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Por que somos chocólatras?

Os nutrientes do cacau estimulam a produção de endorfina e serotonina – os hormônios do prazer. Entenda como o chocolate pode mexer com você.

Por Alexandre Carvalho dos Santos
Atualizado em 11 mar 2024, 10h33 - Publicado em 24 Maio 2016, 19h30

Copa do Mundo dos Estados Unidos, 1994. Era a primeira vez que Fátima Bernardes acompanhava uma Seleção Brasileira na disputa mais importante do futebol, como enviada especial da Rede Globo. Obrigado a ficar no Brasil, no comando do Jornal Nacional, o então-maridão William Bonner devorou 15 caixas de bombons ao longo dos 43 dias em que os dois estiveram separados. Era ansiedade, saudade, tudo isso, claro. Mas teve algo mais. “Notei, há muito tempo, que a unidade [de chocolate] para mim é a caixa. O pacote todo.”

Quem sofre do mesmo “mal” é a cantora Claudia Leitte. Por conta do calor que faz na Bahia, a artista resolveu comprar uma geladeira só para seus estoques de chocolate – para que não derretam. “Uma vez, comprei dez caixas de Kit-Kat, com 50 barras em cada caixa. Minha intenção era dar de presente para as pessoas. Mas não consegui. Comi tudo sozinha.”

Os depoimentos dos dois famosos estão no livro Chocolate – Por que gostamos tanto?, dos jornalistas cariocas Ana Paula Brasil e André Modenesi, que compila confissões de celebridades chocólatras. São relatos que talvez suavizem a culpa de anônimos que não conseguem passar um dia sem comer chocolate. Afinal, tanto Bonner quanto a cantora são bem-sucedidos e magros – Claudia já esteve mais de uma vez na capa da revista Boa Forma –, o que de certa forma desmente a imagem preconceituosa do gordinho melancólico se enchendo de chocolate enquanto assiste um filme triste na TV. Mas a ciência pode ter outro ponto de vista a respeito.

Um estudo de 2010 da Universidade da Califórnia apontou que as pessoas tendem a comer mais chocolate quando seus sintomas de depressão aumentam. Mil indivíduos saudáveis, que não tomavam nenhuma medicação antidepressiva nem sofriam de doenças cardiovasculares ou diabetes, foram questionados sobre quanto chocolate comiam em uma semana. E então tiveram seu humor medido. O resultado não deixa muita dúvida: aqueles diagnosticados sem depressão nenhuma comiam, em média, cinco porções de chocolate. Os que tinham depressão moderada, oito porções. Já os deprimidos de verdade limpavam o armário de doces: devoravam nada menos que 12 porções em uma semana. “Nosso estudo confirma uma suspeita de longa data: a de que comer chocolate é uma coisa que as pessoas costumam fazer quando estão para baixo”, concluiu Beatrice Golomb, uma das autoras da pesquisa.

Mas vicia?

O fato de deprimidos se atirarem mais em trufas e brigadeiros faz sentido se analisarmos como o chocolate interage com o nosso cérebro. O magnésio e o triptofano, nutrientes presentes no cacau, estimulam o organismo a produzir endorfina e serotonina, neurotransmissores responsáveis pela sensação de bem-estar. E você talvez conheça alguém que diz que só melhora de humor quando come seu chocolate de todo dia.

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Mas será que isso é saudável? Pessoas que só se sentem bem durante o consumo de determinado produto também são identificadas por aí como alcoólatras ou viciadas em crack. Então quer dizer que chocolate vicia, é isso? Depende do chocolate.

Um estudo de 2015 da Universidade de Michigan veio a confirmar uma impressão já compartilhada por grande parte dos especialistas: alimentos industrializados, altamente processados, e por isso mesmo ricos em gordura e açúcares, são capazes de dominar nossas vontades – tanto quanto o álcool e a nicotina. “Identificamos em indivíduos com sintomas de vício em comida, ou com índices maiores de massa corporal, um problema maior de lidar com alimentos muito processados”, afirmou Erica Schulte, principal autora do estudo. “Isso sugere que as pessoas podem ser especialmente sensíveis às propriedades recompensadoras desses alimentos.”

Ela está falando de batata frita, pizza congelada, junk food em geral. Mas também do que a maioria das pessoas entende por chocolate: aquele do tipo “ao leite”, mais popular e acessível, de preferência com o maior nível possível de açúcar. Quiçá recheado. E açúcar, sim, vicia. Os receptores do pó branco na língua têm relação com a produção de endocanabinoides – a mesma substância encontrada na maconha e que nosso corpo produz para disparar a fome. Em 2016, 67% dos brasileiros entre 19 e 59 anos ultrapassam a quantidade ideal de açúcar na dieta. Conforme explica Marcia Kedouk no livro Prato Sujo – Como a indústria manipula os alimentos para viciar você (publicado pela SUPER), em 1930 cada brasileiro consumia uma média de 15 quilos de açúcar por ano. Hoje, são 30 quilos anuais – sendo que a média mundial é de 21. Os chineses só comem 7 quilos. “Boa parte dessa situação alarmante tem a ver com o fato de que comemos várias doses de açúcar sem perceber”, explica a autora.

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Vigilantes do cacau

A boa notícia é que nem todo chocolate é um buraco sem fundo no seu dente de tanto açúcar. Na dúvida, sempre confira a ordem dos ingredientes na embalagem: quem aparece primeiro está em maior quantidade na receita. E chocolate de qualidade superior, muitas vezes, começa mesmo é com a massa de cacau – mais uma vez, estamos falando aqui de chocolate amargo. Quanto maior a quantidade do fruto do cacaueiro no produto, menor é o espaço para o açúcar na composição. E mais saudável é o tira-gosto.

Comer chocolate todo santo dia pode ser coisa de chocólatra, mas, se a quantidade diária for moderada, estamos falando mais de um hábito positivo do que de um comportamento ligado às profundezas do vício – já que chocolate bom, em pequenas proporções, faz bem para a saúde. Já dizia o escritor alemão Johann Goethe: “Quem bebe uma xícara de chocolate resiste a um dia de viagem”.

Chocolate ruim, como comida muito processada, pode viciar. Chocolate bom conquista.

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Ainda assim, tem gente que, independentemente do tipo de chocolate, de estar deprimido ou satisfeito com a vida, de ser gordo ou magro, consome chocolate em quantidades absurdas. Como provam nossos personagens desta matéria: o âncora do Jornal Nacional e a cantora de “Amor de Chocolate”. Nesses casos, o diagnóstico pode ser outro, como explica a nutricionista Vanderli Marchiori, presidente da Associação Paulista de Fitoterapia e especialista em chocolate. “Tive uma paciente que comia todos os dias 500 gramas de chocolate. Cinco barras. Alguém assim não deve ser tratado como viciado em doce, e sim procurar um psiquiatra para saber lidar com um comportamento compulsivo. Esse distúrbio vai aparecer em diversas outras atitudes do cotidiano da pessoa, com trabalho, nos relacionamentos, não só no seu exagero com o chocolate.”

Segundo Marchiori, dificilmente vai haver um grupo de apoio a pessoas viciadas em chocolate, um “chocólatras anônimos”. Justamente porque, diferente das drogas pesadas, o chocolate não faz com que o “dependente” sofra física e psicologicamente com a privação, ou que tenha o comportamento alterado, e até agressivo, por falta de sua dose diária de bombons. “Se a pessoa não deixar de se alimentar com verduras, frutas e legumes, para viver só de chocolate o dia inteiro, deixe ela ser feliz.”

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