Peixe-bolha: o animal mais feio do mundo ou o mais injustiçado?
Conheça o bichinho que já ganhou um prêmio de feiúra e entenda por que o título é sacanagem: nas pressões abissais do leito do mar, ele tem uma cara diferente.
Em 2003, uma equipe de pesquisadores catalogava a fauna e a flora do fundo do mar da Nova Zelândia. Kerry Parkinson, hoje ictiologista (especialista em peixes) do Australian Museum, era apenas uma pesquisadora iniciante e ficou responsável por tirar fotos de “tudo que fosse encontrado e fosse taxonomicamente incerto, estranho, ou que a gente não soubesse o que era”, ela contou ao The Spinoff.
Foi naquele momento que ela tirou a foto de um peixe desconhecido que virou meme, estampa de camisetas, bicho de pelúcia. O peixe fez sucesso nas redes no começo dos anos 2010 por ser tão… esquisito. Ele é caído, pelancudo, viscoso e lembra uma figura humana. Ele foi apelidado de Mr. Blobby, nome de um personagem da TV britânica. Em português, o seu nome popular é peixe-bolha.
Depois de alguns anos sendo meme, em 2013, ele foi eleito o animal mais feio do mundo. O prêmio foi um concurso organizado pela Ugly Animal Preservation Society (Sociedade de Preservação dos Animais Feios, em tradução livre), uma organização criada pelo humorista Simon Watt.
O seu objetivo é, por meio do humor, conscientizar as pessoas sobre a importância de distribuir os esforços de conservação de espécies entre animais que não são tão fofos aos olhos humanos.
“Nós só protegemos os animais com os quais nos identificamos porque são bonitinhos, como os pandas. Se as ameaças de extinção são tão ruins quanto parecem, então concentrar-se apenas na fauna mais carismática é perder completamente o foco.”, disse Watt à BBC na ocasião do prêmio, em 2013. “Não tenho nada contra os pandas, mas eles têm seus apoiadores. Essas espécies precisam de ajuda”.
A verdade é que o julgamento do peixe-bolha é uma grande injustiça: eles só têm essa aparência bizarra quando são retirados das profundezas em que vivem. Em seu habitat natural, ninguém veria nada de especial na beleza (ou feiura) do dito-cujo. Olha só:
Ninguém sabe qual é a espécie exata do peixe-bolha que aparece na foto viralizada em 2003, mas há duas possibilidades: Psychrolutes microporos e Psychrolutes marcidus. Ambas vivem na região entre a Austrália e a Nova Zelândia e são conhecidas popularmente como peixe-bolha.
Elas vivem em profundidades extremas, entre 600 e 1.200 metros. Lá embaixo, a pressão pode ser mais de cem vezes maior do que a pressão atmosférica no nível do mar. Por isso, o peixe-bolha tem uma variedade de adaptações para viver em habitats de alta pressão, que incluem o corpo mole, os ossos macios e pouca massa muscular. Não é à toa que ele fica tão deformado aqui na superfície, em condições amenas.
Eles também não têm bexigas natatórias, um órgão de armazenamento de gases que ajuda os peixes ósseos a controlarem a densidade do seu corpo de modo a regular a profundidade do mergulho. Sem ela, a flutuação dos peixes-bolhas depende da sua composição rica em gordura, que faz com que eles sejam um pouquinho menos densos do que a água ao redor.
Quando um peixe-bolha é retirado de seu habitat, a descompressão faz com que ele se expanda e sua pele relaxe, distorcendo suas características e dando-lhe aquele narigão característico. Isso é semelhante ao que ocorre com águas-vivas que vivem em ambientes abissais (a mais de 4 mil metros de profundidade).
Sabe-se muito pouco sobre o peixe-bolha. Ele é um animal pouco estudado pela dificuldade de acessar seu habitat e, segundo o Ugly Animal Preservation Society, por ter pouco apelo popular.
O que sabemos é que ele se alimenta principalmente de crustáceos, mas topa qualquer coisa que flutue até sua boca. Nas barrigas de peixes-bolha, cientistas já encontraram fragmentos de estrelas-do-mar, corais, anêmonas, sacos plásticos, pedras e até bicos de polvo.
Todas as vezes que a espécie foi avistada, os indivíduos estavam sozinhos, e não se sabe muito sobre como eles se reproduzem. Eles aparecem raramente em redes de pesca, e não são considerados comestíveis. Apesar disso, em 2019, um peixeiro de Sidney comeu um e relatou que era um dos melhores sabores que já havia provado.
Hoje, a maior ameaça ao peixe-bolha não é a pesca e nem o bullying dos humanos, mas o aquecimento das águas oceânicas. Os ambientes aquáticos são muito sensíveis a essas mudanças, que têm acontecido mais rápido do que as previsões.
Talvez o peixe realmente não mereça o título de campeão da feiura, se somos nós que estamos destruindo o ambiente dele. E tem mais: se a gente fosse visitar o peixe-bolha lá embaixo, nossos corpos implodiriam. Seríamos transformados em um patê nojento, e ele, bonitão, ficaria nos assistindo.