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Deriva Continental

Por Sociedade Brasileira de Geologia (SBG) Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Um blog para terráqueos e terráqueas interessados no que aconteceu nos 4,5 bilhões de anos em que não estiveram por aqui. Feito pela Sociedade Brasileira de Geologia (SBG) em parceria com a Super.

A história do supercontinente Gondwana em três partes

Pangeia é o supercontinente mais conhecido de todos. Mas você sabia que existiram outros antes (e depois) dele?

Por Renata da Silva Schmitt e Evânia Alves da Silva
Atualizado em 30 out 2022, 10h19 - Publicado em 28 out 2022, 19h21

Este é o 21º texto do blog Deriva Continental, escrito por Renata da Silva Schmitt e Evânia Alves da Silva, do Centro Digital Gondwana de Geoprocessamento da UFRJ

Se você acompanha este blog, está familiarizado com o termo “Gondwana”. Ele foi um supercontinente que existiu milhões de anos atrás, e continha o território onde hoje é o Brasil. A história de sua descoberta se confunde com o nascimento da teoria da deriva continental.

Em 1872, o geólogo H. Medlicott, que trabalhava na Índia, descreveu uma associação entre fósseis de plantas terrestres dos períodos Carbonífero e Permiano, de 250 a 350 milhões de anos atrás. Esses fósseis foram encontrados em camadas sedimentares no centro da Índia, nas terras de uma tribo chamada Gonds.

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Novo mapa geológico do Gondwana. Gerado pela equipe do Centro Digital de Geoprocessamento Gondwana – Departamento de Geologia (CDGG UFRJ). Este supercontinente reuniu por 350 milhões de anos os continentes atuais da América do Sul, África, Antártica, Australia e Índia. O ponto vermelho mostra o local onde fica a tribo dos Gonds. (Schmitt e Silva/Reprodução)

Em seguida, o geólogo austríaco E. Suess correlacionou essa associação de fósseis com outras idênticas nos continentes da América do Sul e da África. Como esses vegetais não são marinhos (ou seja, não poderiam ter cruzado o oceano Atlântico), o geólogo criou o conceito de Gondwanaland: uma massa continental única ligando todas as terras que abrigaram a espécie daquele fóssil, chamado Glossopteris.

Não demorou muito para que Alfred Wegener extrapolasse essas correlações. Ele definiu a teoria da deriva continental usando também outros dados, como a existência do réptil Mesossauro nesses continentes, além das rochas de origem glacial e principalmente a semelhança entre as costas entre o Brasil e a África.

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O mapa da esquerda mostra a reconstrução da parte oeste do Gondwana, com a ligação entre a América do Sul e a África. O geólogo Alex Du Toit escreveu um livro comparando as rochas dos dois lados do Atlântico, no início do século vinte. (Schmitt e Silva/Reprodução)
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Acima, temos o mesmo mapa reconstruído e com a geologia mais detalhada, gerado pela equipe do Centro Digital de Geoprocessamento Gondwana – Departamento de Geologia (CDGG UFRJ), 100 anos depois de Du Toit (1927). (Schmitt e Silva/Reprodução)

Apesar do supercontinente Pangeia ser a grande estrela desta teoria, vamos mostrar aqui que o Gondwana tem muito mais relevância no entendimento da evolução do nosso planeta, incluindo aí o território brasileiro.

O que foi Gondwana?

Gondwana foi um supercontinente que existiu entre 550 e 100 milhões de anos atrás. Ele foi “super” por dois motivos: reuniu 65% das massas continentais, incluindo América do Sul, África, Austrália, Antártica e Índia; e durou mais de 350 milhões de anos (do Cambriano ao Cretáceo, entre 500 e 80 milhões de anos atrás), uma raridade na existência de grandes massas continentais. Para ter uma ideia, Pangeia durou menos de 70 milhões de anos – entre o Permiano e Triássico, de 270 a 200 milhões de anos atrás.

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Gondwana presenciou o intervalo de tempo em que a vida na Terra sofreu uma grande diversificação (desde microrganismos marinhos até dinossauros) nos seus 350 milhões de anos de existência. Foi neste período que os animais e plantas começaram a ocupar as terras continentais, porque até então o ambiente terrestre era estéril.

Além disso, os períodos climáticos extremos na escala global também ocorreram nesse tempo – como as glaciações dos períodos Ordoviciano e Carbonífero; as transgressões marinhas do período Devoniano; e os desertos do Triássico. Investigar a história e evolução do supercontinente é crucial para entender o passado, presente e futuro do planeta.

Os cientistas resumem a história do Gondwana em três etapas: Formação, Desenvolvimento e Fragmentação. Vamos contar a história de cada uma delas usando exemplos do território brasileiro.

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Escala do tempo geológico no Fanerozoico com períodos e idades, publicado pela Comissão Internacional de Estratigrafia em 2022. O retângulo em vermelho mostra os períodos do tempo geológico em que o Gondwana estava completamente consolidado, incluindo a era paleozoica e parte da era mesozoica. (Schmitt e Silva/Reprodução)

1. A construção do Gondwana

Há um bilhão de anos existiu um supercontinente que reuniu todas as massas continentais da Terra. Não estamos falando de Pangeia, e sim Rodínia (Li et al., 1988). Sua fragmentação gerou vários continentes menores, denominados pelo Prof. Benjamin Bley Brito Neves (USP) como filhos do Rodínia.

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Entre 750 e 500 milhões de anos atrás, esses fragmentos continentais começaram a se reaproximar, na medida em que as placas tectônicas oceânicas que os separavam eram consumidas nas zonas de subducção. O resultado disso foi a colisão dos filhos do Rodínia formando Gondwana. A colisão de massas continentais gera novos continentes e muda a geografia do globo terrestre. O continente asiático, por exemplo, cresceu com a anexação da crosta da Índia e formação da cadeia de montanhas do Himalaia.

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Gondwana amalgamado, extraído de Schmitt et al. (2018). Os blocos em rosa claro e escuro são os continentes que existiam antes do Gondwana. As faixas em laranja e vários tons de verde são as cadeias de montanhas geradas durante a aproximação desses continentes e subsequente colisões que geraram um mosaico de blocos continentais, denominado Gondwana. (Schmitt e Silva/Reprodução)

O supercontinente Gondwana se formou assim, pela colisão de vários fragmentos continentais. Eles são costurados por extensas cadeiras de montanhas, chamadas faixas orogênicas, gerando um mosaico de blocos crustais.

Os blocos continentais amalgamados na formação do Gondwana são os escudos mais antigos da América do Sul. Cada bloco tectônico tem idades que variam do Arqueano ao final do Neoproterozoico (3,8 a 0,54 bilhões de anos), constituídos por rochas ígneas, metamórficas e sedimentares.

No Brasil, temos vários exemplos de colisões continentais da época do Gondwana. É o caso dos dois crátons (blocos continentais mais antigos do que o Gondwana) que colidiram no final do Cambriano: o Amazonas e o Bloco Parnaíba.

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Mapa tectônico da América do Sul atual com os terrenos que hoje constituem nosso território. Notar em rosa os crátons do Amazonas (1a e 1b) e do Parnaíba (3) separados pela faixa orogênica Araguaia, em azul – extraído de Cordani et al. (2016) (Schmitt e Silva/Reprodução)

O produto dessa colisão é a Faixa orogênica Araguaia, que formava uma grande cadeia de montanhas há 500 milhões de anos. Hoje está muito erodida, mas ainda apresenta as unidades rochosas testemunhas daquela colisão.

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Xistos com dobras, geradas durante a convergência e colisão do cratons do Amazonas e do Parnaíba, no período Cambriano. Essas rochas fazem parte da unidade geotectônica Faixa Araguaia (afloramento do Rio Araguaia –Renata Schmitt). (Schmitt e Silva/Reprodução)
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2. O desenvolvimento do Gondwana

Quando o Gondwana consolidou e estabilizou-se tectonicamente como um grande continente, a vida se diversificava no planeta Terra. Os organismos evoluíam rapidamente e começavam a invadir os ambientes terrestres, nos períodos Cambriano e Ordoviciano (545 a 440 milhões de anos atrás).

A região equivalente hoje ao centro-norte da África estava localizada no polo sul do planeta. Desta forma, nos seus primeiros milhões de anos de nascimento, a maior parte do Gondwana localizava-se em regiões frias e congeladas do globo.

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Mapa de projeção polar da Terra mostrando a região do pólo sul onde estava localizado o Gondwana há 480 milhões de anos atrás, no período Ordoviciano – extraído de Cocks e Torsvik (2020). (Schmitt e Silva/Reprodução)

Parte da história da evolução da vida e do clima na Terra no Fanerozoico é contada no registro das bacias sedimentares gonduânicas. O Brasil possui três das maiores delas: Parnaíba, Amazonas e Paraná. As bacias sedimentares formavam áreas baixas no continente, para onde os rios carregavam os sedimentos vindos da erosão das terras altas montanhosas.

Essas bacias tinham corpos d’água como lagos, lagunas e meandros, então a vida abundava no entorno. O acúmulo de camadas sedimentares nos fundos das bacias resguarda todo esse material detrítico e fossilífero investigados pelos pesquisadores, e que os permitem modelar os antigos ecossistemas que vigoravam no Gondwana.

Na bacia do Parnaíba, situada no norte-nordeste do Brasil, um exemplo desse registro está nas camadas sedimentares do Grupo Serra Grande, onde há rochas de depósitos glaciais.

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Rochas glaciais da Formação Ipu, Bacia do Parnaíba, extraído de Assis et al. (2019). (Schmitt e Silva/Reprodução)
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(Schmitt e Silva/Reprodução)

Durante toda a história do Gondwana como um continente único e estável tectonicamente, ele esteve localizado no hemisfério sul do globo. No final da Era Paleozoica, no período Permiano, o Gondwana migrou para as regiões equatoriais. Foi nesse intervalo de tempo que houve sua colisão com as massas continentais do hemisfério norte, que estavam na Laurásia (América do Norte, Europa e Ásia).

Essa colisão gerou Pangeia, mas esse casamento durou pouco mais de 50 milhões de anos. Por conta de uma anomalia térmica vinda do manto da Terra, Pangeia se fragmentou exatamente onde estava a união Gondwana-Laurásia, deixando novamente o Gondwana isolado rumo ao hemisfério Sul. Ou seja, Gondwana sempre esteve coeso, antes e depois de Pangeia.

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Gondwana no globo terrestre durante o período Triássico. Notar que a parte norte do Gondwana (norte da América do Sul e norte da África) estava ligada a América do Norte e Europa, constituindo o Pangeia, extraído de Stampfli et al. (2013) (Schmitt e Silva/Reprodução)

3. A fragmentação do Gondwana 

Com a quebra do Pangeia e formação do oceano Atlântico Central (que separa até hoje a América do Norte e a região noroeste da África), por volta de 200 milhões de anos atrás, o Gondwana nunca mais voltou a ser uma massa continental estável. Uma proliferação de anomalias térmicas começou a se estabelecer em vários pontos do continente, gerando o processo denominado rifteamento continental, que nada mais é do que a quebra do continente.

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Quebra do Gondwana no globo, cerca de 90 milhões de anos atrás– Ron Blakey – website pessoal (Schmitt e Silva/Reprodução)

Esse processo consiste no afinamento da crosta continental, a ponto de romper e permitir que o manto da Terra comece a subir. A diminuição da pressão confinante gera sua fusão e o magma vai formar a primeira crosta oceânica. Esse processo é responsável pela ruptura dos continentes.

No Gondwana, pontos de calor se estabeleceram em regiões que hoje correspondem ao sul da África, sul do Brasil, centro da Índia e margem da Antártica. No sul brasileiro, as evidências são os derrames vulcânicos da Formação Serra Geral, que formam a bela paisagem dos Aparados da Serra nos estados gaúcho e catarinense.

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Na foto superior, estão os derrames vulcânicos do Cretáceo marcados por rochas da Formação Serra Geral da Bacia do Paraná. Hoje formam uma das paisagens mais bonitas do Brasil, o cânion do Itaimbezinho no Rio Grande do Sul.  (Schimit e Silva/Reprodução)
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Na foto acima tem-se a mesma formação rochosa, derrames vulcânicos cristalizados há cerca de 130 milhões de anos no deserto da Namíbia, sudoeste da África. Nas terras africanas essas rochas são chamadas Formação Ethendeka. Os dois derrames vulcânicos estavam conectados e foram separados pela quebra continental do Gondwana. Hoje essas ocorrências rochosas são usadas como pontos de conexão entre América do Sul e África. (Schmitt e Silva/Reprodução)

Essas rochas vulcânicas são produto desse ponto quente que funde a base da placa tectônica gerando magma que sobe até a superfície aflorando em vulcões e fissuras na crosta. Esse vulcanismo intenso (registrado também hoje na Namíbia) encerra a vida de um dos maiores desertos da Terra. Essas gigantescas dunas de areia cobriam áreas do sul do Brasil e da África, chamado deserto Botucatu. Hoje esses depósitos rochosos abrigam um dos maiores aquíferos sul-americanos: o aquífero Guarani.

O resultado do início dos processos de rifteamento em diferentes pontos simultaneamente no Gondwana foi a fragmentação desse supercontinente, gerando os continentes atuais: África, América do Sul, Austrália, Antártica e Índia. Além destes cinco grandes, vários outros fragmentos menores de crosta continental gonduânica estão espalhados pelo globo hoje, como Nova Zelândia, Madagascar e Papua Nova Guiné.

Esse processo gerou grande parte do petróleo brasileiro, hoje explorado a mais de 100 km da linha de costa e a 10 km de profundidade. As camadas que geraram e armazenaram o petróleo foram desenvolvidas no ambiente de lagos continentais que precedeu a quebra do continente do Gondwana para dar lugar aos continentes África e América do Sul hoje.

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Agradecimentos

Dr. Ismar de Souza Carvalho (professor do Departamento de Geologia-IGEO da UFRJ) e Bernardo Barbagelata Khater (mestrando em geologia da UFRJ). Mais informações no site: https://www.gondwana.geologia.ufrj.br

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