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Papo cabeça

Tudo o que sabemos sobre cérebro pode estar errado. É o que diz uma nova corrente de pesquisadores. Entenda a bronca dos neurocéticos

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 8 abr 2014, 22h00

Salvador Nogueira

Foram milênios de chutômetro. Quem quisesse entender a mente humana só tinha uma coisa a fazer: especular. Mas eis que, na década de 1990, os cientistas puderam ver nosso cérebro em pleno funcionamento. Tecnologias avançadas pareciam colocar a mente humana finalmente ao alcance.

Seguiram-se duas décadas de muitos progressos – ou não? Começa a emergir, em um grupo eclético de pesquisadores, a sensação de que todas as imagens coloridas do sistema nervoso em ação não passam de miragem. Ainda estamos muito longe de compreender como o cérebro produz a consciência.

“Quando se fala em imagens do cérebro, ver pode equivaler a acreditar, mas não necessariamente a compreender”, afirmam a psiquiatra Sally Satel e o psicólogo Scott Lilienfeld, autores de Brainwashed: The Seductive Appeal of Mindless Neuroscience (“Lavagem cerebral: O apelo sedutor da neurociência irrefletida”). Recém-publicado nos EUA, o livro é apenas um de uma leva que busca baixar a bola dos neurocientistas.

A grande questão é o que se pode e o que não se pode saber sobre o funcionamento do cérebro. Estamos falando de um sistema nervoso com cerca de 600 trilhões de conexões paralelas, trabalhando de forma frenética para manter nosso corpo funcionando. O que chamamos de consciência é uma parte relativamente pequena dessa conta. Ironicamente, é onde tudo parece se complicar.

ALGUNS ACERTOS

Um dos lampejos mais antigos da neurociência – obtido ainda na época em que o imageamento sofisticado não estava disponível – é o de que o cérebro é dividido em módulos. Cada pedaço seria responsável por uma certa função. Mas as coisas não são tão simples assim.

No cérebro, temos um fenômeno conhecido como plasticidade. É a capacidade de modificar as conexões cerebrais para adquirir novas habilidades. Graças a essa capacidade constante de reorganização, podemos aprender novas coisas e produzir memórias. Ou sofrer um acidente cerebral, mas recuperar movimentos na fisioterapia. Ou tocar piano muito bem – a área do cérebro responsável pelo movimento dos dedos se expande nos pianistas. A plasticidade foi confirmada e reforçada em anos recentes com técnicas que permitem ver o cérebro trabalhando em tempo real.

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O novo passo é, nessa tempestade de impulsos elétricos, conseguir ver imagens. Imagens mesmo: em 2011, pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley conseguiram reconstruir imagens coloridas obtidas a partir da visão de voluntários usando ressonância magnética funcional. Os vídeos gerados não são uma perfeição, mas permitem ver vultos das imagens a que as pessoas foram expostas enquanto estavam na máquina de ressonância. Eles esperam que, no futuro, seja possível gravar sonhos para rever na televisão quando estiver acordado.

Inovações como essas fazem parecer que, finalmente, o entendimento de como funciona nosso pensamento está a apenas um passo ou dois de ser compreendida. Só que não.

VÁRIAS FALHAS

Às vezes, os neurocientistas se entusiasmam tanto que começam a imaginar ter explicado coisas que estão longe de ser resolvidas. “A despeito de inferências bem informadas, o maior desafio do imageamento é que é muito difícil os cientistas olharem para um ponto ativo em uma imagem cerebral e concluírem com certeza o que está acontecendo na mente da pessoa”, dizem Satel e Lilienfeld.

Um exemplo eloquente de como eles podem escorregar na casca de banana aconteceu em 2008, quando um grupo de neurocientistas da empresa FKF Applied Research, de Washington, tentou enxergar o “posicionamento político” no cérebro de voluntários indecisos sobre sua preferência na eleição presidencial americana. Eles foram colocados em máquinas de ressonância magnética e expostos a imagens de diversos pré-candidatos democratas e republicanos. Segundo suas conclusões, publicadas em artigo no jornal The New York Times, os dois pré-candidatos mais impopulares eram John McCain e Barack Obama, meses depois indicados por seus partidos. Obama ganhou aquela eleição e é tão “impopular” que foi reeleito no ano passado.

Para a dupla de neurocéticos americanos, há fatores intangíveis na compreensão da mente que nunca surgirão em imagens cerebrais. “O domínio neurobiológico é de cérebros e causas físicas. O domínio psicológico é de pessoas e seus motivos. Ambos são essenciais para um entendimento completo de por que agimos como agimos”, escrevem a psiquiatra o psicólogo.

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E o que pensa um neurologista, mais acostumado aos fatos nus e crus da fisiologia cerebral? Se esse neurologista for o americano Robert Burton, a opinião não é muito diferente. “Olhar para as mais detalhadas imagens do cérebro não capturará o que sentimos quando experimentamos amor ou desespero, tanto quanto examinar os pixels individuais numa pintura não lhe dará um senso geral do quadro”, afirma.

Um dos desafios das pesquisas de neurociência é que, para correlacionar um tipo de pensamento a um padrão de atividade cerebral, é preciso que o voluntário relate o que está pensando. Aí fica fácil dizer que visualizaram “amor” ou “ódio” no cérebro. Mas é quase uma redundância. O voluntário já sabia o que estava sentindo, e não precisava de uma imagem cerebral para provar! Por outro lado, sem a informação de quem está “do lado de dentro” da mente, o padrão de atividade em si não permite mais que inferências muito gerais.

MENTES QUE MENTEM

Em seu livro A Skeptic¿s Guide to the Mind: What Neuroscience Can and Cannot Tell Us About Ourselves (“Um guia cético para a mente: o que a neurociência pode e não pode nos dizer sobre nós mesmos”), publicado em 2013, Burton sugere que acreditar demais no poder da neurociência pode levar a situações dramáticas. Com ampla experiência médica, ele lembra os casos em que a pessoa fica em coma profundo, ou em estado vegetativo, por vários anos.

Alguns neurocientistas têm investigado o nível de atividade cerebral nesses pacientes e sugerido, a partir disso, que eles ainda estão conscientes, apesar de incomunicáveis. Burton defende que essa é uma conclusão precipitada, sem base em ciência sólida, e que pode levar ao sofrimento muitos parentes que tiveram de fazer a opção por desligar o suporte de vida a esses pacientes. Indo mais longe, Burton acredita que há uma falha essencial que impedirá os humanos de compreenderem sua própria mente.

“Acho que todos nós – neurocientistas, cientistas cognitivos, psicólogos, filósofos e leigos – deveríamos estar cientes do paradoxo essencial”, afirma. “Faz parte da condição humana experimentar uma mente gerada de forma involuntária que acredita que pode explicar a si mesma de maneira racional. Esse paradoxo é inevitável e não contornável com ciência melhor ou novas tecnologias.”
Será?

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Neurossucessos

ÁREAS DO CÉREBRO

Já se identificaram o centro de recompensa, as áreas responsáveis pela memória, pela visão, pela audição e até mesmo que região é usada na leitura (uma atividade aprendida, em que o cérebro empresta uma área associada a reconhecimento de rostos).

COORDENAÇÃO MOTORA

Experimentos em macacos iniciados pelo brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade Duke, mostram que é possível extrair sinais do cérebro e interpretá-los por computador de forma que o animal controle braços robóticos ou um cursor na tela. Espera-se que isso resulte em próteses cibernéticas para paraplégicos.

IMAGENS DA MENTE

Estudos no Japão já mostraram que é possível interpretar sinais do córtex visual e transformá-lo em imagens muito próximas do que os voluntários estão vendo. O passo seguinte é fazer a mesma coisa com sonhos.

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Neurofracassos

BAIXA CONFIABILIDADE

Uma revisão recente publicada na revista Nature Reviews Neuroscience demonstrou que os estudos de neurociência em geral têm uma confiabilidade estatística muito baixa. Como eles usam poucos voluntários, é difícil distinguir fenômenos reais de flutuações.

CADÊ OS REMÉDIOS?

Embora a compreensão de fenômenos neurológicos que levam a doenças como epilepsia e mal de Alzheimer tenha aumentado, pouquíssimas drogas eficazes surgiram como resultado dos avanços recentes da neurociência.

O PERIGO DO ERRO
Na Índia, em 2008, eletroencefalogramas foram usados para condenar à prisão perpétua uma estudante de 25 anos, acusada de matar o ex-noivo envenenado. Outros dois foram condenados por assassinato pelo mesmo método, até que um relatório, naquele mesmo ano, mostrou que os exames eram absolutamente inconclusivos.

Imagem: CreativeComons.org

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