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Tigre-de-Bengala: O caçador invisível

Silêncio e camuflagem são as grandes armas do tigre - dentes egarras, claro, também contam

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 31 mar 2005, 22h00

Cláudia de Castro Lima

Parque Nacional Ranthambhore, Índia, 2001. O jornalista Colin Stafford Johnson filmava um tigre-de-bengala de 5 anos, que ele chamava de Chips, para um documentário da emissora inglesa BBC. O felino estava atrás do jipe da equipe e percebeu a aproximação de um chital, espécie de cervo asiático, um pouco mais à frente. O cervo saltou para a estrada e avançou para um ponto em que havia precipícios de ambos os lados. Chips não titubeou: disparou atrás do chital. Uns 270 metros adiante, o tigre o pegou, o matou e desabou de exaustão, permanecendo sentado com uma pata sobre a presa. O banquete só começou depois de o felino se recuperar do enorme esforço físico.

A cena foi rara. Tigres não são como guepardos, que perseguem a presa em grande velocidade. E geralmente a vítima tem agilidade suficiente para virar de um lado para outro e safar-se do predador. O caso presenciado pela equipe da BBC foi uma exceção porque o cervo podia correr somente para uma direção. E o tigre só foi atrás dele porque estava convencido de que conseguiria pegá-lo. Senão, tenha certeza: não teria feito tamanho esforço.

Caçadas espetaculares não são a prioridade dos tigres. Na verdade, eles são bem objetivos: querem encontrar a maior presa possível e jantar sem fazer muito esforço. Ocorre que é muito difícil encontrar uma vítima fácil. As presas também têm mecanismos eficazes de se livrar do predador. Macacos sobem em árvores, o que o felino não consegue fazer. Aves podem voar e os ungulados (animais com casco), o prato predileto dos tigres, são extremamente alertas. Além disso, o tigre caça sozinho. Por essas e outras, apenas cerca de 10% das caçadas são bem-sucedidas. “As frustrações são uma parte normal do trabalho semanal do tigre”, afirma o pesquisador Stephen Mills, autor do livro Tiger (“Tigre”, inédito no Brasil).

Ainda assim, o tigre é uma máquina de caça eficiente. Esse felino tem força e rapidez suficientes para perseguir e matar, em curta distância, quase todos os animais de seu hábitat. E o seu instinto matador garante, ainda que precariamente, a sobrevivência da espécie (todas as cinco subespécies de tigre estão ameaçadas e três já foram extintas no século passado, quando a população total dos felinos ultrapassava os 100 mil indivíduos – hoje, os tigres-de-bengala, variedade mais numerosa, não chegam aos 5 mil indivíduos).

Uma qualidade do tigre faz a diferença: a habilidade de aproximar-se silenciosamente da presa. A camuflagem exerce aqui um papel importantíssimo. As listras verticais se confundem com o ambiente e quase desaparecem por trás das folhas da vegetação. “Mesmo que seja um animal gigante, um tigre em movimento no meio da floresta pode ser praticamente impossível de ser visto”, diz Stephen Mills. Aliada a ela, o modo de caminhar do animal e as patas, arredondadas e fofas embaixo, contribuem para que a vítima não perceba sua aproximação.

Nas caçadas do tigre, o fator surpresa é essencial. Quase sempre o felino desiste da caça se ela notar sua presença. Isso levou as vítimas em potencial a criar sistemas de alarme sonoro para avisar ao tigre que ele foi desmascarado – mais que para alertar os outros animais da floresta. É uma barulheira só: o pavão grita, os primatas soltam um tipo de tosse seca e o chital emite um som que lembra um choro. “O tigre é o maior predador de seu hábitat. Por isso todos os outros animais desenvolveram essa vocalização, mesmo os que não são presas habituais, como os macacos, esquilos e pássaros”, afirma Belinda Wright, diretora-executiva da Sociedade de Proteção da Vida Selvagem da Índia.

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Atacar na surdina permite ao tigre-de-bengala abater animais muito mais velozes e maiores que ele, como o gauro, um bisão da Índia. A emboscada é simples. Ao perceber a presença da presa com os poderosos ouvidos e olhos (que enxergam seis vezes mais que os olhos humanos), o tigre se aproxima em silêncio. Quando está a cerca de 20 metros ou menos do animal, ataca. Dá um pulo longo e rápido, segura a presa com suas garras e prende os caninos no pescoço ou na nuca da vítima. E fica lá até que o animal morra por asfixia. “Os tigres não matam a presa para aparecer em documentários na televisão”, afirma Mills. “Eles usam a menor quantidade de energia necessária, tentam fazer a caçada mais fácil e são eficientes em espaços curtos. Um pulo rápido, agarrar e matar estrangulado não são necessariamente cenas espetaculares. Às vezes, de tão mundana a cena, até parece que o tigre pegou sua comida direto da prateleira de um supermercado.”

Mas é bem mais complicado que isso – uma nova “oferta” pode demorar muito a aparecer. Assim, quando consegue uma caça grande, o tigre se empanturra de carne. E pode ficar três ou quatro dias sem se preocupar com comida. Presas muito grandes, no entanto, têm um problema: o desperdício. Em florestas tropicais como Nagarahole, na Índia, em apenas cinco dias a carne do animal morto já está completamente podre. E tigres não comem carniça. Se o felino tiver matado um gauro, que pesa até 1 000 quilos, ele só tem tempo e espaço no estômago para devorar um quinto de sua caça antes de ela apodrecer. Em casos como esses, ele escolhe “dividir” a comida: a mãe com os filhotes, irmãos entre eles. O tigre-siberiano não tem esse problema: como seu hábitat é muito mais frio, a carne do animal morto dura até duas semanas.

A verdade é que um tigre faminto vai atacar qualquer coisa que vir pela frente. Até homens. Embora carne humana não costume fazer parte do cardápio, na Floresta de Sundarbans, na fronteira entre a Índia e Bangladesh, o ser humano virou praticamente parte da dieta alimentar do tigre – fato que vem sendo observado e estudado desde pelo menos o final do século 19. Hoje, acredita-se que isso ocorre porque os tigres sofreram algum tipo de interferência: foram perturbados, machucados, tirados de seu território ou tiveram suas presas habituais extintas.

Poucos animais estão a salvo de um tigre-de-bengala. Stephen Mills descreve em seu livro o felino caçando sucuris de 20 metros, ursos, elefantes e rinocerontes. E o tal fator surpresa é mandado para o espaço quando o predador está convicto do sucesso da caçada. Se a presa não dispõe de uma saída, não há por que ser discreto – veja o caso da perseguição do tigre Chips, descrita no começo do texto. “A confiança faz toda a diferença”, afirma Stephen Mills. Mesmo na tática habitual, o tigre só é sorrateiro até o momento em que chega a uma distância curta o suficiente para dar o bote. Aí, ele já não se importa mais se a vítima irá vê-lo ou não. O tigre-de-bengala apenas ataca, mata e come.

 

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Predileção por carne humana

O Parque de Sundarbans – entre a Índia e Bangladesh – tem um território de 10 mil quilômetros quadrados, as maiores florestas de mangue do mundo e tigres-de-bengala com uma particularidade: gosto especial por carne humana. Não se sabe ao certo quantos felinos habitam a área – especula-se algo em torno de 300 – nem os motivos de seus ataques. O fato é que, nos anos 80, entre 50 e 60 pessoas eram devoradas todos os anos pelos felinos. As vítimas eram coletores de mel e lenhadores que se embrenhavam nas florestas para trabalhar. Algumas estratégias foram elaboradas pelos governos dos dois países para tentar diminuir o número de mortes na região. Uma delas foi espalhar pela mata manequins equipados com mecanismos de choque. Assim que um tigre os atacava, levava um choque – e aprendia a ficar longe de humanos. A medida funcionou, mas foi descartada por ser cara e trabalhosa. A forma que atualmente parece mais eficiente é uma prosaica máscara de plástico ou de borracha usada pelos trabalhadores na parte de trás da cabeça. Como os tigres costumam atacar pelas costas, para não serem surpreendidos, as máscaras os enganam: eles acham que os homens estão olhando para eles e – às vezes – desistem da caçada.

 

Fatos selvagens

Nome vulgar

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Tigre-de-bengala

Nome científico

Panthera tigris tigris

Dimensões

Até 3,8 metros da cabeça até ao fim da cauda

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Peso

Até 250 quilos

Principais armas

Os poderosos dentes caninos e a camuflagem

Comportamento social

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É uma espécie naturalmente solitária, embora sua convivência forçada com outros tigres em parques de áreas restritas da Índia esteja provocando uma aproximação maior entre os indivíduos nos últimos anos

Dieta

Sambar e chital (espécies de veados indianos), porcos selvagens, bisões, antílopes distribuição geográfica

Ataques a humanos

Embora não sejam comuns, eles acontecem. Na Floresta de Sundarbans, na Índia, são registrados cerca de 20 ataques por ano – a maior parte com morte

Quanto come

Na natureza, cerca de 10 quilos de carne por dia

Expectativa de vida

10 anos na natureza; 20 anos em cativeiro

Principais inimigos

Os únicos animais que oferecem algum perigo ao tigre-de-bengala são os cães-selvagens, mas apenas quando atacam em bandos numerosos

Se você encontrar um

Tente não se assustar – em geral, tigres não costumam atacar humanos. Evite agachar ou se curvar

 

 

Para saber mais

Na livraria

Tiger – Stephen Mills, Firefly Books, 2004

Na internet

https://www.5tigers.org – Site mantido por fundações e centros de pesquisa

 

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