ndro Greco e Denise Barros
Há quase dez anos, em 2002, o cientista alemão radicado nos Estados Unidos Eckard Wimmer construiu o primeiro vírus de laboratório. E não foi nada difícil. Ele pegou o código genético do vírus da pólio e encomendou diferentes trechos de DNA para alguns laboratórios. Aí, juntou esses genes e obteve um vírus artificial. Acabou com uma cópia exata do vírus da poliomielite em mãos (veja na pág. ao lado). Naquela época, Wimmer precisou de meses para realizar a façanha, mas logo depois, em 2003, Craig Venter (o mesmo criador da primeira bactéria sintética, em 2010) fez um outro vírus em laboratório em meras duas semanas, usando uma nova técnica. “Um vírus com um DNA com cerca de 5 mil pares de bases (os componentes básicos de um genoma) pode ser sintetizado em três semanas. O vírus da pólio, em quatro semanas – por cerca de US$ 4 mil. Depende do tempo que uma empresa prepara os pedaços de DNA sintético que depois você poderá unir por si próprio”, explicou Wimmer, que leciona na Universidade americana de Stony Brook. A possibilidade de bioterroristas usarem a tecnologia para fazer um estrago existe, mas sintetizar um vírus como o da varíola – em teoria um forte candidato a ser utilizado em um ataque desses – ainda é uma tarefa complexa por causa do tamanho de seu genoma (mais de 180 mil pares de bases) e de sua estrutura complicada. “Terroristas também teriam de sintetizar os pedaços de DNA sozinhos, pois nenhuma empresa comercial faria isso para eles (eu imagino). E também já existe uma vacina para varíola, embora não seja perfeita. Além disso, eles também seriam afetados”, completou Wimmer. O que não significa que, no futuro, isso não possa ser feito.
Mas quem precisa montar um vírus em laboratório se os que estão por aí na natureza já mostraram que podem fazer grandes estragos? É o caso do chamado vírus H1N1, que tem aprontado das suas desde 1918, quando causou a gripe espanhola e estima-se que matou entre 40 milhões e 50 milhões de pessoas (o H1N1 de 2009, da chamada gripe suína, é apenas uma cepa diferente do H1N1 da gripe espanhola). Mais que isso: nessa caminhada de 1918 para cá, o vírus da gripe H1N1, que infecta não apenas humanos, mas aves e porcos, recombinou-se com outros vírus de gripe e gerou outras pandemias, como a asiática, de 1957, que matou cerca de 1,5 milhão de pessoas. Mais um pouco de recombinação genética e apareceu o H3N2, a chamada gripe de Hong Kong, que ceifou quase 1 milhão de vidas. Mais um pouco ainda e, voilá, tem-se o H1N1 de 2009. Tudo isso sem a necessidade de um laboratório para fazer o serviço sujo.
Ainda assim, com a gripe à espreita e os laboratórios com a receita para fazer vírus, Wimmer acredita que a chance de um deles dizimar a vida humana é nula. “A natureza é mais esperta que os humanos e uma gripe aviária pode causar milhões de mortes. Mas aprendemos rapidamente como lidar com agentes infecciosos. Pense na Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave), causada por um vírus contra o qual não há até hoje vacina ou medicamento. Embora fosse mortal, desapareceu rapidamente devido à capacidade humana”. A gripe espanhola no começo do século passado contaminou um quarto da população mundial. Mas chegou ao fim. O organismo humano foi capaz de criar novos mecanismos de defesa.
Mesmo que a pólio fosse erradicada em todo o mundo, cientistas ainda conseguiriam montar o vírus de novo, pois seus componentes estão por aí. Cientistas acreditam que o método para elaborar o vírus da pólio poderia ser utilizado em outros vírus, como ebola e varíola.
1. Primeiro é preciso conhecer todas as “letras” que formam o código genético do vírus da pólio.
2. Com esse dado em mãos, os cientistas produziram alguns pequenos pedaços de DNA com trechos do código e encomendaram o restante a uma empresa que faz DNA.
3. Como em um quebra-cabeça, encaixam então um pedaço no outro até formar a estrutura completa com base no mapa que tinham em mãos.
4. O genoma completo do vírus recebe uma enzima, disponível no mercado, para transformar o DNA em RNA.
5. Feito. O vírus da pólio está pronto. Para completar o trabalho, os cientistas colocaram o RNA recém-criado em uma “sopa” feita de células humanas. O resultado: um vírus da pólio prontinho para detonar pessoas (cientistas testaram o vírus em camundongos que primeiro tiveram paralisia e em seguida morreram).