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Rachaduras nas paredes do Universo

A maior descoberta de 2014 pode ter sido uma ilusão. Mesmo assim, ela serve para lembrar algo especial: que somos mais do que meros observadores do cosmos. Entenda

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 15 set 2014, 22h00

Alexandre Versignassi

Depois do céu, tem outro céu. Sem estrelas. Se você voar alto o bastante, uma hora sai da Via Láctea. As estrelas vão ficar lá embaixo, confinadas em braços espirais. Mas ainda vai existir um céu, e ele será pontilhado de galáxias. E depois desse céu, tem outro céu. Sem galáxias.

É o que os telescópios mostram. Para além das galáxias, o que existe é uma sopa de radiação. Um caldo onipresente – que os astrônomos chamam de “radiação cósmica de fundo”. “De fundo” porque permeia tudo o que dá para ver além do domínio das galáxias. Para qualquer canto que você apontar um telescópio, essa radiação vai estar lá. Na prática, ela forma as paredes do Universo. E foi nessas paredes que podem ter feito, em março deste ano, uma das descobertas mais bonitas da história. Essas paredes já eram bem conhecidas. Elas são a maior evidência do Big Bang, e, de quebra, a maior amostra de que o senso comum não entende o que realmente foi o Big Bang. Para começar, a explosão que deu origem ao Universo não foi uma explosão. Ela ainda é uma explosão.

O Big Bang continua big-bangando, porque o cosmos continua expandindo. E cada vez mais rápido. Vivemos dentro de uma “explosão controlada”. Mais importante: o Big Bang não aconteceu em algum lugar distante nas profundezas do cosmos. Ele aconteceu exatamente aí, onde você está agora. Ele aconteceu em Guarulhos, em Júpiter e na sua testa. Ao mesmo tempo. É que, há 13,8 bilhões de anos, tudo o que existe hoje, aqui, no céu ou na sua cabeça, estava espremido no mesmo ponto. E do lado de fora desse ponto não existia um “lado de fora”. Não existia nada. Todo o espaço e tudo o que preenche o espaço estavam contidos lá. Tudo mesmo: da energia que forma os átomos dos seus cílios ao espaço físico que separa São Paulo do Rio – ou a Via Láctea da galáxia de Andrômeda. Tudo bem apertado, numa quantidade de espaço que caberia com folga na ponta de um alfinete.

O Big Bang foi a expansão dessa quantidade de espaço. E ainda é, já que o espaço continua inflando, como uma bexiga descomunal. Essa expansão, por sinal, chegou a ter uma fase especialmente acelerada – um período de trilionésimos de segundo que os astrônomos chamam de “inflação cósmica”. Para localizar melhor: o Big Bang, estritamente falando, foi o momento em que o Universo saiu do nada para virar algo do tamanho de uma partícula subatômica. Depois desse pequeno passo, veio o grande salto: a inflação cósmica. Foi aí que o Universo deixou de ser uma partícula e virou algo parecido com isso que a gente vê à noite pela janela (ainda sem estrelas, ou átomos, ou luz, mas ainda assim algo grande). Essa puberdade cósmica passou rápido. Uma fração de trilionésimo de segundo e já era: o ritmo da expansão voltou ao normal. Mas a inflação deixou rastros, resquícios daquele tempo especial, em que o Universo era uma partícula subatômica.

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Foi um desses rastros que o time do astrônomo John M. Kovac, do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian, encontrou no céu do Polo Sul, em março de 2014. Eles perceberam “rachaduras” nas paredes do Universo. Ondas, na verdade, permeando a radiação cósmica de fundo.

E aí que está a beleza da coisa. Por causa do seguinte: a ciência sabe que as forças da natureza se manifestam em forma de ondas. O eletromagnetismo, a que mantém os ímãs presos na geladeira e que faz sua mão doer se você dá um soco na mesa (graças à repulsão eletromagnética entre os átomos da sua mão e os da mesa), é feito de ondas. Ondas eletromagnéticas. Outras duas forças também vêm em ondas, como o mar: a nuclear forte, que mantém os quarks unidos na forma de prótons, e a nuclear fraca, a mais figurante de todas, que age na periferia dos átomos. É o que a física quântica provou ao longo do século 20. Só que ficou um buraco nessa história. Ninguém nunca detectou as ondas que deveriam formar a força mais popular das quatro que existem: a gravidade.

Mas podem ter acabado de encontrar. É que, se existem ondas visíveis nas paredes do Universo, como os pesquisadores do Polo Sul viram, elas podem, sim, ser ondas gravitacionais. E provavelmente geradas pela violência da inflação cósmica – dá para imaginá-las como cicatrizes daquele crescimento fulminante. Para todos os efeitos, seriam fósseis da adolescência tumultuada do cosmos, marcas do tempo em que o Universo era só uma partícula. Tudo isso ainda é hipótese pura – e imagens mais recentes das cicatrizes, feitas em setembro pelo telescópio espacial Planck, sugerem que elas podem ser só poeira estelar. Que a descoberta das ondas gravitacionais pode ter sido só uma ilusão.
Mesmo assim, só a possibilidade de que não, não seja uma ilusão, já serve para lembrar a gente de algo mais profundo: de que somos tão parte do cosmos hoje quanto na época em que estávamos todos juntos, ali, naquela ponta de alfinete. Serve para lembrar que não somos meros observadores do Universo. Somos o próprio Universo, tomando consciência de si mesmo.

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