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No final tudo acaba bem – se não está bem é porque não acabou

O suposto poder do pensamento positivo virou argumento coringa quando as pessoas não têm o que dizer para aquele amigo desesperado. Mas estudos mostram que, além de não fazer mágica, otimismo demais pode até piorar as coisas

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 1 fev 2013, 22h00

Pense positivo – eis uma palavra de ordem. Seja para sair da fossa ou para alcançar aquele objetivo aparentemente impossível, quem não vê o lado bom das coisas está fadado a derrotas diante dos obstáculos. Opa, expressão proibida. Obstáculos existem para ser transpostos. E você é capaz, basta colocar na sua cabeça que “tudo vai dar certo”. Quando os pensamentos negativos porventura aparecerem, ponha-os para correr: ninguém merece se contagiar com suas lamúrias derrotistas ao primeiro sinal de dificuldade.

O blablablá parece familiar? É que Poliana fez escola, e o discurso de encarar a vida com um otimismo intransigente, mesmo que ignorando a tragédia de certas situações, está muito arraigado no senso comum. Mas, por mais que estudos clínicos já tenham mostrado os benefícios do otimismo na saúde geral das pessoas, ou na recuperação de uma doença ou um trauma, por exemplo, usar o pensamento positivo como ferramenta para conseguir o que não se tem, ou como critério soberano para tomar decisões na vida, pode ser uma furada.

Um estudo da University College London e da Berlin School of Mind and Brain aponta para uma tendência do cérebro de pessoas muito otimistas. Elas filtram as informações que recebem, prestando mais atenção ao que é positivo – o que as impede de alterar previsões positivas mesmo quando tudo indica o fracasso. Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores monitoraram a atividade cerebral de voluntários por ressonância magnética funcional, enquanto eles diziam qual a probabilidade de 80 eventos negativos (doenças, roubo de carro etc.) acontecerem com eles no futuro. Após uma pausa, foram informados da probabilidade média de esses eventos acontecerem com gente de sua faixa etária e classe social, e tiveram que refazer suas estimativas.

Todos os participantes – os mais otimistas e os mais realistas – mostraram um aumento da atividade nos lobos frontais do cérebro quando a informação dada era mais positiva do que esperavam – o que indicava o esforço de recálculo. Quando a estimativa real era negativa, porém, o cérebro dos otimistas reduziu a atividade no giro pré-frontal inferior direito, responsável pelo rastreamento de erros e atualização de previsões. Eles ignoraram as evidências apresentadas e continuaram com seus prognósticos irreais. Um exemplo: um participante que havia estimado suas chances de contrair câncer em 10% e descobriu que a média era de 30% alterou sua conta para só 14%. Outro que havia cravado chances de 40%, porém, foi mais flexível ao levar em conta os dados positivos: corrigiu para 31%.

“Esses achados indicam que o otimismo está ligado a uma falha de atualização seletiva e diminuição de codificação neural de informações indesejáveis em relação ao futuro”, escreveram os pesquisadores. Para Tali Sharot, um dos autores do estudo, essa crença quase cega de que tudo vai terminar bem pode fazer com que as pessoas sejam mais displicentes com medidas de precaução, como fazer sexo seguro ou poupar dinheiro para a aposentadoria.

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“Quando olhamos para o lado bom das coisas e nos sentimos melhor, podemos começar a achar que isso significa que tudo está indo bem. Essa é uma suposição arriscada porque, naturalmente, às vezes sentir-se bem não significa que as coisas estão de fato bem”, diz a psicóloga Julie Norem, autora do livro The Positive Power of Negative Thinking: Using Defensive Pessimism to Manage Anxiety and Perform at Your Peak. Segundo ela, ao ignorar informações negativas, perdemos oportunidades de evitar situações ruins no futuro ou de melhorar o presente.

Norem estuda o chamado “pessimismo defensivo”, estratégia natural que certas pessoas têm de criar situações mentais antecipando tudo o que pode ocorrer de ruim até atingirem seu objetivo. Parece sofrido demais? Pode até ser, mas ela descobriu que isso ajuda quem é muito ansioso a se concentrar naquilo que pode fazer de concreto para se preparar contra obstáculos e melhorar seu desempenho. E que, para algumas pessoas, antever o que pode acontecer de ruim é muito útil. “O pensamento positivo tende a encorajar abordagens mais gerais para os problemas, enquanto o mais negativo encoraja o detalhismo”, explica.

Imagine a situação que você quer que aconteça e ela se realizará

A ideia de que criar uma imagem mental da concretização dos seus sonhos ajuda a alcançá-los tornou-se bem conhecida com a disseminação de best-sellers de auto-ajuda. Mas, embora fantasias positivas possam trazer algum prazer momentâneo por permitir que as pessoas desfrutem mentalmente de um futuro desejado, a ciência mostra que isso pode atrapalhar sua realização. Uma pesquisa das universidades de Nova York e de Hamburgo, divulgada em 2011, demonstrou que forçar a visualização de uma meta positiva como algo concretizado prejudica o desempenho em situações reais – isso porque reduz nossa energia para buscar o futuro desejado. Nos testes, os pesquisadores perceberam que, quanto mais positivas as mentalizações, menos esforço as pessoas fazem para realmente alcançar o objetivo. A mesma queda de energia não acontecia com fantasias negativas, neutras ou questionadoras.

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Em um dos testes, 164 estudantes mulheres tiveram que criar uma imagem positiva do futuro, na qual apareciam bonitas, desejadas e glamourosas com seus saltos altos. Parte delas foi levada a questionar se usar salto alto de fato as deixaria glamourosas. Para avaliar o nível de energia que a fantasia provocava nos dois grupos, mediram a pressão arterial – afinal, quando deparamos com uma tarefa excitante, nosso cérebro precisa de mais oxigênio e nutrientes, que são fornecidos pelo sangue, o que aumenta a pressão. Pois bem: o grupo que questionou o poder do salto alto não teve alterações de pressão, ao passo que quem só viu o lado glamouroso da coisa teve uma redução dela.

Em outro teste, voluntários foram induzidos a criar fantasias positivas de que haviam ganhado o prêmio de um concurso literário – mas, enquanto parte deles teve que descrever quão bom isso seria, outra parte teve que se esforçar em pensar que o prêmio não era algo garantido e que tudo relacionado a ele não iria dar tão certo. Logo depois respondiam a um questionário em que apontavam quão excitados, entusiasmados e ativos estavam se sentindo. Resultado: o nível de energia de quem foi otimista resultou mais baixo que o dos pessimistas, indicando que eles tinham mais chance de mandar mal ao escrever o texto para o concurso. Outros dois testes foram feitos e tiveram o mesmo resultado. “Fantasias menos positivas – que questionam se um futuro ideal pode ser alcançado e que consideram os obstáculos – provavelmente são mais benéficas para reunir a energia necessária para atingir a meta”, conclui o estudo.

Repita a si mesmo, até que se torne verdade: vou conseguir!

Quando o pensamento positivo vem na forma de frases para turbinar a autoconfiança, como “sou capaz!”, “sou um sucesso!”, a ciência descobriu que o efeito pode ser o oposto justamente nas pessoas que, a rigor, mais precisariam desse incentivo. Depois de aplicarem questionários para medir a autoestima de 68 estudantes, pesquisadores das universidades de Waterloo e New Brunswick, no Canadá, pediram que eles descrevessem seus pensamentos e sentimentos por 4 minutos. Parte do grupo deveria dizer a si mesmo: “Sou uma pessoa adorável” cada vez que ouvisse um sino, o que ocorria de 15 em 15 segundos. Aqueles com baixa autoestima – maiores consumidores da literatura de autoajuda – relataram piora no humor e na auto-imagem diante dos estímulos.

A técnica só teve resultados positivos entre pessoas de autoestima elevada, mas ainda assim foi uma melhora sutil. Os pesquisadores acreditam que a explicação esteja no fato de que, ao ouvir algo em que não acreditam ou não concordam, as pessoas se apegam ainda mais fortemente à sua posição inicial. Eles dizem que o foco forçado em pensamentos positivos confunde as ideias daqueles que têm problemas de autoconfiança, e os pensamentos negativos e desanimadores acabam se sobressaindo. Por outro lado, um segundo teste mostrou que esse mesmo tipo de pessoa se sentiu melhor quando lhes foi permitido listar seus pontos negativos. Já ao enumerar suas qualidades, seu humor piorou. Os autores defendem novas formas de psicoterapia que estimulem as pessoas a aceitar pensamentos e sentimentos negativos em vez de lutar contra eles – o que tem se mostrado menos efetivo.

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Julie Norem concorda: “Acentuar o lado positivo das pessoas não é um conselho ruim, mas isso não leva em conta que elas enfrentam situações diferentes, encontram obstáculos diferentes e têm personalidades diferentes. Tentar colocar todo mundo em uma perspectiva otimista pode ser tanto desconfortável quanto improdutivo”.

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