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Um fio de verdade

O cabelo é capaz de revelar muito sobre os hábitos de seu dono. Até o que ele não gostaria.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 16 Maio 2018, 13h18 - Publicado em 30 set 1999, 22h00

Ivonete D. Lucírio

A causa da morte de Napoleão Bonaparte (1769-1821) jamais foi esclarecida. Alguns historiadores estão convencidos de que o general francês foi vítima de câncer no estômago. Outros suspeitam de que ele teria sido lentamente envenenado por um serviçal, que colocaria uma substância tóxica em suas taças de vinho. A segunda tese ganhou força depois que o escocês Sten Forshufvund, da Universidade de Glasgow, na Escócia, descobriu, em 1961, que o organismo imperial estava repleto de arsênico. Forshufvund examinou mechas do cabelo de Bonaparte quase um século e meio depois de o baixinho que queria dominar o mundo morrer. Certo, não forneceu uma prova definitiva de assassinato. Afinal, o general pode ter ingerido o veneno acidentalmente. Mas que foi arsênico, foi. Convenhamos, com um indício desses, a culpa deve ter sido mesmo do mordomo.

História à parte, a principal aplicação da análise dos fios de cabelo é saber como vão os vivos. Cada fio é um retrato em miniatura de seu dono. Ele retém por milênios – desde que não seja cortado – as substâncias que um dia circularam pelo sangue. Por isso, é um utilíssimo instrumento para detectar a falta de minerais importantes para a saúde ou identificar a presença de substâncias tóxicas no corpo. No Brasil, o exame é aplicado comercialmente para detectar a intoxicação de trabalhadores de minas e indústrias que lidam com minérios venenosos, como mercúrio. Ou em investigações para estabelecer a paternidade de crianças por meio de exames de DNA. “Nos Estados Unidos, já existem várias escolas fazendo teste antidoping periodicamente nos alunos”, informa o toxicologista Ovandir Alves Silva, da Universidade de São Paulo.

ilucirio@abril.com.br

Algo mais

Formado pela proteína chamada queratina – a mesma das unhas –, o cabelo é praticamente eterno. Diferente dos demais tecidos de seu organismo, ele não se altera nem se deteriora por milênios. Em 1993, pesquisadores americanos acharam traços de cocaína em pêlos de múmias peruanas com 1 000 anos.

Está escrito nas madeixas

Veja quanta coisa pode ser descoberta sobre seu corpo num simples exame de suas mechas.

Consumo ilegal

Uma das aplicações mais freqüentes do teste do cabelo é identificar a presença de drogas, como cocaína, maconha, heroína, anfetaminas e anabolizantes. Aí, a análise das melenas apresenta vantagens sobre os exames de urina e de sangue. Primeiro, porque a coleta é simples e todo o processo não leva mais que 24 horas (veja o quadro na página ao lado). Segundo porque, mesmo que a pessoa já tenha parado de usar a droga, a substância permanece impregnada nas escamas capilares para sempre. No caso da urina, os resquícios duram poucos dias. Por isso, o Comitê Olímpico Internacional está estudando a adoção da técnica como exame padrão antidoping. O cabelo só não denuncia o consumo de bebidas alcoólicas. O álcool é rapidamente eliminado do organismo, antes de se incorporar aos fios.

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Sinal de alerta

Os fios são bons indicadores de envenenamento por mercúrio e arsênico. Este último é ingrediente de agrotóxicos e de preservantes de madeira utilizados pela indústria de móveis. Ingerido ou aspirado em grande quantidade, causa danos ao sistema nervoso e pode até matar. O mercúrio, usado nos garimpos para separar ouro de outros minerais, acaba infectando os rios e contaminando peixes, animais e plantas. Os mineradores, vítimas constantes dessa intoxicação, podem desenvolver doenças sérias, como câncer. “O teste do cabelo é a forma mais eficiente de identificar essas duas substâncias, pois é muito difícil encontrar traços delas no sangue e na urina”, explica Márcia Sabino, do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), em Belo Horizonte, Minas Gerais. O laboratório do CDTN, um dos poucos no Brasil a realizar o exame, faz cerca de 100 análises por mês. A maior parte é encomendada por mineradoras e pelo governo, para prevenir a intoxicação de moradores de cidades próximas a garimpos.

Prova de identidade

Testes de DNA para verificar a paternidade também fazem uso da análise do cabelo. Nesse caso, é preciso recolher moléculas com o código genético intacto, existentes apenas na raiz e na base de cada fio. A polícia também utiliza essa artimanha nas investigações criminais. Amostras de pêlos encontradas em cenas de crime servem como prova contra um suspeito. “O único problema é que as moléculas de DNA não duram para sempre. Elas se deterioram em alguns dias”, explica a bióloga Celma Cristina Barbosa, do laboratório Genomic Engenharia Molecular, em São Paulo.

Amostra de saúde

Exames de cabelo revelam a saúde do dono. Pesquisadores da Universidade de New South Wales, na Austrália, descobriram no início deste ano que boa parte das mulheres com tendência a desenvolver câncer de mama tem nos cabelos uma camada extra de queratina. A medicina ortomolecular – que defende a cura e a prevenção de males pelo uso de vitaminas e minerais – é outra que faz uso da análise. Os médicos dessa especialidade costumam encomendar um mineralograma, um mapa das quantidades de elementos químicos presentes nos fios. “Esse mapeamento é o ponto de partida para qualquer tratamento”, diz o médico ortomolecular Wagner Fiori. “Depois de acharmos os elementos que estão em falta ou em excesso, determinamos o que deve ser feito para devolver o equilíbrio ao organismo.”

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Segredo cabeludo

Veja como é feito o exame para identificar o uso de drogas.

1. Os fios são divididos em vários pedaços de 1,5 centímetro, correspondentes a um mês de crescimento do cabelo. A porção mais próxima da raiz é a mais jovem. Quanto mais na ponta, mais velha. Com isso, dá para determinar o período durante o qual a droga foi consumida.

2. Os segmentos passam por um banho de detergentes biológicos para retirar toda a sujeira externa.

3. O material é então misturado com ácidos, a uma temperatura entre 40 e 100 graus Celsius. O calor faz com que os compostos químicos existentes se desprendam.

4. Os cientistas misturam os fragmentos a substâncias químicas que se ligam às moléculas da droga, tornando-as mais visíveis.

5. Essa sopa vai para um cromatógrafo – equipamento que acusa a presença e a quantidade da droga ali depositada. O resultado aparece na forma de um gráfico na tela do computador.

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