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Site vende fósseis do Ceará nos EUA; paleontólogos questionam legalidade das peças

Os artefatos supostamente são da Bacia do Araripe, importante local para a paleontologia. Fósseis encontrados em território nacional são propriedade da União – e sua venda é ilegal.

Por Luisa Costa
Atualizado em 23 jan 2023, 20h26 - Publicado em 23 jan 2023, 16h50

Neste sábado (21), o paleontólogo Juan Carlos Cisneros, da Universidade Federal do Piauí (UFPI), usou sua conta no Twitter para denunciar uma loja online dos Estados Unidos. O site estaria vendendo fósseis brasileiros adquiridos ilegalmente na Chapada do Araripe, uma região entre os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí.

O site pertence à Indiana 9 Fossils, uma loja com sede no estado do Missouri, região centro-oeste dos EUA, que existe desde 1997. Estão à venda milhares de fósseis – de plantas, insetos e até dinossauros –, vindos de países diversos. Só do Araripe, são 12 páginas de anúncios, com aproximadamente 250 produtos (placas de calcário com insetos, em sua maioria). Cisneros afirmou à Super que tem certeza de que os fósseis são autênticos; não se trata de réplicas.

Fósseis encontrados em território brasileiro são propriedade da União; sua venda é ilegal e sua exportação é controlada para fins científicos. Estas diretrizes são determinadas por dois decretos principais. Um é de 1942, assinado por Getúlio Vargas, e afirma que quaisquer fósseis encontrados por aqui pertencem ao País, e movimentações para o exterior devem ser autorizadas pelo governo.

O outro decreto é de 1990. Ele determina que as autorizações devem ser emitidas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – e exige que uma instituição brasileira prestigiada participe das coletas de espécimes biológicos e minerais (e dos respectivos estudos) junto à pessoa ou instituição estrangeira.

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Esse é o único modo que uma expedição pode levar material paleontológico para fora do Brasil. Assim, os fósseis vendidos na loja online só poderiam ter saído legalmente daqui se a exportação tivesse acontecido antes de 1941 (ou seja, antes do decreto assinado por Vargas). No site, não há nenhuma informação de quando (e como) os artefatos chegaram nos EUA.

A fonte dos fósseis

A Bacia do Araripe é um dos pontos mais importantes para a paleontologia no mundo. Lá, existem depósitos sedimentares como a Formação Crato, do início do período Cretáceo – período de 145 a 66 milhões de anos atrás. Trata-se do depósito de fósseis mais rico e diverso do Brasil, com espécimes muito bem preservados de plantas, insetos, aracnídeos, peixes, pterossauros e dinossauros. Por vezes os fósseis incluem até tecidos moles, que geralmente não sobrevivem ao tempo.

Infelizmente, o contrabando de fósseis da região é um problema bem conhecido pela comunidade de paleontólogos do Brasil. A compra e venda de espécimes acontece livremente em cidades do interior do Ceará – situação que já foi flagrada por veículos jornalísticos como o G1, em Nova Olinda e Santana do Cariri. Por lá, você pode comprar um fóssil por R$ 20 reais e, se der sorte, ganha outro de brinde.

Cisneros também se refere a essa dinâmica em sua thread: “Os fósseis são vendidos a preços absurdos [na loja online]. São 3,12 mil dólares por uma cigarra, e 3,9 mil por uma libélula! [Foram] Seguramente comprados de uma pessoa humilde pelo valor de uma aguardente qualquer.”

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Em entrevista à Super, Cisneros disse que o contrabando acontece pelo menos desde os anos 1980 – e já foi bem pior, porque a Polícia Federal fez operações bem sucedidas na última década para desarticular algumas quadrilhas. “Às vezes, eu encontro sites que vendem fósseis brasileiros, mas são casos isolados. O que me chocou [no site da Indiana 9 Fossils] é que a loja tem centenas deles à venda – o que sugere que eles ainda estão recebendo material, ou estavam há muito pouco tempo.”

É da Bacia do Araripe que veio o fóssil do dinossauro Ubirajara jubatus. Ele saiu irregularmente do Brasil, foi parar no Museu de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha, e virou protagonista de um estudo realizado por pesquisadores europeus. Como os paleontólogos brasileiros sequer sabiam da existência do material, começaram uma campanha pela repatriação do fóssil nas redes sociais. Eles tiveram sucesso: depois de muita polêmica, o estudo saiu do ar e o Ubirajara vai voltar para cá – embora ainda não haja data certa para isso acontecer.

O Ubirajara não é o primeiro caso de fóssil retirado irregularmente do Araripe e levado ao museu alemão. E a instituição não é a única: o Museu Americano de História Natural, em Nova York, conta com uma série de fósseis de peixes retirados da Bacia do Araripe, assim como o Museu de Munique (Alemanha). Neste caso, o material foi para lá nos anos 1800, antes da criação dos decretos que citamos acima.

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Cisneros incentivou seus seguidores a denunciarem os anúncios da Indiana 9 Fossils ao Ministério Público Federal e recebeu apoio da bióloga e paleontóloga Beatriz Hörmanseder, da Universidade Federal do Espírito Santo, que mostrou um passo a passo do procedimento.

A Super entrou em contato com a loja de fósseis americana para pedir esclarecimentos sobre a questão, mas não recebeu uma resposta até o momento de publicação deste texto. Vale lembrar que o comércio de fósseis nos Estados Unidos é permitido. Os compradores, então, não costumam considerar a legalidade ou ilegalidade dos materiais.

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