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Como o governo se dá bem

O Brasil é um dos países que mais arrancam impostos dos pobres e da classe média. Como? Sobretaxando bens de consumo e incluindo salários cada vez menores no teto do imposto de renda. Entenda

Por Maurício Horta
Atualizado em 4 nov 2016, 19h06 - Publicado em 17 dez 2015, 12h30

Edição: Alexandre Versignassi

O Brasil tem um PIB do tipo “Pague 3, Leve 2”: de tudo que o País produz, o governo toma 36%. Muito? Depende. É bem mais que a média latino-americana, de 22,2%, mas igualzinho à média da OCDE – clube de 34 países ricos, democráticos e de livre mercado. E bem menos do que a recordista Dinamarca, que arrecada 48% de seu PIB.

Se não são os maiores do mundo, os impostos brasileiros estão entre os mais injustos. Nossa arrecadação é uma espécie de Robin Hood ao contrário, pois cobra mais de pobres e da classe média e menos de ricos. E faz isso de forma marota, em impostos ocultos. Expliquemos.

Há dois tipos de impostos: os diretos e os indiretos. Os primeiros são aqueles que incidem diretamente sobre o que ganhamos e o que possuímos – caso do imposto de renda, do IPVA, do IPTU. O lado bom dele é que quem paga mais é quem ganha mais. Por isso, são chamados impostos “progressivos”. O lado ruim – ao menos para o governo – é que o contribuinte sabe perfeitamente quanto paga quando recebe os boletos ou faz a declaração anual. E ninguém gosta de ver a sua renda ser levada embora.

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Já os impostos indiretos são aqueles escondidos no preço das coisas que você consome. Caso do ICMS, do ISS, do IPI… “Quando você paga uma conta, não sabe o que é o custo da mercadoria, o que é lucro e o que é imposto. Assim é mais fácil arrecadar”, diz a economista Melina Rocha, da FGV-RJ. Um em cada quatro brasileiros não sabe que há impostos embutidos nas suas compras, segundo uma pesquisa da Fecomércio do Rio. Não faz a menor ideia, por exemplo, de que 38,53% do preço da calça jeans e 46,12% da fatura de TV por assinatura são impostos. Em suma, é como se o governo surrupiasse discretamente sua carteira, já que a ignorância ajuda a TV de led com preço inflado a se transformar em mais imposto para o Estado.

Não é normal que um país cobre tanto imposto furtivo. Dos 36% do PIB que a tributação brasileira come, 18,8% são de impostos sobre mercadorias e serviços – justamente os impostos invisíveis. Isso é mais do que em qualquer país da OCDE. Até a Dinamarca, que cobra impostos com uma dureza feudal, enfia menos a faca: 15,3%.

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Bom, com os impostos indiretos, o governo pode tributar 100% das pessoas sem que elas tenham consciência disso. Um negocião. Só tem um problema: impostos indiretos derrubam vendas, cortam lucros e pesam mais exatamente sobre quem tem menos dinheiro. Por isso, inclusive, os impostos indiretos são conhecidos como “regressivos”. É que, quanto menos uma família ganha, maior será a parte de sua renda gasta com consumo.

Uma empregada doméstica e um porteiro casados e com dois filhos provavelmente gastarão quase todo o salário com moradia, alimentação, roupa, transporte e saúde. A maior parte da renda, então, será tributada com impostos indiretos. Já um executivo ou um empresário com os bolsos recheados consome só uma fatia de sua renda e investe o resto. Se ele consumir 20%, os impostos indiretos não vão incidir sobre os outros 80%.

Brasileiros, todos sabemos, são exímios sacoleiros, treinados nessa arte desde os tempos do videocassete paraguaio. Uma das razões do boom recente da sacolagem era o real supervalorizado – essa ficou no passado. Outra permanece firme. Nos EUA, os impostos indiretos comem apenas 4,4% do PIB, contra 18,8% no Brasil.

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Esses tributos baixos, porém, não fazem dos EUA um paraíso fiscal. Pelo contrário. A diferença é que, lá, os impostos caem pesado não sobre consumo, mas sobre renda e patrimônio. Enquanto os impostos diretos representam apenas 7,8% do PIB no Brasil, nos EUA são 14,6%. Ou seja: pobre, que não tem patrimônio, paga menos. Rico, mais.

Até quando morre, o americano endinheirado paga: 40% sobre sua herança, contra 8% no Brasil. A “taxa da morte” – como é apelidada por detratores – é tão grande que bilionários como Bill Gates, George Soros e Warren Buffet abrem fundações filantrópicas e doam para universidades, museus e projetos de governança e desenvolvimento em países em desenvolvimento. De outra forma, eles teriam que deixar o Estado decidir o destino de quase metade dos bilhões deles quando não estivessem mais entre nós.

A diferença entre EUA e Brasil fica ainda maior quando se comparam as faixas de renda sobre as quais o imposto incide. Nos EUA, elas começam em 10% e vão aumentando gradativamente até chegar a 39,6%, para que ganhe mais de US$ 413 mil por ano (US$ 34 mil por mês). Assim, ricaços pagam muito mais do que a classe média.

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Já no Brasil, o teto é muito menor: apenas 27,5%, e já vale para quem ganha a partir de R$ 4.463,81. Ou seja, uma família de classe C (R$ 3.152 a R$ 7.880) pode atingir a mesma faixa de imposto de renda de um Jorge Paulo Lemann.

Mais injusto, impossível, certo? Não. Sempre há espaço para mais nas sutilezas da tributação brasileira. A maior das malandragens da Receita Federal está num detalhe que geralmente passa despercebido. Todo ano, o nível geral dos preços aumenta. É a inflação. Alta ou baixa, ela nunca deixa de existir – seja no Brasil, seja em praticamente qualquer outro país.

Para não perder o poder de compra, trabalhadores negociam aumentos de salário todo ano. Teoricamente, as faixas da tabela do imposto de renda deveriam acompanhar esses reajustes. É que R$ 4,4 mil de hoje valem menos que 4,4 mil de ontem, então deixa de ser justo que esse valor estabeleça o limite entre quem paga o teto do imposto e quem não paga. A Receita até faz esses reajustes. Mas sempre com um truque: acerta a tabela numa proporção muito menor do que a inflação. Assim, aquele que antes era pobre demais para pagar 27,5% de imposto pode passar a contribuir no teto sem ter aumentado sua renda real. E o governo ganha mais.

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O Dieese calcula que, se corrigíssemos a tabela de 1996 pela inflação, a faixa dos 27,5% deveria começar só nos R$ 7.332,02, contra os atuais R$ 4.463,81, que, por sua vez, deveria estar na faixa dos 15%.

É isso. E mesmo assim o nosso governo está de pires na mão, sem condições de fechar as próprias contas. A grande solução que encontram? Pois é: tascar mais um imposto, ressuscitando a CPMF em 2016. Vai funcionar? Ninguém sabe. Certeza mesmo, só uma: todos ficaremos um pouco mais pobres.

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