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Pesquisadoras brasileiras contam sobre o seu trabalho e os desafios da carreira.

Lílian Catenacci estuda vírus em animais – antes que eles sejam transmitidos para humanos

Esta #MulherCientista defende o conceito de saúde única: preservar o bem-estar dos animais para garantir o nosso – e vice-versa.

Por Maria Clara Rossini
16 out 2021, 13h36

Quase dois anos depois de ter sido detectado, ainda não se sabe ao certo qual é a origem do Sars-CoV-2. A hipótese mais provável é que o coronavírus surgiu em morcegos, e talvez tenha passado por um animal hospedeiro intermediário antes de chegar nos humanos.

Não seria a primeira vez que isso acontece: seis em cada dez doenças infecciosas humanas surgiram em animais. E, em boa parte das vezes, a transmissão de uma espécie para outra é desencadeada pelo desequilíbrio ecológico.

A veterinária Lílian Catenacci sabe bem disso. Ela nasceu na cidade de São Paulo, mas precisou se mudar para a Serra da Cantareira ainda criança, já que a poluição da metrópole poderia agravar seu quadro de asma. Lílian cresceu em uma área de proteção ambiental, onde havia grande diversidade de animais e vegetação. Já mais velha, ela decidiu cursar veterinária na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), em Botucatu.

Lílian soube desde o primeiro ano de faculdade que queria trabalhar com animais silvestres. Ela fez estágio no Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), onde conheceu o conceito de saúde única, uma abordagem que propõe que a saúde das pessoas depende da saúde do meio ambiente e vice-versa.

O IPÊ coletava amostras para avaliar a saúde dos animais e o risco de transmissão de doenças para humanos. “Eu me apaixonei. Olhei para aquilo e pensei ‘é isso que eu quero da minha vida’”, conta Lílian. A partir daí, todos os seus projetos de pesquisa foram voltados a estudar a saúde dos animais e como ela se relaciona com a nossa.

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Após se formar, Lílian trabalhou no Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia (IESB) e fez mestrado em zoologia na Universidade Estadual de Santa Cruz. Durante esse período, ela coletou e analisou amostras de diferentes espécies – incluindo o mico-leão-da-cara-dourada e o macaco prego do peito amarelo. Este último é um dos primatas mais ameaçados no mundo. Sua equipe foi a primeira a coletar amostras e monitorar a espécie na natureza. 

Em parceria com o Projeto BioBrasil, financiado pelo Zoológico da Bélgica, Lílian descreveu como esses macacos facilitam a dispersão de sementes de árvores nas florestas. Elas são processadas pelo sistema digestivo dos animais e voltam à natureza por meio das fezes, o que acelera a germinação.

Os testes de germinação feitos por Lílian aconteceram em laboratório – mas, no final do estudo, a equipe plantou as sementes para criar um corredor ecológico com as mudas germinadas. A ação é lembrada até hoje pelos agricultores da região.

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A pesquisadora continuou trabalhando com esses animais durante o doutorado realizado no Instituto Evandro Chagas – desta vez, com foco nos arbovírus, grupo que inclui os vírus causadores da febre amarela, zika, chikungunya e dengue. A ideia era detectar a presença deles nos animais e avaliar como isso poderia impactar os humanos.

Durante a pesquisa, Lílian encontrou mais de dez arbovírus presentes em animais do sul da Bahia. Se esses vírus continuarem vivendo em harmonia com os animais, ótimo. O problema surge quando cria-se condições para que eles saltem de uma espécie para outra.

Um exemplo: arbovírus causadores da zika e da febre amarela já infectavam outros primatas antes de pularem para os humanos. Lílian explica que, quanto menor for a biodiversidade de espécies vivendo na natureza, mais provável é a transmissão do vírus para animais domésticos ou pessoas.

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Em seu doutorado, Lílian avaliou mais de 500 indivíduos em 11 comunidades do sul da Bahia e percebeu que quem morava mais próximo da biodiversidade tinha menos chances de contrair doenças. Na mata, os vírus têm uma maior variedade de espécies para infectar, e isso dilui e diminui surtos (algo que é chamado de “efeito de diluição”). Isso dificulta a transmissão de uma espécie para outra.

“Quanto maior a biodiversidade, mais diluídos aqueles parasitas estão. Então há menos chances de ele conseguir ‘se dar bem’ para poder infectar outra espécie”, resume.

Mas a principal preocupação de Lílian não foi com os animais passando doenças para humanos, e sim o contrário: as doenças denominadas antropozoonoses, que pulam de nós para os bichos. A pesquisadora detectou, por exemplo, o vírus da dengue do tipo 2 em primatas na floresta. Acontece que a dengue é uma doença típica das cidades, então não deveria estar presente em animais silvestres.

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Atualmente, Lílian estuda a Febre do Nilo Ocidental (FNO)– uma arbovirose que, no Brasil, por ora, só está presente em pessoas do Piauí. O intuito é descobrir por que ela só ocorre lá, qual é o hospedeiro intermediário, entre outras características da doença. Lílian também é professora da Universidade Federal do Piauí e está trabalhando com outros parceiros neste projeto, como secretaria de saúde do estado, defesa agropecuária, Zoológico de Saint Louis, nos EUA, entre outras universidades e institutos de pesquisa. “A parceria é peça chave para trabalhos com saúde única”, disse a pesquisadora. 

Sua pesquisa sobre saúde integrada recebeu o prêmio Para Mulheres na Ciência, concedido pela L’Oréal, Academia Brasileira de Ciências e Unesco.

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