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A grande ilha de lixo do Pacífico não é o que você imagina

Nada de tampar a água: ela está mais para um sopão, tem poucas garrafas PET e não é duas vezes maior que os EUA. O que não a torna um problema ambiental menor, é claro.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 20 abr 2018, 18h15 - Publicado em 20 abr 2018, 17h17

Você já ouviu essa história: no meio do Pacífico, em algum ponto entre o Havaí e o litoral da Califórnia, flutua uma ilha de plástico três vezes maior que a França. Mas será que ela de fato é tão densa a ponto de cobrir a água, como na foto abaixo?

 

Bem, não. A foto, na verdade, é dos destroços do tsunami do Japão, em 2011. 

A Grande Porção de Lixo (o nome oficial é esse, com letras maiúsculas, mesmo) é só uma região do oceano Pacífico em que, devido a dinâmica natural das correntes marítimas, muitos poluentes sólidos tendem a se concentrar. Imagens de satélite desse pedaço de mar aberto – use o Google Earth, mesmo, não precisa tirar uma foto do espaço – não mostram nada, pois há muito pouco para se ver de longe.

Dos 1,8 trilhão de objetos contáveis que flutuam ali, 94% são microplásticos – bolinhas de lixo tão pequenas e leves que só têm capacidade de tornar a água turva, opaca. É um sopão muito bem misturado e diluído, e não uma ilha no sentido geográfico da coisa. Os outros 6% são uma miscelânea de itens visíveis, com mais de cinco centímetros. Apesar de bem mais raros e esparsos, são esses os bons em fazer volume: correspondem a boa parte do total de 79 mil toneladas de poluição que há ali.

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Tem para todos os gostos. Garrafas, sem dúvida, mas também sapatos, patinhos de borracha etc. O grosso, porém, é material de pesca: redes, que são 46% do total, linhas de náilon, armadilhas e por aí vai. 20% disso, como dá a entender a foto viralizada acima, foi parar lá graças ao tsunami de 2011 no Japão, de acordo com um estudo abrangente publicado em março deste ano. Mas isso é muito diferente de confundir a foto do pós-desastre com a ilha de lixo em si.

Se você pegasse um balde d’água em um ponto aleatório dessa região do Pacífico – a National Geographic tem uma foto que é exatamente isso –, coletaria um monte de bolinhas esbranquiçadas minúsculas, quase invisíveis, um naco de rede de pesca e, só com muita, muita sorte, uma tampinha ou cotonete. Bem diferente do iceberg de garrafas PET e madeira que está no imaginário popular.

O tamanho real dessa mancha de poluição é difícil de estimar. Afinal, é difícil cravar qual concentração de plástico por metro quadrado deve ser usada de parâmetro para traçar a fronteira. Se a suposta ilha na verdade é uma massa disforme, então ela não termina abruptamente. Na verdade, se dilui no trecho de oceano mais limpo do entorno em um gradiente sutil.

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Algumas fontes afirmam que a Grande Porção de Lixo é duas vezes maior que o território dos EUA, o que é quase certamente um exagero. O serviço de checagem de fatos Snopes atribui esse número a Marcus Eriksen, que em 2008 era diretor de uma fundação de pesquisa fundada pelo oceanógrafo Charles Moore – o cientista que descobriu a concentração de sujeira oceânica em 1997. A estimativa do primeiro parágrafo – três vezes o território da França – é bem mais realista, e bate com os achados do estudo de março, já mencionado.

Todas essas ressalvas, é claro, não são para dizer que devemos afrouxar as providências. Se a mancha é sólida ou não, ou se é composta por mais redes de pesca do que garrafas, são diferenças conceituais que não mudam as gravíssimas consequências de sua existência para a biodiversidade marinha.

“É muito interessante que boa parte do que está sendo encontrado lá não seja plástico gerado por consumidores comuns, que é tão central no debate atual sobre poluição, e sim equipamento de pesca”, declarou à imprensa George Leonard, cientista chefe de um grupo de preservação ambiental chamado Ocean Conservancy. “Esse estudo [o de março] é a confirmação de que itens de pesca perdidos são responsáveis pela morte de muitos animais, e que o debate sobre o plástico deve se tornar mais abrangente para realmente resolvermos o problema.”

O buraco na camada de ozônio tampouco era um buraco ao pé da letra – era só uma região da atmosfera em que a concentração de moléculas de ‎O3 estava bem mais baixa do que deveria. Chamá-lo assim, porém, foi uma aproximação útil, que ajudou a conscientizar governos e populações e resolver o problema antes que ele saísse de controle. Chame você a concentração de lixo do Pacífico de ilha ou não, o importante é entender sua real natureza, e aí desenvolver as melhores estratégias para combatê-la. Nesse caso, o melhor é pensar em redes em que tartarugas se enroscam – e não monolitos de garrafas em que tartarugas podem subir.

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