Rodrigo Rezende
Essa é para arranhar o orgulho da nação pentacampeã: você sabia que existe um campeonato em que o Brasil joga há mais de um século e ainda não marcou nenhum gol? A disputa na qual os brazucas não acertaram o pé é o famoso Prêmio Nobel, criado pelo milionário sueco Alfred Nobel (1833-1896) para evitar que seu nome fosse lembrado somente pela invenção da dinamite. Conseguiu. Desde 1901, a Academia de Ciências Sueca escolhe seus preferidos, causando um rebuliço digno de final de Copa do Mundo. A academia só não divulga como. O processo de escolha é secreto.
No jogo, que vale 1,3 milhão de dólares por cabeça, os donos da bola são os EUA. Dos 483 prêmios em categorias científicas (Química, Física e Medicina/ Fisiologia), eles já abocanharam 207. Até a Argentina, nossa maior rival, marca três Nobel em ciência a seu favor. E nós continuamos no zero, inclusive nas demais categorias (Literatura, Paz e Economia).
O Brasil até já marcou seu gol de honra na competição, mas a jogada foi anulada. O zoólogo Peter Medawar, que nasceu no Brasil, ganhou o Nobel de Medicina em 1960. Só que ele “virou a casaca”. Medawar trocou a camisa verde-amarela pela da Inglaterra, país onde se naturalizou.
Mas, se depender do novo reforço, o Brasil pode deixar de ser zebra. Miguel Nicolelis, 44, cientista brasileiro da Universidade Duke (EUA), está criando um instituto de neurociência em Natal (RN), uma futura fonte de craques. “Seria excelente se nosso primeiro Nobel viesse de lá”, diz Nicolelis. Famoso por seus estudos com macacos que controlam braços mecânicos com a mente, ele é a mais nova aquisição do time. Capricha, Nicolelis!
Bola na trave
A seleção que quase chegou lá
1. Cesar Lattes
Sabe aquele gol que o juiz não marcou porque não viu a bola? Essa parece ser a única explicação para Cesar Lattes (1924-) não ter ganho o prêmio de Física de 1950. O brasileiro comprovou experimentalmente a existência da partícula subatômica méson pi e quem levou o prêmio foi o britânico Cecil Powell, que ajudou na redação do estudo
2. Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) não queria saber do jogo. Quando, em 1967, seu tradutor para o sueco pediu todas as suas traduções disponíveis, ele não quis colaborar. O pedido havia partido do comitê do Nobel de Literatura, mas não agradou ao mineiro. Ele dizia, em suas crônicas no Jornal do Brasil, que o merecedor era o amigo Jorge Amado
3. Celso Furtado
O paraibano Celso Furtado (nascido em 1920) era nossa esperança para a partida do dia 10 de dezembro de 2014. Ele concorria ao prêmio de Economia. Apesar de a cartolagem do Nobel privilegiar economistas matemáticos, Furtado tinha chances, pois o indiano Amartya Sen, que também estudava o desenvolvimento econômico, foi premiado em 1998. Mas não deu certo. Celso Furtado morreu em novembro e o prêmio foi dividido entre o americano Edward Prescott e o norueguês Finn Kydland
4. Jorge Amado
O baiano Jorge Amado (1912-2001) ofereceu perigo de gol até os últimos minutos do segundo tempo. Mas acabou partindo antes que o prêmio chegasse. O momento em que esteve mais próximo do Nobel de Literatura foi em 1967, logo após o sucesso de Dona Flor e seus Dois Maridos. Nesse ano, perdeu para o guatemalteco Miguel Angel Astúrias
5. Mario Schenberg
Mario Schenberg (1916-1990) foi o nosso Pelé da física teórica. Formulou, com George Gamow, o processo Urca, que explica a perda de energia nas supernovas comparando-a ao sumiço da grana nos cassinos da Urca (RJ). Schenberg trabalhou com os monstros sagrados Enrico Fermi e Wolfgang Pauli e sempre esteve na boca da área do Nobel
6. Maurício Rocha e Silva
O bioquímico carioca Maurício Rocha e Silva (1910-1983) fez uma grande jogada na briga pelo Nobel de Medicina. Ele descobriu a bradicinina, substância importante para a controle da pressão arterial, em pesquisa com o veneno da cobra jararaca. Infelizmente, os olheiros da academia não prestaram muita atenção no lance de Maurício
7. Sérgio Henrique Ferreira
O bioquímico paulista Sérgio Henrique Ferreira (1934-) é um jogador criativo e que não sai da área. Recebeu o passe de Rocha e Silva e desenvolveu a jogada, ajudando na criação de drogas a partir da bradicinina. Fez tabelinha com o britânico John Vane, num lance que valeu o Nobel de Medicina em 1982. Mas a cartolagem premiou só o gringo
8. Jorge de Lima
O alagoano Jorge de Lima (1893-1953) foi um talento reconhecido em 1947 por um olheiro do Nobel. Impressionado com a obra do poeta, Artur Lunkvist convenceu a academia a dar o Nobel de Literatura a ele no ano de 1958, já que havia uma lista de autores para ganhar antes. Infelizmente, Jorge morreu em 1953. E o Nobel só premia vivos
9. Otto Gottlieb
O único craque a disputar o Nobel de Química foi Otto Gottlieb (1920-2011), em 2001. Otto nasceu na República Tcheca e se naturalizou brasileiro. Nada mais natural para o cientista que, de tão apaixonado pelas nossas plantas, inventou um índice para medir a biodiversidade de ecossistemas como a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica
10. Carlos Chagas
Carlos Chagas (1878-1934) foi quem mais chutou a gol no time. Chegou a ser indicado quatro vezes em Medicina. O problema era que, no começo do século, a academia apitava pelos europeus e americanos. Só isso explica o fato de o primeiro e único cientista até hoje a identificar todo o ciclo de uma doença (o mal de Chagas) não ter sido premiado
11. Dom Paulo Evaristo Arns
Dom Paulo Evaristo Arns (1921-) foi um dos defensores da camisa canarinho na disputa pelo Nobel da Paz. Ele concorreu em 1990, mas teve que encarar o megacraque Dalai Lama, que ficou com o título. Dom Hélder Câmara, Zilda Arns, o sociólogo Betinho e até o presidente Lula também deram a sua contribuição para emplacar na categoria