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Não basta ser pai, tem que participar

Você se encaixa no estereótipo da mãe ou pai modernos? Superprotetor, angustiado com o desafio de educar, culpado pela falta de tempo para os filhos? Pois ouça outro conselho: relaxe. Novos estudos sugerem que a influência da educação sobre a prole pode ser menor do que imaginamos

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 1 fev 2013, 22h00

Ana Paula Severiano

Ter filhos exige muito. Muito tempo, dinheiro, energia e, nossa!, como dá dor de cabeça educá-los de modo a virarem adultos felizes e bem-sucedidos. Se você tem 20 e poucos anos, já deve ter repetido essa ladainha a cada vez que seu pai ou sua avó cobra netinhos (e bisnetinhos) dizendo que, na sua idade, já tinham dois ou 3 rebentos. Em 1960, cada brasileira tinha em média 6 filhos. Dez anos depois, já eram 4,5 e agora, de acordo com o censo de 2010, são dois filhos por mulher. Mas se as famílias estão mais enxutas, mantê-las parece cada vez mais complexo.

Ao longo das décadas, os pediatras parecem ter acumulado mais e mais conselhos, proibições e medidas de segurança para que você não lese a saúde do seu bebê. As lojas também exibem uma enormidade de produtos essenciais para o bem-estar dos pequenos – coisas que seus avós mal saberiam dizer pra que servem. Mais complicado é assimilar todas as recomendações dos psicólogos de como ser um pai bacana, presente, sábio, que consiga impor limites e também ser um ombro amigo, entre outras tarefas fundamentais. Se você falhar? Seus filhos podem ser inseguros, psicologicamente instáveis, infelizes. O apelo que esses conselhos têm para pais modernos pode ser medido nas prateleiras das livrarias – com uma enxurrada de títulos e manuais sobre como ser o pai ideal. Alguns viram best-sellers, como Quem Ama, Educa!, de Içami Tiba, que já vendeu mais de 600 mil cópias. Quem não conhece um pai dedicado, superprotetor, quase neurótico, que mesmo assim sente culpa por sua vida corrida e o insucesso em corresponder perfeitamente ao mandamento “Não basta ser pai, tem que participar”?

Na contramão dessa tendência, o economista americano e pai de 3 filhos Bryan Caplan lançou em 2011 o livro Selfish Reasons to Have More Kids – Why Being a Great Parent is Less Work and More Fun Than You Think (em português, “Razões egoístas para ter mais filhos – Por que ser um ótimo pai é menos trabalho e mais diversão do que você pensa”, sem edição no Brasil). Sua tese? Relaxe, suas atitudes como pai não têm tanta influência assim em como seus filhos serão no futuro.

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Caplan se apoia em estudos da genética do comportamento e em estatísticas que mostram semelhanças em famílias com filhos adotados para dizer aos pais que a responsabilidade deles não é tão grande assim. “Donas de casa de antigamente costumavam apenas mandar seus filhos irem brincar lá fora. Os pais de hoje dedicam seu tempo a preparar as crianças para o futuro, a transportá-las de um lado para o outro, a assisti-las das arquibancadas.” E isso não está produzindo gerações menos frustradas, mais felizes e preparadas para o mundo fora da bolha, ele defende. O autor sugere que a natureza (ou o que está escrito nos genes) se sobrepõe, mais do que gostaríamos, à influência dos pais na criação dos filhos: “Em vez de pensar nas crianças como barro que deve ser moldado pelos pais, devemos pensar nelas como plástico flexível, que responde à pressão, mas volta à forma original quando a pressão acaba”. Isso quer dizer que parte dos esforços que você faz em nome do seu filho pode não ter resultado.

Com escola não se economiza

De cara, o economista questiona a necessidade de superestimular as crianças, investindo além da conta (bancária) em sua educação, para que elas se tornem adultos de sucesso. Ele conta que, em 1955, logo após a Guerra da Coreia, houve um estímulo para que famílias americanas adotassem órfãos coreanos. Para obter a guarda das crianças, era necessário que os candidatos fossem casados por no mínimo 3 anos, tivessem entre 25 e 45 anos, menos de 4 filhos e renda 25% superior à linha de pobreza. Em 2005, o economista Bruce Sacerdote investigou 1 600 dessas crianças adotadas para saber o que tinha acontecido. “Pais ricos tentaram dar a seus filhos uma vantagem colocando-as em escolas excelentes e contratando tutores. Mas o estudo mostrou que diferenças na renda e no bairro não aumentaram o sucesso acadêmico dos adotados”, afirma Bryan. O recado é: se as condições mínimas de acesso à formação intelectual estão garantidas, você não precisa se acabar em horas extras para pagar a escola bilíngue.

Um dos estudos mais interessantes que mostra o quanto a criação não influencia tanto a inteligência (ou pelo menos um tipo dela) dos filhos vem do Projeto de Adoção do Colorado, que acompanhou a vida de 245 bebês, seus pais biológicos e seus pais adotivos. Em artigo publicado na revista Nature, pesquisadores mostraram que o QI sempre esteve relacionado aos pais biológicos, o que se tornou ainda mais evidente com o passar do tempo. Pais adotivos têm um impacto na vida intelectual da criança nos primeiros anos, mas com o passar do tempo a genética vence e os filhos estreitam as semelhanças com os pais biológicos.

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O que faz diferença nas notas da escola, então? Um estudo que aparece no livro Freakonomics, de Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner, apoia a conclusão de que o que interessa é o que os pais realmente são e não o que tentam fazer que seus filhos sejam. Os autores analisam um estudo sobre desempenho escolar de 20 mil alunos no que equivale ao ensino fundamental em Chicago, nos EUA. Os dados mostram que boas notas não estão vinculadas às ordens dos pais – tipo pedir aos filhos que leiam antes de dormir. “Quando se pega um livro sobre criar filhos, já é tarde demais. A maior parte das coisas importantes foi decidida há muito tempo – quem somos, com quem nos casamos, que vida levamos”, defendem os autores. Se você é inteligente, gosta de se empenhar e, mais importante, nutre estima pela pessoa que se tornou, é provável que seus filhos sigam o mesmo caminho sem que você tenha que ler manuais. Mas, e se você realmente abomina certos traços da sua personalidade? Talvez não seja uma ideia tão boa ter filhos, defende Bryan Caplan – ponto de vista que arrepia os cabelos dos críticos da genética do comportamento, que o consideram puro determinismo genético. Sabendo disso, em uma passagem de seu livro ele antecipa o questionamento e se defende, dizendo que não leva em conta somente os cromossomos: “Se o ambiente familiar importa tão pouco, por que o comportamento humano é tão difícil de prever? Porque há muito mais no ambiente do que a família. Caso contrário, gêmeos idênticos criados juntos poderiam ser, literalmente, cópias idênticas”.

Mantenha seu filho longe das más companhias

É nessa brecha que entra a psicóloga Judith Rich Harris. Há mais de duas décadas ela chocou o meio acadêmico ocidental e até a sociedade com o livro The Nurture Assumption (em tradução livre, “O mito da criação”). Em uma nova edição do livro, publicada em 2009 e embasada por pesquisas mais recentes, ela continua defendendo que os amigos têm mais influência sobre o desenvolvimento da criança que os pais: “Crianças não são socializadas por seus pais. O pressuposto da educação é um mito. Pais não têm muita influência sobre a personalidade de seus filhos ou sobre seu comportamento fora de casa. Isso não quer dizer que eles não importam”. Ou seja: sim, é desejável que seus filhos se mantenham longe de más companhias, mas conselhos nessa linha podem superestimar a capacidade dos pais de impedir essa influência do grupo. A recomendação pode ser impossível de cumprir.

Harris trabalha com 3 ideias principais: a primeira, já mencionada, é que os pais têm pouco ou nenhum poder para modelar a personalidade dos filhos. Você só se pareceria com seu pai porque dividem os mesmos genes e o mesmo ambiente cultural. A segunda ideia é a de que são as experiências que acontecem com os colegas, fora de casa, as mais importantes para determinar a forma como as crianças agem. Por quê? Para Harris, entre os 6 e os 16 anos os indivíduos se comparam aos pares, da mesma idade e sexo, para poder se identificar com um grupo e encontrar um papel de destaque dentro dele – ou seja, é mais importante ser apontado como líder pelos amigos do que pelos pais. O terceiro ponto diz que seus genes vão com você a qualquer lugar, mas o comportamento pode se adaptar às diferentes pessoas e situações – ou seja, filhos podem se comportar de um jeito em casa e de outro, bem diferente, na rua.

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Uma das pesquisas que ela cita no livro para corroborar sua teoria diz respeito às origens do comportamento antissocial. Os pesquisadores Kevin Beaver e John Paul Wright, da Universidade do Estado da Flórida, conduziram vários estudos. Em um deles, feito com gêmeos, mediram quanta atenção a criança recebia, se a família determinava regras e se elas eram cumpridas. Então, pediram aos pais e aos professores que julgassem a habilidade das crianças em controlar seus impulsos e se controlar adequadamente tanto em casa quanto na escola. O julgamento dos professores não correspondeu às práticas mais – ou menos – rígidas que os pais adotavam, o que apontava para uma predisposição genética para o comportamento inadequado (e para mudanças nesse comportamento conforme o ambiente). O estudo também associou o mau comportamento ao ambiente: em classes mais bagunceiras, as crianças obtiveram um pior julgamento tanto em casa quanto na escola, independentemente das práticas de seus pais.

Em outro experimento, os pesquisadores monitoraram se o pai era presente, se tanto o pai quanto a mãe concordavam com as regras disciplinares da casa, se a família era pobre ou abastada. Segundo Beaver e Wright, isso também não ajudou a prever se os jovens teriam um comportamento antissocial. Por fim, monitoraram a tendência de gêmeos criados juntos ou separados a se associar a grupos mais bagunceiros. Notaram um padrão de comportamento, mesmo quando os gêmeos cresceram separados e seus pais adotavam regras distintas. Quer dizer, os genes parecem determinar que crianças e jovens procurem conviver com pessoas parecidas com eles. A forma como interagem nesse grupo favorece ou ameniza seus traços de personalidade. E mesmo que você tente monitorar as companhias de seus filhos, se eles têm uma tendência a violar regras, vão sempre se identificar com a turma do fundão. Moral da história: em muitos campos da vida do seu filho, o conselho mais realista pode ser “não basta ser pai e também não basta participar”. Pais e mães não têm tanto poder assim sobre o futuro e a felicidade da prole. Se isso é motivo para ainda mais ansiedade, ou para alívio de ao menos um pouco do peso sobre seus ombros, vai de cada pai.

Só as mães (que trabalham) são felizes

É o que mostra um estudo publicado no Journal of Family Psychology. A pesquisa levou 20 anos para ser concluída e considerou o acompanhamento de 1 364 mães desde o nascimento do bebê. Tanto as mães que trabalhavam meio período quanto aquelas que trabalhavam em período integral reportaram maior bem-estar geral e menos sintomas depressivos do que as que ficavam o tempo todo em casa cuidando dos filhos. Além disso, a pesquisa também descobriu que as mães que trabalhavam meio período se mostravam tão interessadas nos assuntos escolares quanto as mães em tempo integral.

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4 coisas perigosas que você deve deixar seu filho fazer
Por que brincar com fogo na infância pode livrar a criança de queimaduras no futuro

Gever Tulley é cientista da computação e fundador da Tinkering School, uma colônia de férias nos EUA a que as crianças vão para aprender a brincar com ¿coisas de verdade¿. Em uma palestra em conferência do TED, organização dedicada e disseminar boas ideias, ele critica o excesso de regras de segurança que existem para evitar que as crianças se metam em situações de risco e se machuquem. ¿Quando arredondarmos todas as quinas e eliminarmos todos os objetos afiados, ou cada pontinha no mundo, na primeira vez em que as crianças entrarem em contato com algo pontudo, elas vão se machucar.¿ Ele dá 4 sugestões para criar filhos mais independentes, seguros e conhecedores do ambie nte em que vivem ¿ válidas para crianças a partir de 8 anos:

Brincar com fogo: não é para incendiar o jardim, mas para perceber que essa é uma das forças da natureza sobre a qual já temos algum controle. A sugestão é cercar a área que entrará em combustão com pedras, para que não haja risco de o fogo se alastrar. E, antes de tudo, é importante ensinar a brincar com a mangueira, apagando ¿fogos imaginários¿.

Arremessar objetos em um alvo: isso estimula partes do cérebro relacionadas à acuidade visual e à percepção tridimensional, além de desenvolver habilidades físicas e de atenção e concentração.

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Ter um canivete: com um desses que tem várias ferramentas em uma, a criança desenvolve diversas habilidades motoras. Basta explicar a ela algumas regras: sempre cortar no sentido contrário ao do corpo e não forçar a lâmina, por exemplo. ¿Eles vão se cortar, mas são jovens e cicatrizam rápido¿, Tulley defende.

Desmontar aparelhos: não cause (muita) confusão quando a criança começar a desmontar um brinquedo cheio de pecinhas que acabou de ganhar. Ela está querendo entender como são as engrenagens que fazem as máquinas que nos cercam se moverem.

Para assistir à palestra inteira, acesse: https://migre.me/7BDAF

Para saber mais

The Nurture Assumption. Judith Harris, Free Press, 2009.

Selfish Reasons to Have More Kids. Bryan Caplan, Basic Books, 2011.

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