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Deriva Continental

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Um blog para terráqueos e terráqueas interessados no que aconteceu nos 4,5 bilhões de anos em que não estiveram por aqui. Feito pela Sociedade Brasileira de Geologia (SBG) em parceria com a Super.
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Por que a Terra não é cheia de crateras, como a Lua?

Elas existem, mas nem sempre são visíveis, por três razões. Saiba onde estão as nove crateras brasileiras.

Por Grupo de trabalho de meteoritos da SBG
Atualizado em 6 set 2024, 10h28 - Publicado em 26 mar 2022, 11h15

Este é o décimo segundo texto do blog Deriva Continental. Colaboraram na elaboração e edição da matéria: Álvaro Penteado Crósta, Débora Correia Rios, Maria Elizabeth Zucolotto, Kátia Leite Mansur, Natalia Hauser, Wolf Uwe Reimold e Umberto Giuseppe Cordani.

“Não Olhe Para Cima” é uma metáfora para a falta de sensibilidade humana em relação ao futuro do planeta. O filme indicado ao Oscar mostra uma possível colisão de um cometa que destruiria a Terra – e as autoridades não fazem nada para impedir. Mas o que acontece quando corpos celestes de fato atingem o planeta?

Veja a Lua, por exemplo. Sua superfície é coberta por crateras de diversos tamanhos. Uma das primeiras pessoas a perceber isso foi Galileu Galilei, em 1609. Até a década de 1960, acreditava-se que elas tinham origem vulcânica (apesar de alguns cientistas já terem sugerido, desde o século 17, que se tratavam de crateras de impacto). O avanço da exploração espacial e chegada do homem à Lua no final da década de 1960 mostraram que as crateras eram, de fato, decorrentes de impactos de asteroides e meteoritos.

Mas se a Lua e outros corpos celestes sólidos têm tantas crateras de impacto, por que não as vemos com tanta frequência na Terra?

Existem três explicações para a aparente ausência de crateras de impacto por aqui. A primeira é que a Terra, ao contrário da maioria dos corpos do Sistema Solar, possui uma atmosfera densa que serve como um “escudo protetor”. Muitos meteoritos perdem massa graças ao atrito com a atmosfera e nem chegam a atingir a superfície.

A segunda explicação é que a Terra, também diferente dos outros corpos, possui processos geológicos bastante ativos e dinâmicos, que “apagam” os registros de impacto na superfície.

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A última razão é que quase 70% da superfície do planeta é coberta por oceanos e mares, que não preservam o registro de crateras por muito tempo. A cada 200 milhões de anos, todo o fundo oceânico é reciclado pelo movimento das placas tectônicas, eliminando qualquer registro de impacto.

As crateras de impacto terrestres conhecidas são relativamente jovens, principalmente as menores. Com o passar do tempo elas tendem a ser erodidas, soterradas ou totalmente destruídas, devido ao mecanismo de reciclagem da crosta pela movimentação das placas tectônicas. A maioria das crateras na Terra estão em estágios avançados de erosão. Elas são chamadas “estruturas de impacto meteorítico”.

Existem cerca de 200 estruturas de impacto conhecidas na Terra, variando entre poucos metros até centenas de quilômetros de diâmetro. Em 2020, foi publicado um atlas com todas as estruturas de impacto conhecidas. Veja abaixo.

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Mapa das estruturas de impacto conhecidas na Terra. Círculos amarelos representam crateras comprovadas, devido às evidências de deformação diagnóstica por impacto, enquanto círculos em vermelho apontam possíveis crateras, em fase de estudo (Gottwald et al./Reprodução)

Os grandes impactos eram bem mais frequentes no início da história do planeta. Hoje, dependendo de seu tamanho, eles acontecem a cada milhares ou milhões de anos. Mesmo assim, os humanos possivelmente já observaram alguns eventos de impacto no passado. A melhor forma de analisar o histórico de fenômenos desse tipo é justamente olhando para as crateras.

Impactos em outros corpos celestes

Dentre os eventos observados em tempos modernos, o mais relevante ocorreu não na Terra, mas em Júpiter, entre 16 e 22 de julho de 1994. Trata-se da colisão do cometa Shoemaker-Levy 9, que se quebrou em 21 fragmentos devido à alta atração gravitacional do planeta.

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Esses fragmentos variavam de centenas de metros até dois quilômetros de diâmetro. Eles se chocaram contra Júpiter a uma velocidade de 60 km/s ao longo de 6 dias. O fenômeno foi documentado pela sonda Galileo, pelo Hubble e por telescópios terrestres. As explosões provocaram bolas de fogo e plumas com até 3 mil quilômetros de altura, atingindo temperaturas que ultrapassam 20 mil graus Celsius.

A energia total liberada foi estimada em 6 milhões de toneladas de TNT, o equivalente a 600 vezes todo o arsenal nuclear existente na Terra. Os buracos formados pelas explosões tinham tamanhos comparados ao diâmetro da Terra.

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Fragmentos do Cometa Shoemaker-Levy 9 em sua trajetória em direção a Júpiter (NASA/JPL/ESA/Reprodução)

Na Lua, é frequente a ocorrência de pequenos impactos. Satélites com sensores de alta resolução, como o Lunar Reconaissance Orbiter (LRO), já identificaram crateras muito jovens na Lua. Observações por telescópios terrestres também já registram frequentes clarões, produzidos pelo choque de pequenos meteoritos contra a superfície lunar.

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Cratera fresca na face visível da Lua registrada pela câmera de alta resolução da Lunar Reconaissance Orbiter (LRO) (NASA/JPL/Reprodução)

Impactos na Terra

Aqui na Terra, o impacto de um meteorito em 15 de setembro de 2007 chamou a atenção dos cientistas. O caso aconteceu no Peru, perto de uma vila chamada Carancas, próximo à fronteira com a Bolívia. O meteorito tinha apenas três metros de diâmetro (sem velocidade e energia suficiente para formar uma cratera), mas conseguiu cavar um buraco com 14 metros de diâmetro e seis metros de profundidade.

Estima-se que ele tenha chegado à supefície a uma velocidade de 2 quilômetros por segundo. Fragmentos do meteorito e de rochas atingiram casas e animais da vila, mas nenhuma pessoa se feriu.

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Cratera de Carancas, Peru (Kenkmann et al./Reprodução)

Os registros de impactos no Brasil

A maioria das crateras de impacto da América do Sul estão no Brasil. Já foram comprovadas nove estruturas desse tipo. Outras duas aguardam mais evidências científicas para confirmação. Veja o mapa abaixo.

Alvaro Penteado Crósta
Estruturas de impacto no Brasil (./Divulgação)

A maior, mais antiga e bem preservada das estruturas de impacto do continente sul-americano é o Domo de Araguainha, localizado na divisa entre Mato Grosso e Goiás. Já relativamente erodida, ela tem 40 quilômetros de diâmetro e ocupa uma área de 1.300 km2  – o dobro da área da cidade de São Paulo.

O Domo de Araguainha tem 253 milhões de anos, e é a única cratera brasileira com idade bem estabelecida por métodos geocronológicos. Acredita-se que ela tenha se formado graças ao choque de um asteroide ou cometa de 1,5 km de diâmetro e 20 km/s de velocidade.

Na região Sul há 3 estruturas de porte médio, com diâmetros de 13,5 km (Cerro do Jarau, RS), 12,4 km (Domo de Vargeão, SC) e 9,5 km (Vista Alegre, PR). Todas elas se formaram em rochas vulcânicas basálticas, que têm características similares às rochas de Marte, Vênus e Mercúrio. Por isso, elas podem ser usadas como modelos análogos para estudar os processos de impacto em outros planetas. Por datação relativa, sabe-se que essas crateras têm menos de 130 milhões de anos, que é a idade mínima das rochas vulcânicas atingidas.

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Estruturas do Domo de Vargeão (SC), Vista Alegre (PR) e Cerro do Jarau (RS), formadas em basalto (Alvaro Penteado Crósta/Divulgação)

As outras cinco estruturas de impacto brasileiras estão na região Nordeste. A maior delas, com 13,4 km de diâmetro, é a de Serra da Cangalha, na divisa entre Tocantins e Maranhão. A apenas 40 km dela está a estrutura de Riachão, com quatro quilômetros de diâmetro, localizada no Maranhão. Há ainda uma terceira estrutura na mesma região, em Nova Colinas (MA). Ela foi confirmada há dois anos e tem sete quilômetros de diâmetro.

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Apesar de as três estruturas ocorrerem próximas umas das outras, não existem evidências de que elas tenham se formado juntas. Os diferentes níveis de erosão sugerem que elas são de épocas distintas, todas de pelo menos 200 milhões de anos atrás.

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Vista aérea do núcleo centra da estrutura da Serra da Cangalha (TO) (Alvaro Penteado Crósta/Divulgação)

As duas crateras restantes estão no Piauí. A estrutura de impacto de Santa Marta, próxima à divisa com a Bahia, tem 10 km de diâmetro e está bem preservada da erosão. A estrutura de São Miguel do Tapuio, já bastante erodida, é a segunda maior cratera da América do Sul, com 20 km de diâmetro.

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Estruturas de impacto de Santa Marta e São Miguel do Tapuio, ambas no Piauí (Alvaro Penteado Crósta/Divulgação)

Crateras não confirmadas

As duas últimas da lista não são crateras confirmadas. Ambas estão no estado de São Paulo: a de Colônia, com 3,4 km de diâmetro e localizada no distrito de Parelheiros, na capital do estado; e a de Praia Grande, situada no fundo do Oceano Atlântico, a 200 km da costa da cidade litorânea.

Colônia é conhecida desde o início da década de 1960. Ela vem desafiando gerações de cientistas, que buscam comprovar sua origem por meio de amostras que deverão ser obtidas por meio de sondagens profundas. A depressão interna da (possível) cratera foi preenchida por sedimentos depositados no que teria sido um lago formado em seu interior. Estima-se que o impacto tenha ocorrido há pelo menos 15 milhões de anos.

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Possível estrutura de impacto de Colônia (SP) (CreativeCommons/Divulgação)

Já a estrutura de Praia Grande foi descoberta graças a levantamentos sísmicos feitos para exploração de petróleo e gás na Bacia de Santos. Ela tem 20 km de diâmetro e está soterrada por camadas de rochas sedimentares com mais de 4 km de espessura, abaixo de 1,3 km de lâmina d’água oceânica. Sua idade de formação está entre 80 e 85 milhões de anos.

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Imagem de sísmica 3D da possível estrutura de impacto submarina de Praia Grande (SP) (Corrêia et al., 2005/Divulgação)

É provável que exista um número bem maior de crateras no Brasil. Mas boa parte delas pode estar soterrada por rochas sedimentares, ou então elas já estão tão erodidas que nem dá mais para reconhecê-las a olho nu. Por isso, a análise da superfície usando imagens de satélite pode ajudar a descobrir outras candidatas.

Como reconhecer uma cratera de impacto

Considerando que existem diversas estruturas circulares originadas por diferentes processos geológicos, como saber o que é uma cratera de impacto? Encontrar pedaços de meteorito no interior ou nas proximidades, como acontece na Meteor Crater, no estado do Arizona (EUA), é algo extremamente raro (os meteoritos são extremamente instáveis devido às condições oxidantes do clima da Terra).

O jeito, então, é identificar feições geológicas formadas unicamente em decorrência das enormes pressões e temperaturas geradas por um impacto desse tipo. Um exemplo são os “cones de estilhaçamento” e feições microscópicas de deformação em minerais, como quartzo, feldspato, zircão, entre outros.

Os cones de estilhaçamento se formam em vários tipos de rocha em decorrência da passagem da onda de choque gerada pelo impacto. Já a feição microscópica mais comum recebe o nome de “feição planar de deformação” (planar deformation features – PDF) e é um conjunto de descontinuidades lineares paralelas que se forma no interior dos cristais minerais. Elas servem de indicadores da quantidade de pressão a que as rochas do local foram submetidas.

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Cones de estilhaçamento e feições planares de deformação (PDF) em rochas do Domo de Araguainha (Alvaro Penteado Crósta/Divulgação)

Se você suspeita que pode ter encontrado uma estrutura desse tipo, vale entrar em contato com um especialista, que poderá buscar evidências que comprovem sua eventual origem meteorítica.

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Para saber mais:

A.P. Crósta, W.U. Reimold, M.A.R. Vasconcelos, N. Hauser, G.J.G. Oliveira, M.V. Maziviero, A.M. Góes, Impact cratering: The South American record – Part 1. Geochemistry, volume 79, n. 1, 2019.

A.P. Crósta, W.U. Reimold, M.A.R. Vasconcelos, N. Hauser, G.J.G. Oliveira, M.V. Maziviero, A.M. Góes, Impact cratering: The South American record – Part 2. Geochemistry, volume 79, n. 2, 2019.

Gottwald, T. Kenkmann, and W. U. Reimold, Terrestrial Impact Structures: The TanDEM-X Atlas, Vol. 1 and 2. Munich, Germany: Verlag Dr. Friedrich Pfeil, 2020.

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