Por uma ciência mais punk
Ganhador de um dos mais prestigiados prêmios científicos do mundo, Howard Jacobs mistura a atitude punk com pesquisas que podem explicar por que envelhecemos
Mauro Tracco
Em novembro de 2004, a sociedade científica ficou chocada durante a cerimônia de entrega do prestigiado Prêmio Descartes, uma espécie de Nobel europeu. Poucos acreditaram que o homem de cabeça raspada, usando camiseta dos Ramones, coturnos e jaqueta de couro estava no evento certo, até ele receber o prêmio principal. Era o geneticista Howard Jacobs. Quando perguntaram a ele por que havia subido ao palco do Castelo de Praga, Tchecoslováquia, com uma camiseta dos Ramones, ele disse: “porque eu gosto da banda”. Howard é punk, e um dos primeiros. Ele estava entre os milhares de jovens londrinos que, em 1976, aterrorizaram a Inglaterra com uma cena movida pela raiva e pelo caos. Hoje, Howard estuda as mitocôndrias – as estruturas das células responsáveis por produzir energia, que têm um DNA próprio. É possível que, estudando esses genes, encontremos desde a cura de doenças como diabete e surdez até modos de retardar o envelhecimento. Nesta entrevista, Howard explica o que mitocôndrias têm a ver com os Sex Pistols.
Quando você se interessou pela cena punk?
Em 1976, no ano em que tudo começou.
Quais as principais semelhanças que você vê entre ciência e punk rock?
Ambos têm elementos de caos criativo e de simplicidade sistemática. Punk rock é baseado em 3 acordes. Ciência envolve a repetição precisa do mesmo experimento diversas vezes. O caos criativo surge do sentido da canção ou da interpretação do experimento. Além disso, punks e cientistas se rebelam contra idéias preconcebidas. Claro, não devemos levar esse conceito muito longe. Se reduzirmos uma área à manifestação da outra estaremos desvalorizando as duas. Quero dizer, um mineiro de carvão pode ser apaixonado por balé sem que exista uma conexão intrínseca filosófica entre as duas atividades.
Você declarou que uma noite regada a cerveja pode ser mais produtiva que 20 anos de trabalho solitário em laboratório. Você acha que cientistas podem se beneficiar da atitude punk?
Em relação aos benefícios da cerveja, eu disse que “pode”, mas não afirmo que faz. Trabalho árduo em laboratório também pode produzir bons resultados. A melhor ciência nasce da combinação entre experimentos rigorosamente conduzidos e a construção de hipóteses criativas, que contraponham idéias aceitas sem uma base de experiências, mas que são “suposições convenientes”. Pessoalmente, acho que algumas cervejas, especialmente quando combinadas com um show de punk rock, podem ter um efeito positivo no raciocínio. Estimulação periférica freqüentemente ajuda uma idéia a se desenvolver mais do que quando você se concentra muito nela.
Você já se sentiu excluído por outros cientistas e colegas por causa da sua aparência?
Nunca. Talvez as pessoas falem coisas pelas minhas costas, mas eu nunca me senti rejeitado ou marginalizado por ser quem sou. Muito pelo contrário, meu visual cria curiosidade. Prefiro acreditar que as pessoas prestam mais atenção no que digo do que nas minhas roupas e eu faço o mesmo com meus colegas. Um cara que pareça ser um velho chato engravatado pode apresentar idéias tão interessantes quanto alguém com um corte de cabelo ridículo.
Por quê você escolheu se especializar em DNA de mitocôndrias?
Acho que foi ele que me escolheu. Ele surgiu na minha vida numa série de descobertas acidentais durante meu pós-doutorado e desde então estou preso a esta área. Mas posso dizer que de alguma forma eu amo mitocôndrias e seus DNAs, principalmente o fato de elas viverem de acordo com suas próprias regras peculiares. O DNA de uma mitocôndria é muito mais rebelde do que eu jamais sonharia ser.
Como assim?
O DNA da mitocôndria usa um código genético diferente do de qualquer outro organismo ou sistema de genes. Sua replicação em humanos e em outros vertebrados envolve um mecanismo único. Além disso, ele possui a menor quantidade possível de informação genética – de alguma maneira, conseguiu se livrar de materiais que não codificam genes e que são encontrados em todos os outros genomas. Por fim, em humanos, outros vertebrados e em alguns outros animais e plantas, ele é herdado somente da mãe – ele não faz sexo, o que é bastante peculiar.
Como é exatamente a pesquisa que lhe valeu o Prêmio Descartes?
O projeto era uma reunião de várias pesquisas. Uma das mais importantes era descobrir a base genética de doenças mitocondriais, que podem ser desde mal de Parkinson até epilepsia, diabete ou surdez. Nós também descobrimos que a degradação do DNA mitocondrial pode causar envelhecimento, ao menos em experimentos de laboratório. Não podemos ter certeza que isso acontece também em humanos – outros fatores podem levar aos mesmos sintomas mais rapidamente ou podem existir interações mais complexas entre as mitocôndrias e outros fatores.
A cena punk rock é às vezes vista como um refúgio para adolescentes entediados, não muito brilhantes, passando por uma fase de rebeldia. O que você acha dessa descrição?
Rebeldia requer pensamento, ou pelo menos é o seu primeiro pré-requisito. Adolescentes entediados são freqüentemente os mais inteligentes.
Muitas pesquisas em biologia, em áreas como células-tronco e evolução , esbarram em questões religiosas. Além disso, muitos punks e cientistas torcem o nariz para religião. Qual a sua opinião?
Eu sou judeu como Joey Ramone (vocalista da banda Ramones). As pessoas ficam exaltadas quando o assunto é religião e ciência. Mas, com exceção dos fundamentalistas (que são poucos no mundo desenvolvido, fora o caso bizarro dos EUA), religião é sobre aspirações morais e não uma explicação do Universo. A ciência serve para explicar o Universo, mas não tem nenhum senso de moralidade. Ciência e moralidade são necessárias para o progresso humano. Uma deveria informar a outra em vez de competirem.
Howard Jacobs
• 49 anos.
• Nascido em Londres.
• É professor de Biologia Molecular na Universidade de Tampere, Finlândia.
• A Universidade de Glasgow, Escócia, chegou a lhe oferecer um bom cargo de professor, mas ele preferiu a Finlândia para poder se dedicar ao seu amor científico, pesquisas com mitocôndrias.
• Viu shows do The Clash e Sex Pistols em 1976, quando eles ainda não haviam lançado nenhum disco.
• Tem escutado as bandas Adverts, Rezillos, The Clash, Ramones, Stiff Little Fingers, Dropkick Murphy’s, Tiger Army e o projeto solo de Mike Ness (da banda Social Distortion).