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Ideia 29: O fim da 3ª Guerra Mundial

A repressão às drogas nunca cumpriu seus objetivos, mas produziu efeitos colaterais desastrosos. Mudar essa política é uma questão de bom senso e racionalidade. O Uruguai está dando o primeiro passo nessa direção

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h54 - Publicado em 2 dez 2013, 22h00

Tarso Araujo

Enquanto esta revista era feita, a Câmara dos Deputados do Uruguai aprovava um projeto de lei que regulamenta a produção e o comércio de maconha, droga ilícita mais usada no país e no mundo. Seu objetivo é reverter o aumento da violência associada ao tráfico e lidar com o uso de drogas sob a ótica da saúde, e não da repressão. Pela primeira vez desde que foi declarada uma “guerra às drogas”, uma nação tem a coragem de se posicionar legislativamente contra essa política pública, uma das mais irracionais e infrutíferas da história.

A estratégia de proibir globalmente (algumas) drogas que alteram o comportamento é recente na história da humanidade. Ela foi gestada no início do século 20, regulamentada pela ONU em 1961 e colocou uma faca nos dentes em 1971. Nesse ano, o presidente americano Richard Nixon usou pela primeira ver o termo “guerra”, dizendo que as drogas eram “o inimigo público número 1 dos EUA” e que era preciso “empreender uma ofensiva total”. Suas armas miravam em substâncias, e desde então acertam cidadãos, nesse conflito mundial que já é o mais longo da era moderna.

A “guerra” tinha três objetivos principais: diminuir a oferta de drogas, aumentar seu preço para dificultar a compra e, enfim, reduzir o consumo. Nada disso funcionou. Pior ainda, o tiro saiu pela culatra. Desde o começo da guerra, a produção e a variedade de drogas disponíveis, bem como seu consumo, cresceram sem parar em todo o planeta – a não ser por curtos períodos de estabilidade. O aumento da repressão de produtos com grande demanda nos EUA fez com que mais criminosos se empenhassem em exportá-los. O resultado da batalha foi uma explosão: de consumo. Nasciam assim os primeiros bilionários do tráfico internacional de drogas, algo que não existia até então.

A produção aumentou tanto e tão rapidamente que o preço nos EUA despencou. Os traficantes precisaram diversificar seus mercados e o consumo de cocaína se popularizou no resto do mundo, fortalecendo em cada canto comerciantes de drogas ilícitas. Com sua reserva de mercado garantida por lei, eles só precisavam se defender da polícia para garantir sua prosperidade. Cartéis e “comandos” se espalharam por toda a América Latina (depois pelo mundo todo) e inauguraram uma nova corrida armamentista, na disputa de uma guerra que não tem nada de fria.

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Segundo a ONU e a Interpol, atacadistas de drogas ilícitas estão entre os principais clientes do tráfico de armas. Desde os anos 1980, a violência disparou em países pobres e em desenvolvimento que servem de base para a fabricação e o contrabando de drogas. Entre os 15 países do mundo com mais assassinatos por arma de fogo, 14 são produtores de drogas ou corredores de tráfico internacional. Todos estão nas Américas Central e do Sul, e a lista inclui o Brasil.

Essa estatística assustadora mostra como a guerra pode fazer mais mal para a saúde e a vida do que o próprio consumo de drogas. Usá-las pode fazer mal, é claro. Mesmo a maconha, que não causa overdose e é muito menos nociva que álcool ou tabaco, pode trazer problemas. Mas a repressão piora tudo. Ela coloca o comércio na mão de traficantes que não têm pudor de vender drogas para menores de idade, população mais vulnerável ao uso dessas substâncias. Usuários de todas as idades são marginalizados e afastados dos serviços de saúde. A pequena parcela dos que se tornam dependentes não procura ajuda com medo do preconceito e até de serem presos. Campanhas de redução de danos são vistas como incentivo ao uso. As redes de atendimento são pequenas e despreparadas, pois os recursos que deveriam ser investidos nessa área acabam sendo gastos com controle de fronteiras, fuzis, coletes à prova de bala, “caveirões” e outros aparatos militares.

A guerra também faz mal para a saúde das instituições. Afinal, parte das centenas de bilhões de dólares faturados por ano no mercado clandestino é usada para corromper policiais, juízes. As mesmas instituições que deveriam combater o tráfico de drogas são frequentemente flagradas em conluio com ele. Enquanto isso, as cadeias estão lotadas com milhões de pessoas por usar ou vender pequenas quantidades de drogas – geralmente pobres e integrantes de minorias étnicas. Direitos civis e humanos são colocados de lado em nome de uma política que não traz nenhum benefício coletivo. Tudo com o pretexto de solucionar um mal que a repressão nem de longe resolve.

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Enfim, não existe nenhuma lógica na guerra às drogas. Não podemos ficar parados assistindo essa irracionalidade afetar nossas vidas, nossas cidades, nossa paz. Time que está perdendo, precisa mudar.

Por isso a ideia do Uruguai é empolgante. Levantar uma bandeira branca, ao menos na guerra contra a maconha. Depor armas e cuidar das vítimas da guerra. Assumir e regulamentar a produção e venda da Cannabis sativa. Tirar dos traficantes uma fatia relevante de seu negócio. A humanidade usa maconha – e outras drogas – desde a Idade da Pedra. Se o comércio dessa substância é inevitável, que pelo menos seu lucro seja investido em saúde, e não em guerra.

Se algo não der certo, ainda assim a iniciativa do governo do Uruguai será importante, porque oferece ao mundo a lição de uma experiência concreta e nova. Aprenderemos mais sobre a alternativa de legalizar uma droga. Alternativas. É disso que precisamos. A guerra, já sabemos, não funciona.

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