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“DNA lixo” pode estar ligado ao surgimento de novas espécies, diz estudo

A maior parte do código genético não tem função conhecida: por isso, é chamada de "DNA lixo". Mas ela pode dificultar o cruzamento entre indivíduos ligeiramente diferentes - e fazer com que se dividam em espécies

Por Maria Clara Rossini
Atualizado em 3 ago 2022, 10h57 - Publicado em 8 set 2021, 19h15

Grosso modo, a função do DNA é guardar as instruções para produzir as proteínas que fazem você: da cor do seu cabelo às dobrinhas do seu cérebro. No entanto, apenas 1,5% do código genético realmente faz isso – esses trechos são chamados de genes. Outros 5% do DNA servem para regular os genes: dizer quando eles devem ser ligados ou desligados, ou agir de forma mais ou menos intensa. Os 93,5% que restam foram apelidados de “DNA lixo”, e ainda são um mistério para a ciência.

Um mistério que está sendo resolvido aos poucos. Pesquisadores do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, propõem que parte do DNA lixo ajuda na especiação dos seres vivos – ou seja, no surgimento de novas espécies. Os trechos responsáveis por isso são chamados de “DNA satélite”, e correspondem a 10% do genoma total.

O DNA satélite é composto por longos trechos que se repetem, como se fosse um “copia e cola” genético. Esses trechos são abundantes nos organismos eucariontes, como os animais. O novo estudo verificou que o DNA satélite dificulta a procriação entre espécies diferentes (o que daria origem a filhotes híbridos). Vamos explicar como isso pode ter alavancado a evolução.

Por definição, dois indivíduos são da mesma espécie quando conseguem procriar e gerar descendentes férteis. É por isso que cachorros de raças diferentes continuam sendo da mesma espécie: porque eles podem cruzar e ter filhotes. Mas não dá pra cruzar um gato e um cachorro – então sabemos que eles são espécies diferentes.

Agora, suponha que uma espécie de primatas viva junta na mesma floresta. Por algum motivo, parte do grupo se isola do resto (digamos, pelo surgimento de um rio que eles não conseguem atravessar). Então, formam-se dois grupos isolados, sem troca genética. Ao longo de milhares de anos, os dois grupos irão acumulando mutações diferentes. Quando o rio seca e os primatas voltam a se encontrar, eles não conseguem mais ter filhos. Isso significa que, agora, eles não são apenas grupos distintos – e sim espécies diferentes.

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Uma ou mais mutações impossibilitaram a procriação entre os dois grupos – e isso gerou novas espécies. O palpite dos cientistas suíços é que essas mutações que isolam grupos, e criam novas espécies, ocorram justamente no DNA satélite. Essa hipótese surgiu a partir de um outro estudo, feito em 2018. A equipe descobriu que parte do DNA satélite ajuda a organizar o material genético no núcleo da célula. Ele “instrui” algumas proteínas a organizarem os cromossomos da maneira correta.

Os autores desse estudo estavam estudando fertilidade em drosófilas (as moscas de fruta) da espécie D. melanogaster. Eles resolveram deletar o gene que codifica a proteína prod, exclusiva dessa espécie. É ela quem se liga ao DNA satélite para organizar os cromossomos. Sem essa proteína, os cromossomos se espalharam para fora do núcleo, e as moscas morreram.

Em outro teste, eles cruzaram uma D. melanogaster (normal, sem alteração genética) com uma outra espécie de drosófila, chamada D. simulansOs filhotes também morreram. Quando os pesquisadores olharam para o núcleo das células, as moléculas de DNA estavam espalhadas, como no experimento anterior. A explicação é que a D. simulans usa uma outra proteína para organizar os cromossomos, e isso causou a bagunça nas células do filho.

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Então os pesquisadores alteraram os genes que codificam essas proteínas, tornando os pais compatíveis entre si. Quando as espécies cruzaram novamente, elas produziram um filho híbrido saudável. O que estava empatando o casal eram mesmo as proteínas do DNA satélite. Conclusão: ao impedir a reprodução entre dois indivíduos, esses pedaços de código genético podem estar dando um “empurrão” para que eles divirjam geneticamente, dando origem a novas espécies.

Os pesquisadores esperam poder fazer o mesmo experimento em outras espécies. No futuro, eles esperam que a pesquisa possa ajudar a resgatar espécies em risco de extinção, como o rinoceronte-branco do norte. Só há dois espécimes vivos, e ambos são fêmeas. Se os cientistas conseguirem modificar geneticamente um óvulo e cruzá-los com uma outra espécie semelhante (como o rinoceronte-branco), talvez seja possível gerar um filhote saudável.

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