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Qual o impacto da proibição da venda de animais exóticos na China

O consumo de carne de animais selvagens pode ter relação com o surgimento do novo coronavírus. Entenda o que a medida representa.

Por Guilherme Eler
Atualizado em 25 mar 2020, 12h18 - Publicado em 2 mar 2020, 19h36

O governo chinês proibiu a venda e o consumo de animais exóticos no país no dia 24 de fevereiro. A decisão foi uma resposta à crescente no número de casos do novo coronavírus que, até agora, já infectou pessoas cerca de 90 mil pessoas em 67 países – incluindo o Brasil – e causou mais de 3 mil mortes.

Apesar de polêmica (como você verá mais abaixo) a decisão pelo banimento das carnes exóticas é coerente. Tudo porque os vírus do grupo corona são zoonoses: ou seja, pulam de animais para humanos. E a rota de contaminação do novo coronavírus, segundo os cientistas, pode ter sido resultado do consumo de animais não domesticados – ao contrário do porco, frango ou boi, por exemplo.

Antes que você, leitor, se pergunte, o consumo de sopas de morcego ou pratos feitos com cobraexplicações que circularam pelas redes sociais no início de 2020 e já foram rechaçadas pela ciência – não têm nada a ver com o espalhamento da nova doença. Mas morcegos possuem, sim, certa culpa no cartório. Um estudo publicado na revista Nature mostrou que o código genético do coronavírus que infecta humanos é 96% semelhante às variedades que circulam em populações de morcegos da China.

Apesar de não serem figura frequente na alimentação de chineses, morcegos costumam abrigar uma série de vírus nocivos aos humanos. A explicação mais provável é que um desses mamíferos voadores tenha infectado algum bicho exótico – o pangolim, mamífero ameaçado de extinção que é alvo frequente de traficantes, já foi indicado como um possível candidato. Esse hospedeiro intermediário, então, teria contaminado humanos, espalhando a doença.

Mas como exatamente aconteceu o contato de humanos com um animal silvestre contaminado? A resposta está na popularidade que bichos exóticos comprados em feiras de rua têm na China.

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Além de grandes quantidades carne suína e de frango, peixes e crustáceos ainda vivos em tanques, quem visita o comércio popular chinês pode contar com uma grande variedade de animais – que não costumam fazer parte da dieta em outros locais do mundo. Entre os exemplos mais comuns estão ratos, lontras, civetas (pequenos mamíferos carnívoros parecidos com as fuinhas), ouriços, tartarugas, sapos, cobras, cervos e crocodilos. Mas a lista vai longe. Quando bichos silvestres são comercializados vivos, se tornam os reservatórios perfeitos para vírus que jamais foram mapeados por cientistas. Assim, tem a chance perfeita para infectar humanos – e causar uma nova epidemia.

Parte desses animais, sobretudo as espécies raras e ameaçadas, é fruto da caça ilegal – prática historicamente combatida via medidas locais de conservação. Mas outra parcela significativa vêm de criações em fazendas, como as de animais tradicionais. Essa já foi, inclusive, uma atividade incentivada pelo governo local.

Desde o início de fevereiro, quando a venda de carne exótica ainda estava proibida apenas temporariamente, os alvos se tornaram essas propriedades especializadas em criar animais exóticos. Como destaca esta reportagem do jornal britânico The Guardian, pelo menos 19 mil criadouros de animais silvestres já foram fechados na China. Entre as diferentes criações estavam pavões, porco-espinhos, civetas, gansos e javalis selvagens, que abasteciam mercados por todo o país.

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Não se sabe qual o tamanho desse mercado. Segundo uma estimativa da Sociedade de Empreendedorismo e Ecologia, uma ONG baseada na China, o banimento do consumo de carnes exóticas pode representar uma perda anual de 50 bilhões de yuans (R$ 32 bilhões) à economia chinesa, e deixar 1 milhão de chineses sem emprego.

A alteração na lei exigirá também uma mudança importante na mentalidade dos chineses. Este estudo de 2015 mostrou que, na capital Pequim, cerca de 30% dos habitantes recorre aos “wet markets” para comprar comida fresca. Além disso, é provável que carnes exóticas sigam à venda no mercado negro, algo que aconteceu após o surto da gripe aviária na China, em 2014.

A proibição atual, no entanto, não deve extinguir por completo o apelo que animais silvestres têm no mercado local. Isso porque a decisão não envolve animais comercializados por conta de sua pele ou couro, para fins medicinais e pesquisa científica. Segundo pontua um comunicado da Wildlife Conservation Society, ONG dos Estados Unidos para conservação, “isso cria uma brecha em potencial para ser explorada por traficantes, que podem se valer dessas isenções não alimentícias para vender ou comercializar animais vivos”. 

Não é a primeira vez que a venda de animais exóticos na China aparece associada ao espalhamento de um novo tipo de coronavírus. Acredita-se que a variedade responsável pela SARS (sigla para síndrome respiratória aguda grave), que infectou mais de 8 mil pessoas entre 2002 e 2003, tenha sido contraída pelo consumo de civetas.

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A explicação sobre como se deu o contágio do paciente zero do novo coronavírus seguem em aberto. No começo de 2020, cientistas apontaram o mercado de frutos do mar Huanan, em Wuhan, como o potencial epicentro da doença: 27 dos primeiros 41 a apresentar sintomas da covid-19 teriam visitado ou trabalhado na tal feira. Essa hipótese, porém, foi questionada ainda ao final de janeiro por um estudo publicado na revista científica The Lancet. A pesquisa argumenta que o primeiro caso de contaminação não fazia parte do grupo de clientes do mercado Huanan. Novos estudos trabalham na identificação da fonte inicial do vírus, mas nenhum chegou a resultados conclusivos até agora.

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