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Uma única proteína pode transformar algumas formigas operárias em rainhas

Em colônias de formigas-saltadoras-de-jerdon, operárias disputam a liderança após a morte da rainha. A transição social envolve mudanças fisiológicas – e pode ser desencadeada por uma única molécula.

Por Luisa Costa
9 nov 2021, 10h50

Em contextos específicos, algumas formigas podem passar do status de operária ao de rainha, posição também chamada gamergate. Agora, um estudo publicado na revista Cell sugeriu que uma única proteína pode controlar essa transição social, que envolve uma série de mudanças fisiológicas.

Vamos partir do início: formigas vivem em sociedades organizadas por castas. A figura central de uma colônia é a formiga rainha: uma fêmea fértil, responsável por gerar novos indivíduos para o formigueiro. Os machos cumprem sua parte na reprodução, ao acasalarem com a rainha. Enquanto isso, as formigas operárias trabalham duro – protegendo a colônia, garantindo alimentos e cuidando dos ovos da rainha. Elas são fêmeas inférteis e compõem a casta mais numerosa dos formigueiros.

Na maioria das espécies de formigas, não existe qualquer fenômeno parecido com ascensão social. Geralmente, quem nasce formiga operária contenta-se com seu destino e morre formiga operária. Mas existe uma espécie que é um pouco diferente: a formiga-saltadora-de-jerdon (Harpegnathos saltator).

O que acontece é que essas formigas podem trocar de função na colônia. Quando a rainha morre, as operárias começam a disputar a realeza entre si, atacando umas às outras. A vencedora torna-se uma gamergate (ou “pseudorrainha”) e assume o protagonismo do formigueiro. Ela deixa o trabalho de forrageamento de lado, adquire maior expectativa de vida e se torna fértil. Assim, sua missão de vida torna-se comandar a colônia e produzir ovos.

Durante as disputas pela liderança, as operárias passam por uma série de mudanças fisiológicas na tentativa de aproximarem seus corpos ao de uma rainha. Os ovários da formiga triunfante aumentam, e o cérebro encolhe até 25% em comparação ao seu tamanho original. Estudos anteriores já investigaram essa transição corporal e social da espécie, mas ainda não estava claro o que desencadeia tudo isso.

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“Os cérebros dos animais são plásticos – ou seja, podem mudar sua estrutura e função em resposta ao meio ambiente”, afirma em nota Roberto Bonasio, pesquisador da Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos) e um dos autores do estudo. “Esse processo, que também ocorre no cérebro humano, é crucial para a sobrevivência; mas os mecanismos moleculares que o controlam não são totalmente compreendidos.”

Novas descobertas

Para entender melhor essa transição, uma equipe de cientistas conduziu experimentos com as formigas, expondo-as a mudanças em seu ambiente e a diferentes níveis de hormônios.

Eles trabalharam com dois hormônios, chamados JH3 e 20E, que estão presentes nos organismos das operárias e das gamergates. Acredita-se que eles atuam na regulação do comportamento social de formigas – e até de outros insetos sociais, como a abelha europeia.

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Os pesquisadores perceberam que, ao injetar um análogo do JH3 no cérebro das formigas, sua atividade de caça diminuía; já um análogo do 20E estimulava a ativação do ovário nos insetos.

Para entender esse funcionamento em mais detalhes, a equipe recorreu ao estudo de neurônios isolados em laboratório. Eles perceberam que os hormônios influenciavam os neurônios das formigas, ativando um fator de proteína chamado Kr-h1 (homólogo de Krüppel 1). 

Imagine que esse nome difícil designa uma espécie de interruptor no organismo dessas formigas, e que os dois hormônios estudados pelos cientistas são responsáveis pelo liga e desliga – e pela ativação de diferentes genes.

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Os níveis de hormônios presentes em formigas operárias faz com que o Kr-h1 reprima genes associados a gamergates. Já os níveis de hormônios encontrados em gamergates fazem o contrário: nesse cenário, Kr-h1 reprime os genes relacionados à fisiologia das operárias.

“Essa proteína regula diferentes genes em operárias e gamergates e evita que as formigas realizem comportamentos ‘socialmente inadequados'”, explica Shelley Berger, pesquisadora da Universidade da Pensilvânia (nos Estados Unidos) que participou do estudo. “Ou seja, Kr-h1 é necessário para manter as fronteiras entre as castas sociais e garantir que os trabalhadores continuem a trabalhar, enquanto as gamergates continuam a agir como rainhas.”

Os pesquisadores ficaram surpresos com a descoberta de que uma mesma proteína pode silenciar diferentes genes no cérebro de cada casta – suprimindo um potencial comportamento de operária em uma gamergate, e vice-versa. “Pensamos que essas tarefas seriam atribuídas a dois ou mais fatores diferentes, cada um deles presente apenas em um ou no outro cérebro”, afirma Bonasio.

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Segundo essa hipótese (que poderá ser confirmada por estudos posteriores), existem vários comportamentos possíveis previstos no genoma das formigas da espécie Harpegnathos saltator, e a regulação dos genes define qual papel será ou não desempenhado em cada momento.

Os pesquisadores ainda pretendem investigar se o papel do Kr-h1 existe em outros animais sociais que compartilham hormônios neurológicos semelhantes. Eles acreditam que as implicações das descobertas podem ir além do entendimento sobre a plasticidade comportamental em formigas e outros insetos. Segundo Bonasio, “é tentador especular que proteínas relacionadas possam ter funções comparáveis ​​em cérebros mais complexos, incluindo o nosso”.

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