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Rio transcontinental atravessava oeste da Antártica há 44 milhões de anos

A Antártica já teve pântanos e um complexo sistema fluvial. Entenda o que isso revela sobre o passado do continente.

Por Eduardo Lima
Atualizado em 12 jun 2024, 16h07 - Publicado em 12 jun 2024, 16h02

A Antártica continental está quase completamente coberta de geleiras, mas nem sempre foi assim. Abaixo do gelo há um continente enorme, de terra firme, que já esteve exposto ao Sol no passado. Agora, cientistas descobriram evidências de um rio transcontinental que atravessava o oeste do polo Sul há cerca de 44 milhões de anos.

Os pesquisadores analisaram pedras de arenito encontradas em uma perfuração na plataforma continental do Oceano Austral. Esses sedimentos profundos ajudam a entender as condições do continente durante o Eoceno, entre 44 e 34 milhões de anos atrás, antes do gelo dominar a região. Na época, o oeste da Antártica tinha pântanos e condições climáticas temperadas. “Um lugar muito mais amigável do que é hoje”, explica a co-autora do estudo e pesquisadora da Universidade de Bremen, Cornelia Spiegel-Behnke.

Esses sedimentos encontrados na costa oeste do continente foram parar bem longe de seu lugar de origem: os Montes Transantárticos, que ficam a milhares de quilômetros de distância para o leste. As pedras de arenito foram transportadas por meio de um rio com mais de 1.500 quilômetros de extensão, recém-descoberto pelos pesquisadores. Ele desembocava na região do mar de Amundsen, que era pantanosa na época.

As descobertas mudam o que se pensava sobre a Antártica. A pesquisa foi publicada na revista Science Advances por uma equipe de cientistas do mundo todo, liderados por pesquisadores da Universidade de Bremen, na Alemanha.

Mudanças radicais

Os cientistas já sabiam que havia vales formados pelos rios debaixo do gelo da Antártica, mas sem grandes detalhes. Agora, já é possível saber com mais precisão a idade e a extensão de um desses rios – que provavelmente compunha um complexo sistema fluvial.

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Os Montes Transantárticos se formaram há cerca de 40 milhões de anos, com intensa atividade tectônica e vulcânica causando sedimentação. Esses sedimentos foram transportados pelo rio transcontinental até a região onde hoje ficar o mar de Amundsen.

A existência desse rio indica que a geografia da Antártica era bem diferente do que vemos hoje. Provavelmente, grande parte do oeste do continente era composta por planícies acima do nível do mar. Graças ao relevo baixo, não havia muito acúmulo de gelo por ali – diferentemente das montanhas do leste, que já estavam começando a se transformar em glaciais.

O clima da região, mais quente que o atual, poderia ser comparado ao da Escandinávia de hoje. A margem do rio certamente tinha diversas espécies de vegetação. Outras escavações revelam que pinguins gigantes viveram no oeste da Antártica nessa mesma época, e é provável que eles tenham morado perto do grande rio.

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Crise climática

O navio alemão quebra-gelo Polarstern foi numa missão até a Antártica em 2017 para pesquisar a plataforma continental do mar de Amundsen, que é coberto de gelo. Lá foram encontradas as amostras de arenito que levaram à descoberta do rio.

“Fomos bem ‘sortudos’ de encontrar poucos icebergs e pouco gelo marinho, que impediriam a perfuração mais profunda”, explica Spiegel-Behnke. “‘Sortudos’ entre aspas, mesmo, porque o nível baixo de gelo marinho é um resultado muito visível do aquecimento do clima, e algo bem triste de se ver.”

A cobertura de gelo do oeste da Antártica é muito mais sensível à crise climática, pois essa porção do continente está abaixo do nível do mar, e não acima como milhões de anos atrás (entenda melhor neste texto). Saber como o continente antártico se desenvolveu é essencial para entender como ele pode se comportar no futuro.

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