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Por que algumas pessoas não conseguem parar de mentir?

A resposta não é uma só. A mania de fantasiar não é uma doença, mas faz parte de diagnósticos de vários transtornos psiquiátricos

Por Ana Paula Severiano
Atualizado em 14 Maio 2018, 12h46 - Publicado em 11 Maio 2012, 22h00

Em 2009, a história da advogada Paula Oliveira causou comoção e uma crise diplomática. A brasileira, que trabalhava para uma multinacional na Suíça, dizia ter sido atacada por neonazistas perto de uma estação de trem nos arredores de Zurique. Os dois bebês que ela levava na barriga não resistiram à agressão e Paula, que estava no terceiro mês de gravidez, sofreu um aborto. A maior prova do crime eram as letras do SVP (Partido do Povo da Suíça), de extrema direita, talhadas em seu corpo.

Tudo não passava de fraude. Depois da perícia, a polícia concluiu que ela nunca esteve grávida e que os cortes superficiais em sua pele indicavam autoflagelação. Antes da denúncia, a jovem também teria enviado um ultrassom dos gêmeos aos colegas de trabalho — encontrado na internet. No fim, Paula foi condenada pela Justiça suíça a pagar multa e autorizada a voltar para o Brasil. Seu advogado alegou que ela sofria de lúpus, doença que causaria problemas psicológicos e, por isso, acreditava em tudo o que dizia.

E a mentira compulsiva pode ser uma doença? Em 1891, o alemão Anton Delbrück afirmou que sim depois de examinar uma mulher que ora dizia ser uma princesa romena, ora uma pobre estudante de medicina. Seria a pseudologia fantástica, uma patologia em que o hábito de mentir extrapola limites socialmente aceitos.

Hoje, a psiquiatria não reconhece mais a mentira como um transtorno em si. Porém, combinada com outros sintomas, a mitomania ajuda a diagnosticar uma série de distúrbios (veja abaixo), segundo o professor Charles Dike, do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Yale. Um dos mais surpreendentes é o factício.

Seu portador faz de tudo para parecer que tem alguma doença. E não é que ele queira folgar na sexta ou tente aposentadoria por invalidez. Seu objetivo é exatamente ser tratado como doente. Em casos extremos, a condição vira síndrome de Munchausen.

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Nesse transtorno, a vida do portador se torna uma peregrinação por diferentes médicos — entre 0,5% e 2% de quem vai para hospitais gerais apresenta a síndrome. Ao chegar ao doutor, já vão ter pesquisado tudo sobre a doença que decidiram simular e conseguem ser tão convincentes que muitos chegam à mesa de cirurgia. Se forem descobertos, partem para o próximo hospital.

As estratégias mais simples são fabricar queixas físicas subjetivas — como dores abdominais agudas que não existem — e falsificar sinais objetivos. Vale esquentar o termômetro para parecer que tem febre, ingerir substâncias que alteram a cor da urina, simular convulsões… Mas, nos casos mais graves, ele parte para a indução de sintomas reais: feridas criadas com injeção de saliva na pele, febre causada por injeção de alguma bactéria, e outros sintomas obtidos com medicamentos desnecessários.

De onde vem isso?

No livro Lies! Lies! Lies!, o psiquiatra Charles V. Ford defende que o comportamento do mentiroso patológico está associado à criação em família desestruturada, a abusos na infância e ao uso excessivo de álcool e drogas

Yaling Yang e Adrian Raine, da Universidade da Califórnia do Sul, resolveram olhar não só para o passado, mas também para o cérebro desses mentirosos. Separaram os pacientes em 3 grupos: mentirosos compulsivos; sociopatas que não mentem de forma doentia; e pessoas normais. Depois, examinaram o que havia dentro da cabeça deles com imagens de ressonância magnética. Finalmente, os cientistas concluíram que os mentirosos tinham 22% mais massa branca nas regiões pré-frontais, que governam as tomadas de decisão e julgamento, do que as pessoas normais. Mas a amostragem do estudo, publicado na revista Science, é bastante restrita — 108 voluntários —, e não está claro se os resultados refletem a causa ou o efeito da mentira.

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Fontes: Charles Dike; Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Americana de Psiquiatria

Os distúrbios psiquiátricos que fazem da mentira uma compulsão

BORDERLINES
COMO SÃO? Vão de um extremo a outro muito rápido. Em um dia, são o melhor amigo; no outro, o pior inimigo. O transtorno é mais comum em adolescentes.
POR QUE MENTEM? Buscam ocultar as consequências dos atos de sua identidade instável.

ANTISOCIAIS
COMO SÃO? Não sentem remorso, não internalizam regras sociais ou legais nem zelam pela própria segurança e a dos outros.
POR QUE MENTEM? Assim sentem prazer, tiram vantagem pessoal e também fogem de obrigações.

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HISTRIÔNICOS
COMO SÃO? Precisam estar sempre no centro das atenções. Para isso, usam artimanhas sedutoras. Quando rejeitados, partem para o drama.
POR QUE MENTEM? Isso atrai a atenção dos outros em relatos dramáticos (e inventados).

NARCISISTAS
COMO SÃO? Acham que são superiores e usam de todos os meios para parecer os maiorais.
POR QUE MENTEM? Aumentando suas realizações, os narcisistas garantem a fama, a glória e a admiração que eles acreditam merecer.

Como eles agem?

Quais as estratégias dos mentirosos compulsivos, segundo o professor Charles Dike

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• Contam inverdades escandalosas a respeito de sua vida, do tipo “sou filho do dono da Gol Linhas Aéreas” (conheça o autor dessa e de outras cascatas aqui).

• Suas cascatas são sustentadas por anos e viram um estilo de vida.

• Recompensas materiais não parecem ser sua motivação primordial.

• As mentiras são tecidas em narrativas complexas. “Fui condecorado na Guerra do Vietnã depois de uma batalha na margem leste do rio Mekong, em que havia 347 soldados…”

• Nem sempre os compulsivos planejam suas mentiras – eles costumam agir por impulso.

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