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Bruno Garattoni

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Vencedor de 15 prêmios de Jornalismo. Editor da Super.
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Adiar a segunda dose da vacina é uma péssima ideia. Entenda por que

Adotada na Inglaterra e cogitada pelo governo paulista, nova estratégia pode ter consequências perigosas para a sociedade - e acelerar o surgimento de mutações do vírus.

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Atualizado em 6 set 2024, 09h35 - Publicado em 6 jan 2021, 14h53

Adotada na Inglaterra e cogitada pelo governo paulista, nova estratégia pode ter consequências perigosas para a sociedade – e acelerar o surgimento de mutações do vírus.

Na semana passada, o governo inglês anunciou uma nova estratégia de vacinação contra a Covid-19: a segunda dose da vacina (produzida pela Pfizer) passaria a ser aplicada até três meses após a primeira dose – e não 21 dias depois, como originalmente previsto. Agora, a Folha de S. Paulo afirma que o governo de São Paulo estaria cogitando uma medida similar: adiar por mais tempo a segunda dose da vacina Coronavac, cuja aplicação está marcada para começar em 25/janeiro. 

Nos dois casos, a lógica é a mesma. Como há poucas doses das vacinas, talvez seja melhor usá-las para cobrir o máximo possível de pessoas com uma primeira dose, que oferece algum grau de proteção. Na prática, é uma péssima ideia. Por três motivos.

1. O novo regime não foi testado. E a primeira dose, isoladamente, oferece baixo grau de proteção. 

Os testes clínicos de Fase III, tanto no caso da vacina Pfizer (que se mostrou 95% eficaz) quanto da Coronavac (cujos dados ainda não foram divulgados) avaliam o que acontece depois que as pessoas tomam duas doses, com um intervalo determinado entre elas. É isso o que foi testado. Não há estudos avaliando o que acontece se a segunda dose for aplicada três meses após a primeira.

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Além disso, isoladamente, a primeira dose é fraca. Na vacina da Pfizer, ela apresenta 52% de eficáciaIsso significa que, no grupo de pessoas que tomaram a primeira dose, houve 52% menos casos de Covid-19 do que no grupo placebo. Ou, em linguagem mais simples: só metade das pessoas que tomaram a primeira dose ficaram realmente protegidas contra o coronavírus.

Um resultado sofrível, que passa raspando pelo limite mínimo de eficácia, 50%, estabelecido pela OMS e pela FDA. Ainda não há dados sobre a Coronavac, mas é provável que ela apresente redução similar (ou até mais forte, já que ela parte de um patamar mais baixo: sua eficácia após duas doses é sabidamente inferior a 90%).

2. A vacinação incompleta reduzirá o isolamento social antes da hora. E pode minar a credibilidade da vacina.

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As vacinas não são um escudo invulnerável. Suponha que você tome as duas doses da vacina da Pfizer, ou de alguma outra com 95% de eficácia. Ainda correrá 5% de risco de não estar imunizado – o que num momento em que pouca gente foi vacinada, e ainda há muito Sars-CoV-2 circulando, é um perigo real. Para que as vacinas protejam a sociedade, a maior parte das pessoas precisa ter sido imunizada – o número clássico é 70%, mas alguns cientistas já falam em 90%.

Esse nível, caso venha a ser alcançado, vai demorar. Se hoje em dia, sem vacina nenhuma, as ruas já estão cheias de pessoas sem máscara, usando máscara de forma errada ou se aglomerando em praias e festas, imagine como será depois que a vacinação começar. Mais pessoas tenderão a relaxar as medidas de proteção – especialmente se já tiverem tomado a primeira dose da vacina. Só que metade desse grupo não estará de fato imunizado. Percebeu? 

A primeira dose da vacina, com seus 52% de eficácia, pode salvar vidas, mas também criar uma ilusão de proteção e levar mais gente a se expor ao coronavírus. Ela também é um prato cheio para os negacionistas, que poderão usar esse número relativamente baixo para se opor à vacinação em massa – inclusive citando casos de pessoas que tomaram a primeira dose e mesmo assim tiveram Covid-19 (o que, com 52% de eficácia, provavelmente irá ocorrer).

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3. Uma proteção imunológica fraca estimula mutações no vírus. 

Nas últimas semanas, duas novas cepas do Sars-CoV-2 ganharam a atenção da imprensa e das autoridades de saúde: a “versão inglesa” (cujo nome científico é B.1.1.7), e a “versão sul-africana” (que carrega uma mutação chamada E484K, e por isso tem sido identificada por esse nome). Ambas já estão sendo testadas em laboratório com as vacinas atuais, cuja eficácia contra as novas cepas ainda é desconhecida. Mas o que já se sabe é que uma defesa imunológica fraca, que não consegue eliminar o vírus, pode acabar acelerando o surgimento de mutações.

Em dezembro, cientistas ingleses publicaram um estudo contando a história de um paciente com sistema imunológico fraco, que lutou contra o coronavírus durante 101 dias. O trabalho mostra que, ao longo dessa batalha prolongada, o Sars-CoV-2 adquiriu três mutações que o tornaram parcialmente imune aos anticorpos “tradicionais”, inclusive em testes in vitro. Não foi o único caso. Um estudo publicado nos EUA conta a história de outro paciente imunocomprometido, em que o coronavírus se manifestou ao longo de 154 dias – e sofreu nada menos do que 66 mutações. Em suma: defesas fracas, que não eliminam o vírus, tendem a permitir que ele adquira alterações genéticas. 

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resultados IGG da vacina pfizer
Nível de anticorpos (IGG) no organismo após a aplicação da vacina da Pfizer, em testes realizados com várias concentrações (1 a 60 microgramas). Repare na diferença entre a concentração medida no dia 22, que mostra o efeito da primeira dose da vacina, e os números aferidos nos dias 29 e 43, que medem o efeito da segunda dose – e são 7 a 15 vezes maiores. (Nature Magazine/Reprodução)

É óbvio que não dá para fazer uma comparação direta entre indivíduos imunocomprometidos e gente que recebeu vacinação incompleta. Mas é fato que a aplicação em massa de uma única dose de vacina, por longos períodos de tempo, colocaria grandes contingentes de pessoas em situações de imunidade parcial. Após a primeira dose da vacina da Pfizer, por exemplo, os níveis de anticorpos são muito menores que os alcançados após a segunda dose (veja gráfico acima). Se a pessoa pegar Sars-CoV-2, eles podem não ser suficientes para debelar a infecção – e, pior ainda, acabar selecionando variantes resistentes do vírus. 

Alguma janela de tempo entre a primeira e a segunda dose é necessária para que o organismo desenvolva imunidade. (Não adiantaria, por exemplo, aplicar uma dose maior logo de cara. Veja, no gráfico acima, como é pífia a resposta imunológica para uma dose única e forte, contendo 60 microgramas de vacina). Mas ampliar essa janela de 21 dias para três meses ou mais, sem nenhum respaldo científico, envolve um risco inegável. Não é bom, do ponto de vista epidemiológico, ter o vírus circulando por milhões e milhões de pessoas com proteção imunológica incompleta.

Além de ignorar protocolos científicos, expor os vacinados e estimular comportamentos de reaglomeração social antes da hora, o adiamento da segunda dose – que é contra-indicado pela OMS – pode ter consequências ainda piores. Que as autoridades envolvidas tenham o bom senso de não ir por aí. 

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