Desde que Simone de Beauvoir lançou O Segundo Sexo, em 1949, a frase “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher” virou uma máxima do movimento feminista. Para a filósofa, nenhuma de nós nasce ciente do lugar que ocupa na sociedade e muitas morrem sem saber que podemos ocupar todo e qualquer espaço. Entender o que significa culturalmente ser homem ou mulher, dado que é um processo de despertar político, se aprende de inúmeras maneiras – independentemente do gênero com que a pessoa se reconheça. Tanto nos ensaios filosófico-existencialistas da escritora francesa quanto em obras ficcionais, a literatura pode ser uma dessas portas da percepção.
Nos últimos tempos, o mercado editorial percebeu isso e vem fazendo coro a um massivo movimento de tomada de consciência de gênero. O resultado é uma equação que coloca todas as variáveis no azul: mais mulheres publicando seus escritos, mais editoras republicando livros já lançados por escritoras e mais leitoras lendo obras que possam ajudá-las a conhecerem seus direitos e gerar impactos positivos em suas realidades.
Imagine tomar um café, uma cerveja, um chá ou simplesmente sentar para conversar com seis escritoras que têm opiniões muito atuais para compartilhar sobre direitos das mulheres, violência contra a mulher, igualdade salarial, relações de poder, casamento, maternidade, relacionamentos e como lidar com o sexismo em diversos aspectos da vida feminina. É essa a sensação que senti quando li os livros da lista a seguir.
Uma pequena seleção de obras recentes para entender o feminismo e para que nenhuma leitora se sinta só na luta por equidade de gênero:
1) Os homens explicam tudo para mim, Rebecca Solnit
Se eu tivesse que dar o mesmo presente a diferentes pessoas durante um ano todo, o presente seria esta reunião de nove ensaios da jornalista, historiadora e ativista ambiental Rebecca Solnit. O livro é rico em dados, em reflexões, em senso de humor. No primeiro capítulo, a autora conta que um desconhecido tentou convencê-la a ler um determinado livro sem deixar que ela falasse sobre o assunto e, pior, ignorando o que ela tentava contar: que ela mesma tinha escrito o livro a que ele se referia. Rebecca escreveu um artigo sobre o episódio e, a partir disso, o termo “mansplaining” (junção de “homem” e “explicar”, em inglês – termo usado para descrever quando um homem explica algo óbvio a uma mulher ou algo que ela domina) se popularizou.
“Se você faz isso com outras mulheres, saiba que você é uma espinha inflamada no rosto da humanidade e um obstáculo à civilização”, alerta a escritora nas primeiras páginas.
Apesar de Os Homens Explicam Tudo Para Mim começar com essa anedota tragicômica pessoal, o restante do livro é um panorama mais distanciado, mas não menos esclarecedor sobre violência sexual, formas de apagamento e direitos das mulheres em vários países do mundo. Rebecca Solnit, como a pensadora consciente que é, reconhece que pertence a um grupo privilegiado por ser americana, branca e de uma elite intelectual, mas nem por isso fica menos indignada com a condescendência, a exploração e a violência sofridas por mulheres de realidade distantes da dela.
2) Fome, Roxane Gay
Aos 12 anos, Roxane Gay sofreu um estupro coletivo. Manteve o abuso em segredo, e para lidar com o trauma, passou a comer compulsivamente. Seu corpo virou um escudo, uma tentativa de se proteger contra os olhares e ameaças que ela queria afastar. Fome é a autobiografia de uma mulher obesa que narra como é a vida quando se tem um corpo que todos se acham no direito de opinar, um corpo que luta para ser aceito pelos outros e, acima de tudo, por ela. Um livro fragmentado por episódios e temas, uma tentativa de comprovar que sua autora é mais que a apenas a unidade de um corpo.
3) Objeto Sexual, Jessica Valenti
Objeto Sexual é uma autobiografia da colunista de gênero e política do jornal The Guardian, Jessica Valenti. Criadora do premiado site Feministing, a jornalista trabalha com jornalismo online desde 2004. No livro, Jessica conta os assédios que sofreu no transporte público, o medo de que a filha não passe pelos abusos que as mulheres da sua família sofreram, a frustração por seu corpo ser mais reconhecido que suas ideias e como foi ridicularizada pela maneira como seus seios aparecem em uma foto com Bill Clinton e um grupo de pessoas. Sem pudores nem medo de polêmicas, ela também fala sobre drogas, maternidade, casamento, trabalho e ódio na internet.
Já conversamos com Jessica Valenti aqui no Literal, você viu?
4) Clube da Luta Feminista, Jessica Bennet
Você já deve ter visto aqueles manuais de condutas e cartilhas empresariais que recebemos quando somos contratados. Este livro é um guia bélico e sarcástico para sobreviver (e não morrer de gastrite) ao machismo corporativo. Enquanto as condições de trabalho para homens e mulheres não são as mesmas, Clube da Luta Feminista deveria fazer parte desse tipo de material para recém-ingressas no mercado de trabalho – alô, alô, pessoal do RH! Fica a dica. O que fazer quando um colega leva crédito pela sua ideia? Como calar aquele que sempre te interrompe? Seus colegas trabalham menos e são mais reconhecidos? De questões assim, nasceu esse manual ilustrado. Com alusões ao Clube da Luta de Chuck Palahniuk, a jornalista Jessica Bennet ensina como criar o um clube, onde se reunir, do que falar, o que fazer, como pedir aumento e até qual “cerveja de mulher” tomar (qualquer uma inventada por uma mulher).
5) Mulheres e poder, Mary Beard
A historiadora Mary Beard é uma sumidade em antiguidade clássica. Professora da Universidade de Cambrigde e autora de mais de 15 livros sobre Roma e a Grécia Antiga, sendo SPQR seu último lançamento no assunto, a inglesa traz uma discussão fundamental em Mulheres e Poder: as mulheres nunca foram vistas como porta-vozes da opinião dominante e isso as silenciou ao longo da história. Ela mostra, desde as narrativas da Odisseia e das tragédias gregas até o comportamento de políticas como Hillary Clinton, Angela Merkel e Dilma Housseff, como a masculinidade está atrelada ao controle do pronunciamento público e como, ainda hoje, o modelo que temos de mulher de sucesso se parece muito com a imagem de um homem bem-sucedido. Uma leitura necessária para se repensar nossos padrões do que é ter voz, como ser ouvida e o que significa ter poder sendo mulher.
6) Feminismo em comum, Márcia Tiburi
Há algum tempo, participei de um curso chamado “Filosofia Feminista”, dado pela filósofa Márcia Tiburi. Ela abria o debate falando sobre a importância de não enxergar o feminismo como um modismo nascido na internet, como uma ideologia aproveitada pelo capitalismo para vender camisetas ou como um fenômeno que serve apenas para validar comportamentos de liberdade sexual (o que é bastante válido também, ok?). Márcia defendia que é preciso conhecer as diferentes correntes que formam o feminismo e se conscientizar de que todos sofremos com os pesos e as limitações do patriarcado. Feminismo em comum é uma grande aula onde a autora de Como conversar com um fascista parte desses argumentos para falar com um público mais amplo, conhecedoras e conhecedores ou não dos preceitos básicos feministas, sobre a necessidade de levarmos a luta por direitos iguais a sério.