou paranóico. Passou a trancar seus fósseis num cofre. Tinha medo que alguém tentasse roubar para si as glórias da descoberta. Os ossos raramente viram a luz do Sol durante mais de 20 anos – o cofre só era aberto nos dias em que Dubois se sentia “excessivamente melancólico”.
Aos 70 anos, separado de Anna, o cientista foi morar sozinho. Boa-pinta, apesar da idade, teve várias namoradas entre as empregadas até que os vizinhos começaram a falar mal da constante troca de ajudantes na casa. Na mesma época, sua teoria do elo perdido começou a ser aceita com a descoberta de outros fósseis de Homo erectus pelo alemão Ralph Von Koenisgad. Isso enfureceu o holandês e ele dedicou os últimos anos da carreira tentando refutar as evidências de que Koenisgad havia achado fósseis semelhantes aos seus.
Dubois morreu em 1940, de ataque cardíaco, e sua história permaneceu obscura por mais de meio século. Somente este ano, com o livro The Man Who Found the Missing Link (O Homem que Achou o Elo Perdido), a escritora americana Pat Shipman trouxe à tona a memória do primeiro caçador de fósseis humanos da história com uma bem acabada biografia. Demorou, mas finalmente Dubois, tão azarado quanto visionário, teve seu merecido reconhecimento.
* Jornalista científico e autor do livro Homens de Ciência