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O retorno do Ptero

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 31 mar 1988, 22h00

P. Fragilis

Quando chegou a hora de fazer lançamentos de super interessante no mercado, um delicado problema foi colocado para os especialistas de marketing e da editora abril: quem seria o porta-voz dessas mensagens publicitárias?

Naturalmente, a descartaram se de saída soluções óbvias como a Luiza Brunet ou a Magda Controfe, que não são do nosso ramo. Houve quem pensasse em Pelé, logo descartado, pois esse que está mais para cérebro do que para músculos. Jô Soares, com sua simpatia, vivacidade, bom humor resistiu mais tempo sobre a mesa, mas foi eliminado por um argumento decisivo: Pois, SI é uma revista séria de ciência e cultura, não pode passar uma imagem de piadinhas e brincadeiras.

A solução, literalmente, caiu do céu, e bem a tempo. Recolhido ao seu bucólico refúgio de fins de semana, às voltas com esse e outros graves problemas próprios do seu cargo e (e do seu salário), nosso diretor foi surpreendido, ao cair de noite, pela algazarra de seus filhos. Era mais barulho do que já mereceram a qualquer besouro, sapos, caramujos e até então recolhidos pela petzada – e ele foi ver o que se tratava. Encontrou um animal estranho, desfalecido mas ainda vivo, embaixo de uma bananeira. Como tinha asas, foi imediatamente classificado como ave e recolhido ao galinheiro. Mesmo as crianças puderam perceber que não se tratava de uma galinha – e, para restabelecer a paz, nosso chefe sentenciou: – deve ser um filhote deu urubu. Amanhã veremos melhor.

A manhã trouxe o sol, muita luz e uma missão para nosso diretor: nem tudo que tenha asas é ave. Estava claro que o ser indevidamente recolhido ao galinheiro era de outro mundo – e, já restabelecido por uma noite de sono, apesar do incômodo do aposento que lhe fora destinado, ele falou longamente de sua vida, da família, de seu mundo. E foi durante esse papo descontraído que pintou a idéia de utilizá-lo nas campanhas da SI. Como essas questões que outros mundos, seres extraterrestres, naves misteriosas, sempre causa comoções preferimos fingir que se tratava de uma criação artística, um simples boneco – e devemos reconhecer sua admirável capacidade para fazer e fazer- de-conta. Afinal, não queríamos o SNI, a polícia federal, a Nasa bisbilhotando o nosso trabalho.

Feitos os filmes, os cartazes, todas as fotos, pagamos um cachê combinado (em toneladas de Meibomia afinidis, de que o sítio do diretor é grande produtora) e demos o caso por encerrado. Ele também: bateu orelhas e se foi. Não encontrávamos, então, com a reação do público: desde que chegou às bancas o primeiro número da SI, chovem cartas em nossa redação, pedindo fotos, autógrafos, um pôster com nosso garoto -propaganda. Resistimos até onde foi possível, mas agora entregamos os pontos: através da estação orbital russa Mir com tratamos o nosso alegre monstrinho (assim como os leitores o apelidaram, mas precisamos arranjar ali um nome melhor) e o reintegramos em nossa equipe. Agora com carteira assinada, salário fixo (em cruzados), pis, fundo de garantia e INPS, para trabalhar em tempo integral. Ele não tem diploma nem registro profissional de jornalistas, mas esperamos que os sindicatos reconheçam o caráter extraordinário desse contrato e não criem embaraços burocráticos. Nas páginas seguintes, você verá nosso colaborador em seu gabinete de trabalho, conhecerá sua história, seu mundo, seus hábitos e costumes.

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Ptero por dentro

Com base nas informações que ele próprio forneceu, nosso desenhista mostra aqui a estrutura do empreiteiro certo adultos. Veja que interessante:

Apesar da aparência arrancada, o esqueleto é muito leve, graças a estrutura porosa. Ela é incrustada de compostos de silício, que a tornam muito resistente, apesar de leve.

A estrutura do braço é igual a do antebraço, o que lhe permite o dobro da rotação de uma mão humana. “É um ótimo para abrir torneiras”, explicou ele.

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As aletas na cabeça, possuem uma estrutura óssea e outra cartilagenosa (linha pontilhada). Nos ancestrais do Ptero (veja o quadro) havia três articulações. Com a evolução, o terceiro o osso regrediu, diminuindo sensivelmente o tamanho das aletas.

A ausência quase completa de dentes sugere uma dieta líquida de caldos orgânicos como o plâncton, ou ainda em ervas e frutos macios. O cardápio das tartarugas tem servido esplendidamente e ao Ptero em sua estadia aqui na terra.

A estrutura dos membros inferiores revela que andar não é o forte do Peter. Em seu planeta, de baixa gravidade e a atmosfera densa, à locomoção se faz aos saltos planados. Aqui na terra o máximo que ele consegue é trotar como um pingüim.

Sobreviveu quem tinha cérebro

Seu nome científico é Pterocephalus sapiens interessantis (do grego e ptero, que significa asa, cephalus, cabeça, também do grego), pois ele tenha asas na cabeça o que não é coisa comum. Seu mais longínquo ancestral e é o Pterocephalus fragilis que, a com suas grandes aletas de três articulações, conseguia voar e fazer algumas manobras simples. Com o passar do tempo, essa capacidade foi diminuindo, até que a espécie ficou capaz de executar apenas breves vôos planados, já que a movimentação das aletas exigia músculos fortes na mandíbula. Com o crescimento do cérebro, os músculos responsáveis pelo vôo foram se atrofiando. Pode-se dizer que que a espécie trocou, conscientemente, a capacidade de voar pela capacidade de pensar. Gente esperta, não?

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A análise dos fósseis revelou que a cauda era preênsil, muito útil para quem vivia nas árvores. Mas a perda progressiva da capacidade de voar forçou o Pterocephalus a descer ao chão – então a calda tornou-se um trambolho. Atrapalhava a locomoção, na posição ereta, e acabou desaparecendo completamente. Convem esquecer que, quando o gênero Protopterocephalus desceu das árvores, imediatamente (imediatamente aqui significa alguns milhões de anos) dividiu-se em dois ramos: o Pterocephalus sapiens e o Pterocephalus robustus, já extinto. No P. robustus a regressão das aletas foi muito violenta, o que levou a espécie a uma dieta basicamente carnívo-ra. Isso exigiu força física, garras e grandes maxi-las cheias ae dentes. Naturalmente, essa muscu-latura da boca impediu o desenvolvimento do cérebro.

Menos esperto, o robustus preferiu continuar voando atrás do seu filé. Mas quando o seu plane-ta foi abalroado por um gigantesco meteoro, que os astrônomos chamaram Cruzadus mirabilis, o clima se alterou drasticamente, a oferta de carne caiu a níveis insignificantes e a espécie se danou. Foi exatamente nesse período de crise planetária que o P. fragilis conquistou suas antenas. Na escuridão de um mundo coberto de pó, só com luzinhas na testa se poderia achar a parceira certa para garantir a sobrevivência da espécie.

Como ainda contava com as aletas, o P. fragilis podia cobrir grandes distâncias sem gastar muita energia. Voava centenas de quilômetros, vendo tudo, aprendendo coisas, para mastigar um punha-do de musgo. Quando o planeta se recuperou, milhôes de anos mais tarde, uma nova espécie havia surgido: o Pterocephalus sapiens interessantis.lnteligente, sem cauda, ereto, com asas e antenas luminosas na cabeça que lhe conferem um fantástico poder de comunicação.

Do fundo do baú

Entre tantas revelações, talvez a mais emocionan-te seja essa fotografia que Ptero gentilmente nos cedeu: papai e mamãe Ptero no dia da despedida. Observem-se as diferenças sexuais e alguns costumes da espécie: as aletas de papai Ptero estão reduzidas a tiras, o que é tido como sinal de sabedoria e status; só grandes viajantes podem ostentar tais aletas genuinamente gastas. “Existem aqueles que por meio de cirurgia tentam simular essas características, mas o resultado final é sem-pre questionável·: confidenciou Ptero.

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As feministas podem ficar tranqüilas: assuntos internos do planeta são de competência das fêmeas. Cabem aos machos os assuntos externos.

Observemos agola da vestimenta de mamãe Ptero: nela encontramos quatro bicos que representam os filhos que ela criou (sem ter necessariamente perado); as aletas curvam-se nessa direção tambem como sinal de responsabilidade pelos cidadãos que ela colocou na sociedade. Finalmente, um dos detalhes mais curiosos: as mãos. Entre os Ptero, não ter as mãos pintadas com a violeta do deserto (uma tintura feita com a seiva de uma planta do deserto e que sai da pele em pouco tempo) é sinal de marginalização social.

Explica-se: em tempos imemoriais, a sociedade Pteroestava dispersa pelo planeta escurecido pe-lo efeito estufa; o contato entre os indivíduos era básico para a manutenção da espécie. Como é impossível pintar os lindos desenhos com a mesma qualidade nas duas mãos, é preciso que dois Ptero se encontrem e, pelo menos, pintem-se as mãos. Hoje, o costume é um símbolo de vida em socie-dade, e também um lembrete de que a amizade não é apenas bonita, mas essencial.

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