Os méis brasileiros são incríveis – e talvez você nunca tenha provado um
O maior inimigo da produção de méis típicos é o fato de ser crime vendê-los
“Se a gente perguntar para alguém quais são as três primeiras coisas que vêm à cabeça quando se pensa na palavra “mel”, ela vai responder: doce, aquela abelha com a bundinha listrada, e ferrão. Mas essa definição não descreve a abelha brasileira”, disse à SUPER Alex Atala, chefe de cozinha e fundador da ATA – organização que prega uma maior relação entre o homem e os alimentos. Se você pensa justamente nessas palavras quando imagina o alimento feito pelas abelhas, não se culpe. É entendível que a gente tenha essa ideia errada – na verdade, muitos dos brasileiros nunca nem chegaram a comer um mel produzido por abelhas nativas do Brasil, e existe um bom motivo para isso: é crime vender o mel delas.
A legislação brasileira afirma que só pode ser chamado mel a substância que tiver até 21% de umidade na composição – eis que os méis (também pode chamar de meles) produzidos pelas abelhas típicas do Brasil, em sua maioria, não têm essa característica; a umidade costuma ser bem maior. Isso dá ao mel uma consistência mais aguada, e também faz com que a substância fermente, criando novos sabores. Por outro lado, ele estraga mais rápido. “É um mel vivo”, afirma Atala. “Nossa legislação foi feita por sanitaristas. Ela tem um apego muito grande a qualquer risco que possa oferecer à saúde humana. É louvável, mas mal administrada”, diz o chefe. “Existem legislações gêmeas mundo afora que afirmam que pode ser aberta uma exceção caso o produto represente um movimento cultural no país. É por isso que os queijos com leite cru não são proibidos lá fora [como são aqui]. Estamos tentando trazer isso para o cenário brasileiro também”, conclui.
Quando dizemos “abelhas brasileiras” não significa que o mel que você come é importado. As abelhas é que são. Esse mel com baixa umidade que a gente compra nos supermercados geralmente é originário de espécies europeias ou africanas – ainda que elas sejam criadas no Brasil.
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Acontece que as abelhas africanas produziam muito mel, mas eram agressivas. As espécies europeias atacam menos, mas também não fazem tanto mel. Pensando nisso, o geneticista brasileiro Warwick Estevan Kerr misturou os dois tipos, nos anos 1950, criando uma abelha não tão agressiva e que produzia grandes quantidades mel – eram as chamadas “abelhas africanizadas”. Eis que essa história não teve um final feliz: rolou um acidente durante as pesquisas, as abelhas fugiram do local de experimento e invadiram o Brasil e países vizinhos. Isso mexeu no curso natural das coisas, e hoje, 90% do mel vendido no nosso país é das africanizadas.
Acontece que nossas abelhas são ainda mais dóceis que as europeias, pois muitas espécies nem ferrão têm. Se passasse na frente de uma das colmeias brazucas, Darwin facilmente ia chegar a uma conclusão: a falta do ferrão diminui as defesas dos animais, que mesmo tendo outras ferramentas (algumas liberam uma espécie de ácido contra o predador) preferem voar menos por aí. Quanto maior a distância percorrida, maiores as chances de se deparar com uma possível ameaça, então elas ficam paradas na mesma área – não são nômades, como os animais do resto do mundo. Na prática, isso significa que, conforme os desmatamentos vão acontecendo, esses animais vão se extinguindo. É aí que entram os pequenos produtores, eles conseguem reproduzir esses animais e manter vivo o consumo do mel tipicamente brasileiro.
Ezequiel Macedo é um desses exemplos. Aos 41 anos dedicou 25 à produção do mel. Morador de Jardim do Seridó (RN), ele possui mais de 600 colmeias, de 14 espécies de abelhas – são mais de um milhão de animais “uma só colmeia pode chegar a ter 5 mil abelhas”, explica. Agora, além de produzir e vender o mel “100% nacional”, Macedo quer multiplicar essa cultura. É o projeto “Fábrica de Abelhas”. A ideia ali é relativamente simples: por meio de crowdfunding, ou do patrocino de empresas, Ezequiel quer doar colmeias Brasil afora. Como os animais não tem ferrão, ter centenas deles dentro de uma caixa na sua varanda se torna menos perigoso do que um cachorro que costuma morder a visita. “A gente colhe o mel sem proteção nenhuma. Só não faz isso pelado para não ficar feio”, afirma o apicultor.
E dá dinheiro ter uma colmeia em casa? “Se uma família tiver uma colmeia, e dedicar uma manhã por semana para cuidar dela, ao fim do mês ela consegue uma renda equivalente à do Bolsa Família. Isso de maio a setembro, que e o período de produção do mel”, afirma Atala. “Os cuidados são os básicos: limpeza, alimentação. Nada muito além disso”, explica Macedo.
“Ano que vem a gente termina uma série de estudos referentes à produção de mel. Acreditamos que isso pode abrir algumas portas para mudarmos a lei, e aumentarmos as vendas no Brasil”, explica Alex. Quem sabe, em alguns meses, você já possa ter uma colmeia para chamar de sua? O próprio Atala, tido como o maior chef brasileiro, tem cinco na casa dele.
Se você quiser saber um pouquinho mais sobre os méis brasileiros, Atala, Macedo e este repórter que vos escreve provaram 13 diferentes tipos de mel vindos do Brasil. Você pode ver as características de cada um deles – e o favorito do chef, nos vídeos abaixo.
PARTE 1:
PARTE 2: