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Por Bruno Garattoni
Vencedor de 15 prêmios de Jornalismo. Editor da Super.
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EUA registram primeiros casos de varíola dos macacos em crianças. E agora?

OMS declara emergência global devido ao avanço da doença, que já soma 16 mil infectados em 75 países. Entenda porque o contágio infantil representa uma nova fase - e o que pode acontecer daqui para a frente 

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Atualizado em 25 jul 2022, 17h10 - Publicado em 25 jul 2022, 14h39

OMS declara emergência de saúde global devido ao avanço da doença, que já soma 16 mil infectados em 75 países. Entenda porque o contágio infantil representa uma nova fase – e o que pode acontecer daqui para a frente 

Na sexta-feira à tarde, o Centers for Disease Control (CDC) americano confirmou os dois primeiros casos de varíola dos macacos em crianças nos EUA. Segundo a diretora do CDC, Rochelle Walensky, as duas crianças – cujas idades não foram divulgadas – “estão bem”.

Segundo ela, os dois casos não possuem relação entre si, mas têm um elemento em comum: ambas as crianças tiveram contato com “indivíduos da comunidade de homens que fazem sexo com homens (HSH), a comunidade de homens gays”.  

Isso confirma a dinâmica do surto global de varíola dos macacos (dos 16 mil casos registrados até agora, em 75 países, a grande maioria foi nesse grupo demográfico), mas adiciona um elemento crítico: a transmissão, não sexual, da doença para crianças. Ela muda tudo. 

Tanto é assim que poucas horas depois, no sábado de manhã, a OMS declarou emergência de saúde global devido à varíola dos macacos (da mesma forma que, em janeiro de 2020, ela fez com a Covid). 

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Segundo o diretor geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, “temos um surto que está se espalhando rapidamente pelo mundo, por novos meios de transmissão, sobre os quais sabemos muito pouco”. “A avaliação da OMS é que o risco da varíola dos macacos é moderado globalmente, com exceção da Europa, onde classificamos o risco como alto”, disse.

A transmissão da varíola símia para crianças abre um caminho novo, e potencialmente explosivo, para a propagação da doença. Primeiro, porque comprova que é possível pegá-la fora do contexto sexual – basta o contato físico com uma pessoa infectada ou objetos que ela usou, em especial lençóis e toalhas (a transmissão via gotículas respiratórias também é considerada possível, mas há incerteza sobre o quão frequente ela pode ser).  

Isso significa que, em algum momento, a varíola símia deixará de estar confinada à comunidade HSH, e poderá afetar todos os grupos de pessoas. Ela pode se tornar uma pandemia como a da Covid? Há fatores sugerindo que sim e que não. 

O surto global de varíola dos macacos começou na metade de maio. Tem pouco mais de dois meses. Nos primeiros dois meses da Covid, o mundo registrou 87 mil casos da doença (sendo 79 mil na China). É muito mais do que a varíola símia, que tem 16 mil casos até agora. Até agora, ela se mostrou bem menos transmissível do que a Covid. 

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Também há uma grande diferença com relação às mortes. Nos primeiros dois meses da Covid, ela matou aproximadamente 3 mil pessoas no mundo. A varíola dos macacos, por enquanto, causou apenas cinco mortes.

Por essa linha de raciocínio, portanto, a resposta é não: a varíola símia não se tornará uma pandemia como a da Covid. Mas também há outro fator envolvido – e ele representa um risco real.

Se a doença começar a se espalhar entre crianças, ela pode dar um salto quantitativo, com um grande e rápido crescimento no número de casos. As escolas são propícias para espalhar vírus – muitas crianças juntas, por períodos longos e com muito contato físico.

Ao contrário do que acontece com a Covid, não bastaria usar máscara para reduzir ou evitar o contágio, já que a varíola também é transmissível pela pele. Isso torna bem mais difícil tentar criar um protocolo para tentar evitar a propagação da doença.

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Além disso, a varíola símia tem um período de incubação longo, de 1 a 2 semanas (com a Covid, na variante Ômicron, ele costuma ser de 1 a 3 dias). A fase ativa da doença, com lesões de pele, dura 2 a 4 semanas. Ou seja, ela tem um ciclo bem mais longo que o da Covid – o que também favorece a transmissão. 

Há um último elemento jogando a favor do aumento da varíola símia: os casos têm sido relativamente moderados, com menos lesões de pele do que a doença costumava provocar em sua forma clássica, endêmica em partes da África.

Por um lado, isso é positivo, pois atenua o sofrimento dos pacientes. Mas, ao se tornar menos agressiva, a doença também fica menos visível, e passa a ter mais oportunidades de se espalhar – vítimas com poucas lesões podem continuar circulando, e transmitindo o vírus. 

Ainda não é possível prever com certeza o que vai acontecer. Mas, somando todos os fatores, fica claro que a varíola símia está se tornando um problema real – e que ela talvez não “vá embora”, com a situação se resolvendo sozinha, como todo mundo gostaria. 

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foto da vacina contra varíola dos macacos
Vacina Jynneos, a primeira desenvolvida contra a varíola dos macacos. (US Department of Health/Reprodução)

Isso porque as medidas defensivas, assim como ocorreu no início da pandemia de Covid, ainda são poucas e escassas. Existe uma vacina, a Jynneos, desenvolvida especificamente contra o vírus MPXV, que causa a varíola dos macacos. 

Mas ela foi criada e é produzida por um laboratório, o dinamarquês Bavarian Nordic, que só consegue fabricar 30 milhões de doses por ano. Se a doença começar a se espalhar em grande escala, isso não chegará nem perto de ser suficiente para abastecer o mundo (inclusive porque os EUA e os países europeus estão comprando todas as doses).

Há outras duas vacinas, a Dryvax e a ACAM2000, que foram desenvolvidas contra a varíola comum – e aparentemente também protegem contra a versão símia. A Dryvax foi criada na década de 1950 e deixou de ser fabricada no começo dos anos 1980 (logo após a erradicação da varíola no mundo).

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A ACAM2000, que atualmente pertence ao laboratório Sanofi, é mais recente: foi desenvolvida no começo dos anos 2000, a pedido do governo dos EUA (que, após o 11 de Setembro, temia que o vírus da varíola fosse transformado em arma biológica por terroristas).

Elas contém um vírus “vivo”: é o VACV, da mesma família do vírus da varíola (VARV) e da varíola dos macacos (MPXV). O problema é que, ao contrário do que acontece na vacina Jynneos, a mais moderna, na Dryvax e na ACAM2000 o vírus não é atenuado/enfraquecido. 

Isso significa que, em casos raros, essas duas vacinas podem causar efeitos colaterais perigosos – por isso, tanto a Dryvax quanto a ACAM2000 tradicionalmente só são indicadas para pessoas sob alto risco de pegar varíola (como cientistas que mexem com vírus em laboratório, ou soldados que podem ser atacados com armas biológicas). 

Elas dificilmente seriam liberadas para uso em campanhas de imunização em massa, como as vacinas da Covid. Logo, não são a resposta para uma eventual pandemia de varíola símia. 

Existe um remédio, o tecovirimat (nome comercial Tpoxx), que é eficaz contra o vírus MPXV. Ele foi criado pelo laboratório americano SIGA, e lançado nos Estados Unidos em 2018. Ainda é bem escasso – as doses que o fabricante consegue produzir estão sendo disputadas acirradamente por vários países.

Em suma: a humanidade está assistindo à ascensão de um vírus que infecta cada vez mais gente, em cada vez mais lugares, e contra o qual ainda não há armas suficientes. E ele causa uma doença que, embora inicialmente restrita a um grupo demográfico (estigmatizado por isso), acaba se revelando uma ameaça para todos os demais. 

O mundo já viu esse filme duas vezes: primeiro com a Aids, depois a Covid. Resta torcer para que, agora, o desfecho seja diferente.

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