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No Physics Café, professor da USP mistura bolo e experimentos

A SUPER visitou o café mais nerd de São Paulo. "Quem resolver a equação de Schrödinger ganha uma xícara", brinca Álvaro Vannucci, especialista em fusão nuclear – e fundador do local.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 16 Maio 2019, 17h21 - Publicado em 16 Maio 2019, 17h09

Eu cheguei ao Physics Café no último sábado, às 3h da tarde, após comer uma feijoada cataclísmica no boteco mais próximo. Não tinha a menor intenção de tirar o crachá do bolso para escrever uma reportagem. Calhou que não deu: meu lado nerd se emocionou quando eu entrei no sobrado recém-inaugurado pelo professor aposentado Álvaro Vannucci. E meu outro lado – que é nerd também – não fez nenhuma objeção.

Vanucci é especialista em fusão nuclear do Instituto de Física da USP, e leciona na Cidade Universitária desde 1982. Para a aposentadoria, abraçou um projeto de divulgação científica inédito no Brasil: uma cafeteria temática, repleta de experimentos acessíveis ao público leigo e equações cabeludas rabiscadas nas paredes. O estabelecimento se esconde no número 322 da pequena rua Lincoln Albuquerque, no meio do caminho entre os bairros paulistanos de Perdizes e da Barra Funda.

Quando me sentei diante de um pedaço de bolo, Álvaro não estava por perto – fazia alguma tarefa administrativa no andar de cima. Pendurada no teto, uma mola de plástico muito comprida demonstra a propagação de uma onda mecânica (isto é, uma onda sonora). Em cima do balcão em que ficam os bolos e bombas, um globo terrestre paira de maneira fantasmagórica, sem encostar na base que o sustenta: ímãs o mantêm suspenso no ar. No vão debaixo da escada, a parede foi pintada de preto e preenchida com planetas de plástico e luzinhas – o cantinho foi apelidado de “buraco negro”.

Mais ao fundo, mesas com tabuleiros de xadrez e poltronas confortáveis ficam aconchegadas debaixo de prateleiras de livros. Apoiados em um anteparo do Senhor dos Anéis, há volumes de Stephen Hawking, Werner Heisenberg, uma antiga enciclopédia em fascículos e as teses de doutorado dos alunos de Vannucci, que ele explica com carinho.

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Em um dos experimentos mais interessantes, hidrogênio (H) e oxigênio (O) se juntam para formar água (H2O) – liberando energia no processo. A energia faz uma pequena hélice girar. A água resultante passa por eletrólise – isto é, é decomposta novamente em hidrogênio e oxigênio por uma corrente elétrica –, reiniciando o ciclo.

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(Bruno Vaiano/Arquivo pessoal)

Na lousa (que você vê na foto no começo do texto), estão as lendárias equações de Maxwell, que datam da década de 1860. Me lembro da explicação que a astrofísica Lia Medeiros, da Universidade do Arizona, havia me dado alguns dias antes: “Elas explicam o comportamento da eletricidade e do magnetismo. Só tinha um problema: segundo as equações, a velocidade da luz seria sempre a mesma, independente da velocidade de quem está observado.” Quem resolveu o problema, é claro, foi a teoria da relatividade restrita de Einstein.

Falando em Einstein, ele está lá, assim como o gato e a equação de Schrödinger – que descreve o comportamento do mundo microscópico. Quem resolvê-la, brinca Vannucci, ganha um café: “Isso aí demora umas três horas.” O que demorou mais de três horas foi a entrega das janelas novas para o andar de cima: seis meses no aguardo. A reforma da casa levou, ao todo, dois anos. Tudo com calma.

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As janelas se destinavam a uma sala de aula impecável, com cheirinho de móvel novo. Lá, Vannucci ministrará um curso sobre fusão nuclear – e convidará seus colegas do IFUSP e de outros departamentos da Universidade para dar palestras sobre suas especialidades ao público leigo. Ele está particularmente interessado em abordar a mecânica quântica, que é alvo de muito besteirol e pouca informação confiável nas redes sociais e cursos com coaches.

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(Bruno Vaiano/Arquivo pessoal)

Vannucci se dedica muito a explicar cada um dos experimentos, e não se importa de sentar na mesa e conversar com os visitantes – principalmente nos horários mais vazios. É raro eu ter a oportunidade de perguntar absolutamente qualquer coisa a um físico experiente: geralmente, as entrevistas acontecem por telefone, com um assunto específico em mente e um prazo apertado.

Assim, decidi aproveitar a oportunidade e chutar o balde: a teoria quântica de campos atual, chamada Modelo Padrão, descreve tudo que há no Universo (com exceção da gravidade) com base nas interações de 17 partículas e 3 forças fundamentais. Algumas dessas partículas e forças são velhas conhecidas de quem lê a SUPER: elétrons, fótons e a força eletromagnética, por exemplo. Outras não fazem parte nem do nosso cotidiano nem do imaginário popular: múons, glúons, neutrinos etc.

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O problema do Modelo Padrão é que ele depende de uma série de números pré-determinados – e nós não fazemos ideia do que os determinou. É como se um cientista alienígena, observando uma cidade da Terra de longe, conseguisse descobrir que todos os prédios, não importa o quão diferentes entre si, são compostos de tijolos do mesmo tamanho, unidos com cimento da mesma composição. Só há um problema: o alienígena não sabe por que todos os tijolos têm aproximadamente as mesmas dimensões, nem por que o cimento tem essa composição, e não outra.

Acontece algo parecido conosco: todo ser humano é composto de quarks e elétrons, mas não sabemos porque essas partículas fundamentais possuem as características que possuem. Se a massa, a carga elétrica ou o spin dos quarks e elétrons fossem só ligeiramente diferentes, eles talvez não conseguissem formar átomos, e nós não existiríamos.

Nas palavras de Lee Smolin, do Instituto Perimeter, no Canadá: “O Modelo Padrão não pode ser tudo, em partes porque ele envolve 29 parâmetros livres. Nós não temos explicações para os valores destes parâmetros; assim, buscamos uma teoria mais profunda que os explicaria. Além disso, muitos desses parâmetros são antinaturais: eles são números muito pequenos, a divisão entre eles dá valores muito grandes (o problema da hierarquia). Eles parecem estar ajustados à perfeição para um Universo com átomos de núcleo estável que permita a existência de vida complexa.”

Pergunto a Álvaro qual é sua visão sobre o Modelo Padrão. E ele diz: são os epiciclos.

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Epiciclos?

Ptolomeu, o polímata grego autor do Almagesto, era geocentrista: considerava que a Terra ficava no centro do Sistema Solar, e que os demais astros giravam em torno dela. Só havia um problema: planetas como Marte ou Vênus traçavam caminhos estranhos no céu: às vezes, davam piruetas e passavam algum tempo em marcha-ré (o chamado movimento retrógrado). Ptolomeu explicava o fenômeno fazendo os planetas girarem em círculos dentro de círculos, como na imagem abaixo. A conta até batia – o problema era explicar porque a natureza faria as coisas de um jeito tão difícil.

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(Encyclopaedia Britannica/Domínio Público)

 

Hoje, sabemos, é claro, que os planetas descrevem elipses simples: a confusão acontecia porque essas elipses estão traçadas em torno do Sol, e não da Terra. Ou seja: uma mudança de perspectiva revolucionária simplificou um problema que antes parecia insolúvel. Quando isso acontecerá com o Modelo Padrão? Não sabemos. Avanços na teoria de cordas, por exemplo, começam a indicar um caminho.

Até lá, dê uma passada no Physics Café. E saia com caraminholas desse tipo na cabeça.

Physics Cafe. Rua Lincoln Albuquerque, 322, Perdizes, tel. 3865-8656. Ter. a sex., 10h30 às 20h; sáb., 9h às 20h.

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