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Três é demais: dupla de buracos negros colide na órbita de outro buraco negro

A pancada dos buracos menores ocorreu em meio ao disco de gás e poeira que circundava o buraco supermassivo – e produziu luz, algo inédito para os astrônomos.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 27 ago 2020, 14h10 - Publicado em 26 jun 2020, 19h07

A semana está animada para os fãs de buracos negros. Em 23 de junho, os observatórios de ondas gravitacionais Ligo e Virgo finalmente publicaram a análise de um fenômeno detectado em agosto de 2019: um buraco negro de 23 massas solares engoliu um astro misterioso, com 2,6 massas solares, a 800 milhões de anos-luz da Terra. Ninguém sabe se a vítima da deglutição era um buraco negro de massa muito diminuta ou uma estrela de nêutrons muito roliça – as duas possibilidades são raras e fascinantes.

Agora, o Telescópio Samuel Oschin do Observatório Palomar, na Califórnia, traz novas notícias de outro canto do Universo: um par de buracos negros estelares colidiu no disco de acreção de um buraco negro supermassivo localizado no centro de uma galáxia a 4 bilhões de anos-luz da Terra. Essa colisão não é peculiar só por envolver três bichos-papões cósmicos, mas também porque houve emissão de luz, o que é raríssimo.

Agora, vamos fazer uma pausa para entender todo o jargão do parágrafo acima. Começando com a distância. Quando um astrônomo diz que um fenômeno aconteceu a 4 bilhões de anos-luz de nós, ele quer dizer que a luz produzida por esse fenômeno – a luz que chegou ao telescópio e permitiu a observação – demorou 4 bilhões de anos para chegar até nós aqui na Terra.

A luz é a coisa mais rápida que existe: percorre 299 mil quilômetros em um segundo. Ou seja: se a luz produzida pela colisão entre buracos negros levou 4 bilhões de anos para nos alcançar, é porque a colisão ocorreu muito, muito longe. É por isso que observamos essa colisão no passado, e não no presente. Mesmo a luz do Sol, que está aqui “do lado”, demora 8 minutos para alcançar nosso planeta. A astronomia é uma espécie de paleontologia, feita com fósseis de luz no céu.

Agora vamos aos buracos negros. Eles vêm basicamente em dois tipos: os estelares e os supermassivos. Os estelares se formam a partir do cadáver de uma estrela muito grande e idosa, que implode quando seu combustível acaba. Eles podem ter 10, 20 ou até 30 vezes a massa do Sol (em primeiro lugar porque se formam a partir de estrelas bem maiores que o Sol, em segundo lugar, porque depois que se formam podem engolir mais coisas e engordar).

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Parece grande e aterrorizante, mas nem de longe se compara aos buracos negros supermassivos, que costumam pairar como âncoras cósmicas no centro das galáxias. Esses monstros podem ter bilhões de vezes a massa do Sol – o buraco negro M87*, aquela famosa rosquinha laranja fotografada em 2019, tem 2,4 bilhões de vezes a massa da nossa estrela.

Ninguém sabe ao certo como buracos tão grandes se formam. As soluções propostas para esse impasse vão das mais simples (eles seriam sempre produto da fusão de diversos buracos negros menores) às mais esotéricas (eles seriam resquícios de um Universo que existiu antes do nosso Big Bang), passando por anomalias (como uma nuvem de hidrogênio tão grande que colapsa direto, sem chegar a ser uma estrela).

Mas o ponto é que os supermassivos existem. E em torno deles se acumula o chamado disco de acreção: enormes porções de gás e poeira, que são aceleradas a uma velocidade absurda pela energia potencial gravitacional do buraco negro. Essa agitação e atrito geram uma dose cavalar de radiação eletromagnética, seja no comprimento de onda da luz visível, seja em comprimentos como o rádio, as microondas, os raios X e raios gama. É por isso que chamamos esses buracos negros imensos de núcleos galácticos ativos (ou quasares).

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Os buracos negros tem uma gravidade tão intensa que são capazes de reter toda a luz que os alcança. Por isso, são invisíveis por definição. Mas o entorno dos buracos negros supermassivos é intensamente iluminado pelo disco de acreção. É por isso que a foto do M87 é uma rosquinha: a luz laranja consiste no disco de acreção. O buraco negro em si está na mancha preta no centro.

Agora, temos todos os insumos para entender a notícia do dia. Dois buracos negros de massa estelar, os pequenos, estavam dentro do disco de acreção de um buraco negro gigantesco, supermassivo. Por causa disso, quando eles colidiram, a onde de choque cataclísmica agitou o gás e a poeira que estavam nas redondezas – e houve uma explosão de luz, que pôde ser observada aqui da Terra. Os buracos negros em si obviamente não geram luz; ela foi só um efeito colateral.

Em 21 de maio de 2019, os observatórios Ligo e Virgo detectaram a perturbação no tecido do espaço-tempo causada por esse choque. São as chamadas ondas gravitacionais. Esse normalmente é o único meio de detectar fenômenos que envolvem buracos negros, já que eles não emitem ondas eletromagnéticas (nem luz, nem rádio, nem raios X).

O que surpreendeu os cientistas do Observatório Palomar foi justamente que essa colisão também teve ondas eletromagnéticas, porque bagunçou o disco de acreção de outro buraco negro, muito maior. Foi algo paradoxal: uma fenômeno com buracos negros que produziu luz. É um evento inédito na astronomia. Prova de que três, às vezes, não é demais: é o ideal.

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