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As origens do sucesso

Antes de a saga dos Oceanics encantar o mundo, seu projeto foi engavetado, sobreviveu a demissões e à descrença da rede ABC. A história da criação de Lugar Algum (que depois ganharia o nome de Lost) é tão boa que mereceria um filme. A Super se antecipou e já fez o roteiro.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 11 mar 2011, 22h00

Texto Fábio M. Barreto, de Los Angeles

Cena 1

Locação: Parque da Disney da Califórnia.Filmagem externa. Manhã.

É julho de 2003. No Parque da Disney da Califórnia, crianças brincam no Grizzly River Run – o barco redondo que ensopa os visitantes ao longo das corredeiras. Dali é possível ver o Hotel Grand Californian, um prédio gigante junto ao parque. Lá dentro acontece uma reunião de executivos da emissora de televisão ABC. Para eles, é mais uma medida desesperada para salvar a audiência da rede. Na verdade, será a reunião que vai mudar os rumos da TV mundial.

Cena 2
Filmagem interna: Hotel Grand Californian. Uma pessoa fala a 50 profissionais reunidos no salão.

Uma pessoa fala para um grupo de cerca de 50 profissionais reunidos no salão. Ninguém está de terno ou gravata, ninguém pegou trânsito para chegar até ali. Mesmo assim, a pressão está no ar. Sem um sucesso de público há anos – o último foi Who Wants to Be a Millionary?, criado em 1999 -, o comando da ABC resolveu reunir seus principais executivos e equipes de criação num fim de semana descontraído (mas nem tanto) com o intuito de gerar ideias. A ABC é 4ª colocada em audiência nos EUA, ficando atrás de NBC, CBS e Fox. Depois de vários executivos mostrarem suas sugestões, e nenhuma delas agradar, chegou a vez de Lloyd Braun, então presidente da emissora. Ele sugere um programa inspirado no filme Náufrago, aquele estrelado por Tom Hanks, com uma trama sobre pessoas presas numa ilha deserta. Entre as mesas, o público comenta que a ideia lembra A Ilha dos Birutas, comédia pastelão dos anos 60. Como o clima era amistoso, todo mundo riu da brincadeira, menos Braun e Thom Sherman, vice-presidente da ABC. Sherman tinha curtido a ideia -, mas mesmo ele estava longe de imaginar que eles haviam acabado de iniciar a sequência de acontecimentos que culminaria com a estreia de Lost um ano depois.

Cena 3
Filmagem interna. Corredor de emissora de TV. Câmera mostra caos do dia a dia do canal.

Mesmo sendo uma ideia do presidente da empresa, o projeto da série sofreu atrasos e ameaças. No sistema de produção de TV de Hollywood, sobram ideias de programas, mas poucos roteiros são filmados (cerca de 15 por ano) e apenas os sortudos acabam selecionados para entrar na grade de programação (7 ou 8, no máximo). Lost foi um caso exemplar desse mundo profissional em que tudo muda a toda semana. Praticamente todas as pessoas envolvidas na gênese do programa – antes da chegada de J.J. Abrams e Damon Lindelof – foram demitidas da ABC e não colheram os frutos da longevidade da série. Desses, um dos poucos a lucrar com o sucesso de Lost foi Jeff Lieber, o primeiro roteirista contratado para escrever a série e responsável por boa parte da estrutura inicial.

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Cena 4
Filmagem interna. Madrugada. Num escritório apertado, homem trabalha no computador.

No começo, a série era chamada de Nowhere – “Lugar Algum” – e misturava O Senhor das Moscas, romance de William Goldwin, com o reality show Survivor (que inspirou o No Limite brasileiro). O argumento inicial envolvia cerca de 10 personagens, entre eles: dois meio-irmãos, um médico, uma mulher grávida, um viciado, um militar, uma patricinha mimada, um fugitivo e um picareta. Os personagens eram muito parecidos com os atuais: a diferença estava no que acontecia na ilha. A interação entre esse grupo e sua tentativa de reconstruir uma sociedade a partir do zero dariam fôlego ao programa – um retrato hiper-realista da vida numa ilha deserta -, de que, no começo, a ABC gostou. A primeira proposta de roteiro ficou pronta em uma semana. A “versão final do piloto” levou outras 6 semanas para ser escrita. Naquela época, Jeff Lieber ainda tentava entrar para o grupo de cerca de 4 mil roteiristas que sobrevive da profissão em Hollywood, havia escrito projetos para Warner Bros. e Paramount, mas poucos saíram do papel. Infelizmente para ele, felizmente para o fãs, seu roteiro acabou indo quase inteiramente para o lixo.

Cena 5
Filmagem interna. Numa reunião de produtores de TV, um deles joga no lixo o primeiro roteiro de Lost.

Logo que os produtores leram as ideias do roteirista Jeff Lieber, pediram apenas a retirada de cenas mais sofríveis, como um tubarão devorando um dos sobreviventes. Depois, perceberam que tinham em mente outra série, com outro clima: estavam cansados de histórias de ilhas desertas baseadas nas privações de seus habitantes. O roteiro foi recusado e Lieber acabou ficando de fora. Ele só conseguiu seu nome nos créditos e um pagamento por episódio – “algo na casa dos 6 dígitos” – depois de uma briga jurídica envolvendo o sindicato dos roteiristas, que confirmou sua contribuição como criador. “Senti como se estivessem dando uma festa na ilha e eu estivesse boiando num barril, mas sem poder chegar à praia”, disse Lieber à Chicago Magazine. Entretanto, Lieber tem pouco mérito quanto aos elementos fantásticos da série. “Se a ABC tivesse dito que queriam mistérios e um monstro de fumaça, teria pensado em algo, sem problemas; mas nunca tive essa chance.”

Cena 6
Filmagem interna. Bar. Madrugada. No bar, dois roteiristas rascunham seus planos para uma série.

Depois que o roteirista Lieber foi excluído do projeto da ilha deserta, Lugar Algum ganhou os elementos que a transformariam em Lost. O grande responsável por essa virada de rumos foi J.J. Abrams, nome relevante na companhia por ter criado a série Alias (que não virou um hit, mas teve bom desempenho e foi muito bem escrita e produzida). Primeiro, Abrams e o produtor Damon Lindelof (veja biografia de todos eles na página 33) fizeram pequenas mudanças e deram o novo nome à série. Depois de um fim de semana maluco – recheado de ideias, discussões e surtos criativos -, resolveram incluir ficção científica, os flashbacks e transformar a ilha num personagem cheio de segredos – que os sobreviventes desvendariam aos poucos. Além das influências clássicas, como Twin Peaks, os romances A Dança da Morte, de Stephen King, e A Invenção de Morel, do argentino Adolfo Bioy Casares. “Apoiamos o trabalho na ideia de que é possível sustentar um romance de 1 000 páginas com as relações de um pequeno grupo de personagens enfrentando uma situação extrema e incomum. Se Stephen King pôde fazer isso em livros, tentamos fazer o mesmo na TV”, explica Carlton Cuse, produtor executivo e atual corresponsável pela série, ao lado de Lindelof. Velhos amigos, Cuse e Lindelof assumiram o controle criativo de Lost quando J.J. Abrams precisou diminuir o ritmo e se afastar do programa, pois tinha sido convidado por Tom Cruise para dirigir Missão: Impossível III.

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Cena 7
Filmagem interna. Quarto. Dia. Um amontoado de cobertas esconde um sonolento jovem nerd.

Damon Lindelof acordou com o telefone tocando num sábado de manhã. Do outro lado da linha, um homem dizia que era Lloyd Braun, o chefe da ABC. Não era trote, mas a confirmação de que Lost ganharia um episódio piloto. O presidente da ABC tinha adorado os flashbacks dos personagens – o que tornou infinita a possibilidade de explorar o passado de cada um deles. Antes de ligar para Lindelof, tinha conversado com o amigo Thom Sherman. Parecia uma criança gritando: “Eles conseguiram, é Plantão Médico! É Plantão Médico!” Ou seja, era um sucesso garantido. Tão grande foi a empolgação de Braun que, menos de uma semana depois, ele deu a luz verde para seus funcionários montarem não apenas um episódio piloto mas o mais caro episódio piloto da história da TV. O novo conceito apresentado por J.J. Abrams e Damon Lindelof custou entre US$ 11 milhões e US$ 14 milhões. A decisão de gastar tanto pareceu loucura para os outros executivos da ABC. Ela custaria a cabeça de Braun. O presidente da emissora acabou demitido no final de março de 2004, antes da estreia de sua ideia genial.

Cena 8
Filmagem interna: Escritório em Hollywood. Em fila, atores aguardam os testes.

Os atores de uma série são normalmente escolhidos em meses de testes e debates. Em Lost, tudo aconteceu em um mês. Os produtores tiveram que escrever os roteiros, escolher atores, filmar e editar em menos de 3 meses. Conforme os atores eram definidos, os produtores imaginavam personagens e histórias para eles. Foi assim que o roteiro do piloto ganhou forma, especialmente em relação aos 14 personagens principais do primeiro 1o episódio. “Cada um dos atores afetou a história, pois conhecer o rosto e o estilo dos atores fez a gente ter mais ideias para eles”, disse Lindelof. Nos primeiros rascunhos do roteiro de Lost, Sawyer era para ser um galã mais francês que americano, que vestia roupas de grifes europeias e entendia de vinho. Isso mudou quando os diretores conheceram o ator Josh Holloway. Dono de um sotaque caipira impagável, ele esqueceu uma parte do texto que deveria ter decorado para o casting. Cheio de raiva, chutou uma cadeira do palco. Os produtores adoraram. Acabaram adaptando o papel de Sawyer para o de um caipira conquistador. Salvaram, assim, a carreira do ator Josh Holloway. “Eu já tinha tirado minha licença de corretor de imóveis e estava discutindo com minha noiva [agora esposa] se ela toparia ficar comigo se eu fosse um guarda-florestal”, contou ele. Outro candidato que leu falas de Sawyer foi um gordão chamado Jorge Garcia. Estava bem longe de parecer um galã, mas tanto encantou os produtores que eles criaram um personagem para ele: Hurley. A mesma coisa aconteceu com Yunjin Kim, a Sun. Ela foi uma das 70 mulheres que tentaram fazer o papel de Kate. Na entrevista, Sun contou que falava coreano. Isso abriu os olhos dos produtores, que queriam incluir personagens de diversos países.

A trajetória da série também foi alterada no seu desenrolar. Nos primeiros planos, Jack seria um personagem menor, que morreria logo nos primeiros episódios. Cuse e Lindelof mudaram de ideia porque a morte de Jack (um personagem com o qual o público se identificaria) poderia tirar o apego à trama. Jack virou assim o líder dos Oceanics, roubando a importância de Kate. Nos rascunhos de roteiro, não era para Kate ser uma fugitiva, mas uma recém-casada. Seu marido morreria no banheiro do avião durante o acidente, e ela, viúva, assumiria o papel de líder dos Oceanics. O papel de Kate foi a maior conquista profissional de Evangeline Lilly. Até então, ela tinha sido só figurante ou garota-propaganda. “Foi o meu primeiro papel em que eu precisei falar!”, contou ela à ABC.

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Cena 9
Filmagem externa. Ilha. Fim de tarde.

Um homem de terno e gravata abre os olhos no meio da praia. Toma um gole da garrafa de vodca que guarda no bolso e corre para a floresta, onde encontra destroços e sobreviventes do avião em que viajava. A primeira tomada de Lost era assim. Foi invertida por questões práticas: o diretor J.J. inverteu os cenários, jogando Jack na floresta e o Oceanic 815 na praia, pelo simples fato de que, caso o programa funcionasse, seria mais fácil manter o cenário na areia do que no meio do mato. Um homem de terno e gravata abre os olhos no meio da floresta.

“Não incluímos atores famosos porque eles tirariam a verossimilhança do mundo da ilha.”
Carlton Cuse

Mochileiros das galáxias
Quem são e o que dizem os 3 criadores da série

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J.J. ABRAMS
Jeffrey Jacob Abrams cresceu entre câmeras de TV – o pai dele era produtor de filmes. Aos 10 anos, ganhou do avô uma câmera Super-8 e montou um curta de uma boneca assassina que levitava. J. J. escreveu o primeiro filme profissional aos 23 anos – a comédia Milionário num Instante. Depois, criou séries e filmes de drama, ação e ficção científica, como Alias. O homem é fascinado por mistérios e pela ideia de lidar com o desconhecido. “Há momentos em que o mistério é mais importante que o conhecimento”, disse ele numa palestra do TED em 2008.

Nunca pensei em fazer uma série sobre náufragos numa ilha. Mas apareceu a ideia de incluir um acidente aéreo, uns mistérios e surpresinhas ali no meio. Comecei a gostar disso.

DAMON LINDELOF
Ele realizou o sonho de todo nerd: aos trinta e poucos anos, inventou seu próprio mundo ficcional e ficou famoso por isso. Até Carlton Cuse o chamar para trabalhar em Lost, Lindelof era um produtor quase anônimo. Depois, ganhou uma importância para a série maior que a do seu colega. Obcecado por Jornada nas Estrelas, ajudou a produzir o filme da série que foi lançado no ano passado e já está preparando o próximo, que deve estrear em 2011.

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Era sábado de manhã. Eu estava dormindo e o telefone tocou. O chefe da ABC dizia que iria rodar Lost! Nunca alguém tão importante tinha me ligado. Minha vida mudou para sempre.

CARLTON CUSE
Ele nasceu no México, mas logo se mudou com a família para Boston ­- estudou história na Universidade Harvard. Embora seja roteirista e produtor experiente (fez parte da produção de um Indiana Jones), Lost é de longe seu maior sucesso. Cuse é o sujeito responsável por resolver os problemas gerenciais da série. Considera sua principal conquista ter negociado com a ABC o fim da série – livrando Lost do risco de se estender indefinidamente.

Não imaginávamos Lost indo além de 12 episódios. Por isso decidimos fazer os melhores episódios da história.

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