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Por que fosfina em Vênus (ainda) não é confirmação de vida extraterrestre

Na Terra, a molécula é produzida por seres vivos em ambientes sem oxigênio. Pode ser um sinal de vida em Vênus ou um processo químico ainda desconhecido.

Por Guilherme Eler
Atualizado em 18 Maio 2023, 11h22 - Publicado em 14 set 2020, 20h29

Com temperaturas que ultrapassam os 465°C na superfície, uma pressão 92 vezes maior que a da Terra e uma atmosfera terrivelmente ácida, Vênus não parece ser, nem de longe, um local plausível para um ser vivo chamar de “casa”. Mesmo micróbios extremófilos, acostumados a viver muito bem em regiões completamente desfavoráveis, não poderiam suportar condições tão adversas.

Mas há quem diga que nem sempre foi assim: no passado, Vênus contava com grandes porções de água em estado líquido – que inclusive poderiam, segundo argumentam certos cientistas, abrigar vida microscópica. Após a chapa esquentar demais na superfície ao longo de milhões de anos, no entanto, essa vida teria mudado de endereço. “Não é nada difícil imaginar uma forma de vida típica às nuvens de Vênus”, supôs Carl Sagan, cientista e divulgador científico, em um artigo publicado na revista Nature ainda em 1967.

Décadas após Sagan popularizar a hipótese, astrônomos provariam que essa especulação poderia, sim, fazer sentido. A resposta para uma eventual forma de vida venusiana estaria em uma camada específica da atmosfera: a uma altitude entre 50 e 65 quilômetros da superfície, Vênus reúne características químicas mais amenas e temperatura próxima aos 30°C – condições parecidas às encontradas na Terra.

Agora, uma equipe internacional de pesquisadores divulgou as primeiras pistas concretas desses tais vestígios – que, segundo argumentam, podem ser as primeiras evidências de uma possível vida extraterrestre. Ao investigar potenciais formas de vida pela galáxia, cientistas costumam procurar por compostos essenciais à vida – à vida como conhecemos aqui na Terra, que fique bem claro.

Encontrar água, fósforo, metano e outros recursos em um local inóspito pode mostrar que um certo planeta já foi – ou ainda é – habitado. Esses compostos são chamados pelos cientistas de bioassinaturas, e podem ser flagrados à distância, com a ajuda de telescópios potentes. Equipamentos do tipo são capazes de analisar o “espectro” das moléculas ligadas à vida.

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A luz branca é composta por várias frequências de ondas. Se a luz for decomposta, essas ondas podem ser observadas em um arco-íris, como na capa do disco do Pink Floyd. Acontece que quando essa luz atravessa algum gás, o composto químico que está ali absorve comprimentos específicos de ondas, deixando uma “buracos” no arco-íris que chega aqui na Terra. Como cada composto um absorve comprimentos específicos de luz, é possível saber com qual molécula se está lidando apenas olhando para esse espectro.

No caso do novo estudo, os dados analisados foram coletados a partir de 2017 pelos telescópios ALMA, localizado no Chile, e pelo James Clerk Maxwell, que fica no Havaí. Eles mostraram que, num dado trecho do céu de Vênus, há a presença do gás fosfina.

Pode ser que você nunca tenha ouvido falar dela, mas trata-se de algo importante para os astrobiólogos, cientistas que estudam buscam por vida em outros planetas. Tudo porque a fosfina – composto feito de três moléculas de hidrogênio ligadas a uma de fósforo – também pode funcionar como uma bioassinatura. Faz sentido: na Terra, a fosfina só costuma dar as caras naturalmente onde existem formas de vida anaeróbicas – ou seja, microrganismos que não precisam de oxigênio para viver.

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A principal suspeita dos cientistas, seguindo essa linha, é que a fosfina da atmosfera de Vênus também tenha sido produzida por seres vivos. Segundo argumentam no novo estudo, publicado na revista científica Nature Astronomy, não há chances de que não tenha origem biológica, levando em conta os processos químicos conhecidos atualmente. 

A quantidade de fosfina encontrada na atmosfera do nosso vizinho de Sistema Solar é relativamente pequena: a cada bilhão de moléculas que vagam pela região analisada do céu de Vênus, apenas 20 são do composto. Mas essa concentração, segundo os cientistas, não dá brechas para qualquer outra explicação. De acordo com o grupo, a taxa é alta demais para vir de uma fonte não viva, mesmo se os supostos micro-organismos de Vênus tenham 10% da eficiência que micróbios da Terra possuem ao produzir fosfina.

“Se isso for realmente confirmado, vai ter uma dupla importância. Primeiro, vai ser a primeira detecção de vida fora da Terra, uma coisa espetacular”, disse à SUPER, Marcelo Borges, astrofísico do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, que pesquisa planetas com potencial astrobiológico. “Segundo, vai mostrar que a vida, na realidade, não está limitada ambientes similares à vida na Terra, mas pode surgir numa gama mais diversa de locais, incluindo ambientes muito mais extremos, inóspitos”.

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Cientistas testaram eventos como vulcanismo, impacto de meteoros, ou reações causadas pela própria composição química da atmosfera. Nenhum deles teria sido capaz de espalhar tanta fosfina pela atmosfera venusiana. Mesmo assim, não se descarta que algum outro processo químico desconhecido possa estar envolvido. Ele só não é conhecido ainda.

“Nós não estamos dizendo que encontramos vida em Vênus. Estamos afirmando que detectamos fosfina cuja existência é um mistério. Ela pode produzida graças a processos químicos desconhecidos ou por uma possível forma de vida”, reforçaram os pesquisadores durante a conferência que anunciou a descoberta, que você pode assistir no vídeo abaixo.

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É por esse motivo que o estudo, apesar de revelador, ainda não serve como uma evidência definitiva de vida extraterrestre. As conclusões que os pesquisadores reuniram se baseiam em formas de vida conhecidas – e, portanto, terrestres. É possível que a química de Vênus, um vizinho sobre o qual ainda temos muito a descobrir, reserve uma explicação não biológica para o fenômeno. “Pode ser que exista uma outra possibilidade. Só que ninguém pensou até hoje. Essa explicação fica em aberto”, diz Borges.

Portanto, é essencial que, ao tentar entender as chances de vida venusiana, as próximas missões a Vênus deem atenção especial ao que existe quilômetros acima da superfície do planeta. “Sondas ao redor de Vênus podem observar melhor a atmosfera, confirmando a detecção [de fosfina] e encontrando outras moléculas que podem ser indicadoras da vida”, diz Borges. A Veritas, missão da Nasa que fará a próxima visita a Vênus, está marcada para acontecer entre 2025 e 2029. Até lá, é provável que cientistas, daqui da Terra, tenham recolhido pistas ainda mais precisas para orientar essa investigação.

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