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O eremita da Amazônia

Shigeru Nakayama, 65, é o único morador de Airão Velho, cidade abandonada no meio da floresta amazônica. Há 13 anos vivendo entre ruínas, é o guardião da história local. E só quer sair se deixar um sucessor

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 27 ago 2014, 22h00

Victor Affonso, de Airão Velho (AM)

Como você veio parar aqui?

Minha família migrou em 1965, quando eu tinha 15 anos. Trabalhei em Belém, depois em Manaus. Mas meu sonho era estar na floresta, não na cidade. Passei três anos no Parque Nacional do Jaú, vivendo só do meu plantio. Em 2001, a herdeira das terras de Airão Velho, Glória Bizerra, teve a ideia de limpar a área. E me chamou.

Ela morava em Airão Velho?

Não, aqui só tinha mato, não tinha ninguém, diziam que as formigas tinham expulsado o povo. Dona Glória morava em Novo Airão [fundada 100 km rio abaixo por ex-moradores de Airão Velho]. Eu disse: “Tudo bem, mas termino e vou embora”. Ela morreu em 2012 e ainda estou aqui. Ela me ajudava, mas sempre me mantive plantando.

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O que o senhor planta?

Vixe, muita coisa. Tomate, repolho, abacate, limão, cacau, cupuaçu. Me apelidaram de Rei da Melancia. Caço cutia e paca, pesco tucunaré, tomo chá de capim-santo. E é difícil eu ir em farmácia: uso tudo do mato.

Você parece bem adaptado.

Já virei índio. [risos]

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Já foi mordido por cobra?

Duas vezes. Na última, há seis anos, eu quase perdi o braço. Mas cavei um buraco e enfiei o braço na terra – isso é técnica indígena para controlar o veneno. Já briguei com onça – e sem arma, eu tinha só um remo. Ela caiu n¿água e tentou virar minha canoa. Cinco minutos depois de ficar batendo eu já estava cansado. Pensei: “Agora já era”. Rapaz, só sei que um pouco depois ela parou de segurar na canoa, deve ter ficado cansada também. [risos]

A canoa é seu único meio de transporte?

E só uso em emergência. Daqui até Novo Airão são oito horas para ir e o dobro para voltar, por causa da correnteza contrária. Mas acho bom o sossego. Tenho freezer, televisão, rádio, tudo. Só celular não pega.

Não sente falta de ver gente?

Até passeio, fico uns dias fora. Mas não posso ficar muito tempo longe.

Mas por quê? O que lhe preocupa?

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De vez em quando vem visitante aqui. Se não tiver ninguém, quem vai receber?

O que mais impressiona os visitantes?

Antes a história daqui fascinava. Mas hoje em dia existe o ecoturismo. Não querem saber de história, querem ver macaco.

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Onde você aprendeu essas histórias?

Muito foi a dona Glória que me ensinou. E até dez anos atrás muitas pessoas que moraram em Airão Velho ainda estavam vivas, e eu ia atrás delas para perguntar.

Me conte: por que Airão foi abandonada?

Até a década de 1930, era um centro comercial. Com o fim do Ciclo da Borracha, produziram castanha. Mas foi fracassando, fracassando… Nos anos 60, já estava deserta.

E a história das formigas?

Não senhor, não tem nada disso! Foi história de político para mudar a sede do município.

E a Marinha fazia exercícios aqui?

Isso, testavam tiro e míssel. Essa Casa Comercial [maior ruína da cidade] foram eles que derrubaram. Achei muita bala e bomba. Guardo tudo: pedaço de ferro, foto antiga, telha portuguesa, garrafa holandesa, espingarda. Aos poucos, montei um museu.

Não pensa em sair?

Meus dois irmãos em Belém me chamam, mas não é hora. Não quero deixar morrer a história daqui. Se tivesse alguém para ficar…

E se nunca aparecer alguém?

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Aí eu vou. Não quero morrer sozinho, né?

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