A história que Monteiro Lobato não escreveu
Emília junta o quadrado mágico com o jogo-da-velha e ganha no quinze
Luiz Barco
No mês passado, no artigo que escrevi sobre o jogo-da-velha, envolvendo personagens do lendário sítio do Pica-pau Amarelo, criados pelo escritor Monteiro Lobato, terminei contando que o interesse do rinoceronte Quindim pelo joguinho decorria das teorias da Emília.
Segundo o bichão, a esperta boneca de pano conseguira associar o jogo-da-velha com o quadrado mágico, ou seja, qualquer quadrado onde a soma das linhas, horizontais, verticais e diagonais, tenha sempre o mesmo resultado. Ainda, de acordo com Quindim, a Emília fizera essa associação em uma das vezes em que o sítio foi visitado por um circo.
Invariavelmente, nessas ocasiões, além dos malabaristas, leões e doma-dores, engolidores de fogo e trapezistas, aparecem também os carrinhos de pipoca, os tabuleiros com as maçãs do amor, pirulito e puxa-puxa e a tenda da cigana que lê a sorte. Só que dessa vez tinha uma novidade: a barraca do quinze, montada pela espevitada boneca. Para isso, ela precisou apenas de um velho caixote vazio, bem lixado, ao qual foram fixados quatro pés e com a abertura voltada para o apresentador (no caso ela mesma).
Inicialmente, Emília pintou uma faixa diagonal onde escreveu números de 1 a 9. Num pires, ela colocou fichas amarelas que as pessoas compravam por CR$ 1,00 cada uma. Em outro pires, guardado na parte interna do caixote, havia fichas verdes, cada uma valendo CR$ 5,00.
– Podem começar – apregoava a Emília. – Comprem fichas amarelas e coloquem uma de cada vez sobre os números escolhidos. A cada ficha amarela, eu ponho em cima uma verde, que vale cinco vezes mais. O primeiro que cobrir três números diferentes cuja soma seja 15, com três fichas da mesma cor, leva todas.
Claro que todos se encantavam com a aparente generosidade da boneca, já que suas fichas verdes valiam mais que as de outro jogador. Mas o que acontecia era o seguinte: ou Emília ganhava ou, no máximo, dava empate. Isto é, nem as fichas amarelas nem as verdes formavam, três a três, os exatos quinze pontos.
Acompanhe o desenvolvimento do jogo, ao lado.
Para vencer o jogo do quinze, a esperta boneca usou o quadrado mágico de três por três:
São oito fileiras (três linhas, três colunas e duas diagonais principais) de três números distintos, todas somando 15. Bastou Emília desenhá-lo no fundo do caixote e assim, enquanto seu adversário via os números no tabuleiro de forma linear, ela enxergava todas as possibilidades na diagonal, horizontal e vertical, como no jogo-da-velha. Veja como foi que ela ganhou:
Por meio dessa artimanha, se não vencesse, Emília empataria.
É claro que essa história não foi escrita por Monteiro Lobato. Eu é que me vali de seus personagens para explicar como se pode associar o jogo-da-velha com o quadrado mágico. Na verdade, isso faz parte de um conceito muito usado pelos matemáticos, o isomorfismo. Ou seja, usar a equivalência de comportamento de modelos para resolver com um deles (o quadrado mágico), o problema de outro (o jogo-da-velha). Ê Emília, utilizando-se da boa-fé do adversário, resolveu a questão e ainda ganhou um bom dinheiro.