Por Victor Bianchin
Na atual era de ouro dos quadrinhos no cinema, um dos maiores desafios dos estúdios é superar o hype que eles mesmos geram. Desde que Robert Downey Jr. foi confirmado no elenco, em outubro de 2014, Capitão América – Guerra Civil tem sido um caldeirão de rumores e especulações, com boatos que iam desde a morte da família do Gavião Arqueiro até a aparição de certo personagem, spoileada por um boneco da Funko.
E o grande lance da Marvel é que, sim, eles conseguem superar. O grande êxito de Guerra Civil, mais do que ser um filme com um ótimo roteiro e uma edição caprichada, é dar bastante espaço para todos os DOZE heróis em cena, de modo que nenhum pareça redundante ou subaproveitado. Com todo mundo recebendo seu espaço sob o holofote, a aventura fica épica sem ficar chata e a ânsia dos fanboys é saciada como deveria.
A trama se baseia em um episódio do passado de Bucky/Soldado Invernal (Sebastian Stan), quando este ainda estava sob controle da Hidra. De posse de informações sobre o caso, o Barão Zemo (Daniel Brühl), que, por motivos inicialmente desconhecidos, tem uma rusga mortal com o Soldado, arma um plano para incriminá-lo. Ao mesmo tempo, as mortes de civis ocorridas durante as batalhas dos Vingadores levam a ONU a montar uma comissão que se propõe a chefiar os heróis, decidindo quando e onde eles devem agir.
O Capitão América (Chris Evans) tem, portanto, duas tarefas: proteger o amigo Bucky desse novo inimigo e, ao mesmo tempo, resistir à iniciativa da ONU – neste último aspecto, ele tem ao seu lado Falcão (Anthony Mackie), Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen), Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) e Homem-Formiga (Paul Rudd). Do lado oposto, apoiando a iniciativa, temos Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), Viúva Negra (Scarlett Johansson), Visão (Paul Bettany), Máquina de Guerra (Don Cheadle) e Pantera Negra (Chadwick Boseman). As duas tramas se entremeiam e, no fim, a relação entre elas realmente parece coerente e realista. Mas é o que está no meio que importa.
O filme é visualmente estonteante, com cenas de ação caprichadas passadas em vários lugares do mundo. Assistir à Feiticeira controlando moléculas de ar, Visão atravessando paredes e o Homem-Formiga viajando nas flechas do Gavião é empolgante e mantém a ação em alto nível. Novas habilidades são dadas à pulseira da Viúva Negra e às asas do Falcão. Além disso, a armadura e as garras de vibranium do Pantera Negra são uma adição bacana, já que o personagem só luta no mano a mano.
Mas nem toda a porrada super-heroica do mundo conseguiria se sustentar sem uma boa trama por baixo. E Guerra Civil tem várias camadas a serem analisadas. O Capitão América precisar lidar com o fato de que sua lealdade a Bucky (seu mais antigo amigo) é diretamente conflitante com a ideia de que ele pode ainda ser um criminoso. E que a iniciativa da ONU, se por um lado pretende controlar os heróis para evitar mortes, por outro pode significar um cerceamento de liberdades – conforme o próprio Capitão observa: “e se eles quiserem nos enviar para algum lugar que não queiramos ir? E se nós quisermos ir para algum lugar e não nos deixarem?”.
Há um conflito filosófico legítimo aí, pois nenhum dos lados é mostrado como mais certo do que o outro. Tony Stark, agora separado de Pepper Potts e enfrentando uma espécie de crise de meia-idade, é defensor ferrenho da iniciativa porque se sente culpado – e quem não se sentiria, após tudo que aconteceu nos dois filmes dos Vingadores? Nesse cenário, ter a retaguarda da ONU não se trata apenas de ser controlado, e sim de obter redenção. Este homem com a alma quebrada se configura num antagonista interessante para um Capitão que, acima de tudo, parece teimoso, optando por ficar ao lado de um sujeito que o mundo acha que é um assassino.
Da HQ que inspirou a obra, esse embate ideológico é a maior herança (além da abençoada ideia de não fazer os heróis esquecerem as diferenças e se unirem no final contra um megavilão). Não há o incidente com os Novos Guerreiros, nem a prisão na Zona Negativa, nem o Thor robô e nem as hordas de super-heróis lutando uns contra os outros. Mas temos o Homem-Aranha e, sim, ele é quase perfeito. A versão de Tom Holland é mais jovem, brincalhona e esperta do que as outras encarnações do personagem no cinema e, por que não dizer, também mais simpática. Ajuda muito que as cenas do Aranha em ação sejam divertidas e empolgantes, de modo que a aparição do Escalador de Paredes, embora breve, seja marcante.
Guerra Civil, com todos os boxes que precisa (e consegue) ticar, é o filme mais ambicioso que a Marvel já realizou e, também, o melhor. Mérito dos irmãos Russo, claro, que dirigiram o longa, mas também de Kevin Feige, que tem segurado a bola da Marvel Studios enquanto a empresa expande suas franquias e passa a lançar três filmes por ano (a partir de 2017). Dado o nível estabelecido por ela própria, é notável que a Marvel consiga transformar um filme-evento como Guerra Civil em uma peça autêntica de entretenimento, e não apenas em fan-service.
Vá ao cinema sem medo. Todos os ingredientes-chave (ação, bom humor, efeitos especiais) estão bem dispostos. Para quem curte HQs, heróis ou aventuras bem-feitas, Guerra Civil é o filme que vai lavar a alma e esquentar o coração.