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Preguiça

Se você sempre escolhe subir pelo elevador em vez de encarar a escada, esta reportagem é para você. Só não vale dizer que está com preguiça de ler

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 1 fev 2013, 22h00

Marcela Donini

Subir de escada ou de elevador? Caminhar mais até a faixa de segurança ou atravessar a rua em qualquer lugar? Ir à academia hoje ou deixar para amanhã? São inúmeras as situações em que a preguiça não perde a chance de se manifestar. E são diversas também as causas e consequências de uma vida em marcha lenta, de depressão a fadiga.

Mal visto tanto pela Igreja Católica quanto pelo chefe, o preguiçoso se omite de fazer o bem ao próximo ou a si mesmo. É aquele que se nega a trabalhar, segundo o Livro dos Provérbios. Nas palavras do professor de teologia bíblica da PUC-Rio Isidoro Mazzarolo, “O preguiçoso não é solidário nem construtivo, não é outra coisa senão um parasita que espera que os outros façam as coisas por ele”. Diferentemente dos outros pecados, o maior mal que um preguiçoso pode fazer é contra si. Então, por que diabos seria um pecado?

Aos olhos da religião, a recusa em explorar um talento em potencial pode ser condenável. “A preguiça é considerada um pecado porque é a negação do desenvolvimento da pessoa”, diz Mazzarolo. Mas não é uma ode cristã ao santo protetor dos workaholics: o teólogo avisa que a preguiça não pode ser confundida com o lazer. “O descanso é um direito de quem trabalha”, afirma o teólogo.

Claro, porque até Deus descansou no sétimo dia. Mas e quem está sempre inventando desculpa para evitar a fadiga, seja dia útil, seja feriado? “Aquilo que popularmente se chama de preguiça permeia os sintomas da depressão”, afirma o professor do Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP Renério Fráguas Júnior.

Se do confessionário o preguiçoso sai com uma lista de ave-marias a rezar, do consultório quem se queixa de falta de interesse ou energia para diversas tarefas pode levar para casa o diagnóstico de depressão. Segundo o professor, a doença pode se manifestar nos níveis motor, cognitivo ou afetivo. É a preguiça presente na falta de agilidade para trabalhos que exigem esforço físico ou intelectual – como dificuldade de concentração – ou ainda na falta de iniciativa ou de vontade. “É comum ouvir que uma pessoa nessas condições ‘não se ajuda’, ‘não vai atrás’, mas são escolhas que fogem do seu controle. Seu processamento neurobiológico está diferente”, afirma o psiquiatra da USP.

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O professor afirma que a depressão é um conjunto de transtornos, e que hoje é o número de sintomas que determina se uma pessoa sofre do mal ou não e qual o nível da doença. Uma das características pode ser aquela preguiça que não nos deixa sair da cama para nada, seja para ir à academia, seja para uma festa com os amigos.

Para vencer os quadros mais leves, psicoterapia aliada a atividade física é uma alternativa de tratamento. “O exercício provoca a liberação de endorfinas, que atuam no sistema nervoso central, causando sensação de bem-estar e melhora do humor. A melhora da aparência física faz bem à autoestima, e ajuda na disposição e no ânimo”, afirma Fráguas Júnior.

Nos mais graves, fica difícil escapar da medicação. A maioria dos antidepressivos aumenta a concentração de neurotransmissores no cérebro a fim de facilitar a comunicação entre os neurônios. Os mais utilizados atuam na produção de serotonina – cuja baixa presença no organismo é uma das causas da depressão. De acordo com o professor, dos pacientes curados, entre 10% e 30% ainda sofrem com a fadiga, um sintoma residual da depressão. Para atacá-la, é preciso mudar o antidepressivo para outros que estimulem a dopamina e a noradrenalina. Ou seja: antes de julgar o cunhado que passa os dias deitado no sofá, vale sugerir que ele procure ajuda médica – vai que aquela preguiça é mais que simples vagabundagem.

Demônio – Belfegor
A preguiça, segundo pecado carnal, gera desleixo, apatia e negligência. Seu representante é Belfegor, cujos adoradores, segundo a Cabala, têm uma maneira peculiar de homenageá-lo: oferendas de excrementos – imagine se os preguiçosos teriam ânimo de fazer uma coisinha melhor… Antigos estudiosos da demonologia diziam que o poder de Belfegor é maior no mês de abril – portanto não estranhe se a preguiça for maior que o normal.

A desculpa do bicho-preguiça
Você que está aí jogado no sofá, lendo esta matéria e pensando no quão fácil é a vida de um animal que dorme 14 horas por dia e não faz praticamente mais nada além de comer quando está acordado, saiba que esse ritmo é o que ameaça o bicho-preguiça de extinção. As constantes queimadas nas regiões da Floresta Amazônica e Mata Atlântica deixaram o animal muito mais exposto à caça. “Ele é um dos poucos animais que não têm reação de fuga. Enquanto a floresta queima, ele fica ali paradinho. Seu único mecanismo de defesa é a autocamuflagem”, afirma Vera Lúcia de Oliveira, bióloga da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, na Bahia, ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Sua característica movimentação devagar-quase-parando é consequência de seu metabolismo lento. Com dieta de baixa caloria, à base de folhas, a preguiça não tem energia para levar uma vida mais ativa. Já você não tem essa desculpa…

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O mundo é dos preguiçosos (e inteligentes)
Não basta ser preguiçoso para se dar bem. É preciso ser inteligente. Mas não bastaria ser só inteligente? Aparentemente não. Peter Taylor recupera a história do exército prussiano liderado por Helmuth Karl Bernhard Graf von Moltke (1800-1891) para provar que os preguiçosos inteligentes são melhores líderes do que os inteligentes diligentes. Ele tinha um modo muito peculiar de enxergar os perfis entre seus oficiais, algo que pode ser aplicado em qualquer forma de liderança. O militar dividia os combatentes em quatro perfis, de acordo com seus níveis de inteligência e preguiça.

Os inteligentes diligentes se mostravam obsessivos com detalhes, o que pode ser bom para garantir que as coisas funcionem, mas os torna líderes pobres. Já os inteligentes preguiçosos eram apontados por Von Moltke como os melhores líderes. Esses oficiais eram espertos o suficiente para ver o que precisava ser feito, mas, por serem preguiçosos, encontravam a maneira mais fácil para conseguir o que era necessário. “Pensando de uma forma mais positiva, eles saberiam como serem bem-sucedidos com menos esforço”, diz Taylor.

A. Deixe-os quietos
Pode ser que eles apresentem uma grande ideia. Um dia.

B. Promova-os à liderança
Eles saberão aplicar adequadamente os recursos.

C. Mande-os embora
Eles tendem a deixar a organização ocupada com atividades inúteis.

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D. Mantenha-os na posição de staff
Eles cuidarão de todos os detalhes.

 

 

Preguiça gera preguiça
Se a sua preguiça nada tem a ver com depressão, levante da cadeira: quem é sedentário tende a se manter parado – e se mexer cada vez menos

Cabeça
A preguiça é uma espécie de mecanismo de defesa do sedentário. Pensar em uma atividade que demande esforço trará à memória o desconforto que aquela ação causa.

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Coração
Como qualquer músculo, perde pouco a pouco a capacidade funcional. Como consequência, terá de bater mais rápido para enviar o mesmo volume de sangue ao corpo que um coração “atleta”.

Pulmões
A capacidade dos pulmões de atletas é superior à de sedentários. Por isso, a respiração do preguiçoso fica ofegante até em caminhadas curtas.

Músculos
Há encurtamento da capacidade muscular e podem até ocorrer atrofias.

A cura
Não podia ser outra: exercício. Com atividade física, aumenta a presença de mitocôndrias no músculo, responsáveis por produzir energia e garantir melhor desempenho. O coração passa a ser um órgão com melhor competência para bombear sangue e melhora também a capacidade respiratória. Assim, a preguiça vai embora.

 

 

Genes da moleza
Foge da academia como o diabo da cruz? Sua resistência em malhar pode ser mais que uma questão de escolha

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Temos boas notícias para você que só sobe um lance de escada quando falta luz. Talvez a desculpa que tanto procura esteja (bem) dentro de você: nos seus genes. Mais do que uma resposta comportamental, pode haver uma razão genética para sua eterna fuga do esforço.

Essa foi a hipótese de J. Timothy Lightfoot, professor de cinesiologia (ciência que estuda os movimentos) na Texas A&M University, nos Estados Unidos, quando começou a investigar o assunto, em 1998. Mesmo com os benefícios da atividade física para a saúde mais do que conhecidos, o que intrigava o médico era a recusa de algumas pessoas em ter uma rotina de exercícios. Assim, começaram a desconfiar de que incluir a atividade física na rotina poderia ser mais do que uma questão de escolha.

Hoje existem pelo menos 15 estudos que comprovam uma predisposição genética para a falta de ânimo para exercícios físicos, diz Lightfoot. Nenhuma dessas pesquisas mostrou uma influência externa comum sobre os níveis de atividade diária – falta de tempo, dinheiro, disponibilidade, o que reforça a teoria de razões genéticas para a preguiça.

Em uma pesquisa de 2008, Lightfoot e sua equipe observaram, por três semanas, dois grupos de camundongos, considerando aspectos como velocidade e distância percorrida. Ao final, foram mapeados os genes dos ratinhos e identificadas 20 localizações genômicas que influenciaram nos níveis de atividade física do animal. Como 79% dos genes dos ratos são iguais aos nossos, é provável que tenham o mesmo papel em humanos.

Lembra do infográfico da página 37 que fala nas mitocôndrias, responsáveis por produzirem energia para o músculo e originadas a partir do exercício físico? Um estudo de 2011 da McMaster University, no Canadá, revelou que a chave da regulação das mitocôndrias está na enzima AMPK, ligada quando a pessoa se exercita. A descoberta, liderada pelo professor Gregory Steinberg, foi feita a partir de uma experiência em camundongos na qual foram removidos do músculo principal do exercício dois genes que controlam a proteína. Resultado: os ratos sem os genes corriam bem menos do que seus irmãos saudáveis.

Dificilmente um humano nasceria sem esses genes, afirma Steinberg. O que o estudo indica é a dificuldade em começar uma atividade física por quem tem uma baixa produção de mitocôndrias. “Acreditamos que, com a inatividade crônica e obesidade, comuns atualmente, a quantidade de AMPK ativas no músculo cai paulatinamente”, afirma. O estudo corrobora a tese de que é mais difícil voltar para a academia depois de muito tempo parado.

Mas não esteja tão otimista com a possibilidade de usar a genética como pretexto para a preguiça. Lightfoot diz que predisposição não é o mesmo que predestinação, e as pessoas são capazes de driblar inclinações genéticas. Ou seja, parece que não há religião nem genética que perdoe uma vida mole.

Hora de dormir
Você nunca entendeu por que tem gente que acorda cedo mesmo no fim de semana, quando não tem compromisso? A resposta também pode estar entre os genes humanos.

Independentemente da rotina, as pessoas têm horários de dormir diferentes. Também varia a quantidade de horas que satisfaz cada um. “Há os dormidores mais curtos, que ficam bem com menos tempo de sono. Outros precisam de uma quantidade maior. Isso é determinado geneticamente. Quando não é respeitado, por questões de ordem social, por exemplo, o indivíduo fica mais sonolento – o que pode ser confundido com preguiça”, diz a neurologista e médica do sono Anna Karla Smith.

O famoso relógio biológico – que fica no hipotálamo – é regulado por genes, mas, de acordo com Anna Karla, ainda não foi possível localizar exatamente que cromossomo responde por esse controle. Essa engrenagem interna também está suscetível a outros estímulos. O principal é a luz do ambiente: o escurinho estimula a produção de melatonina, responsável por nos induzir ao sono.

Se você faz cara feia para todo compromisso marcado no primeiro horário da manhã, pode ter o gene da vespertilidade – que, lamentamos informar, ainda não é socialmente aceito como desculpa para se atrasar para o trabalho. Se não for possível adequar sua rotina à sua predisposição genética, é preciso se adaptar ao estilo de um matutino. O que, segundo a médica Anna Karla, é possível. “Tentar acordar mais cedo, aos poucos, é uma alternativa”, diz. Ou seja, uma passadinha na academia antes de começar o expediente pode ser o remédio para começar a mudar de estilo de vida. Para vencer a preguiça, é preciso se mexer.

Não é preguiça, é eficiência
Se você tem um desafio, escolha o preguiçoso para resolvê-lo – ele vai encontrar um meio rápido e fácil

Imagine-se gestor de uma equipe em uma empresa de telemarketing. Ou em um supermercado, não importa. A questão é que você tem a missão de escolher qual dos funcionários vai executar a tarefa mais difícil do planejamento do mês. Vamos começar eliminando os menos capazes. Quem seria o primeiro profissional a ter seu nome riscado da lista? Se você pensou no preguiçoso, perdeu a chance de encontrar um jeito mais fácil de executar tal missão.

Assim pensava Walter Chrysler, fundador da fabricante de automóveis americana que leva seu sobrenome. “Sempre que há um trabalho difícil para ser feito, eu o atribuo a um homem preguiçoso; ele certamente achará um jeito mais fácil de fazê-lo.” A citação atribuída a Chrysler está no livro The Lazy Project Manager (O Gestor de Projetos Preguiçoso, sem edição em português), do britânico Peter Taylor, que aposta na capacidade de aplicar a lei do menor esforço do profissional preguiçoso.

Já na abertura da obra, o autor faz questão de deixar claro que a preguiça produtiva à qual ele se refere não é sinônimo de ficar sem fazer nada ou se sentar à volta de uma mesa para saborear um café, enquanto se esgotam os prazos das suas tarefas. Apesar do título do livro sugerir um guia para os malandros no trabalho, o propósito é ensinar as pessoas a focar no que importa, fazer mais com menos esforço. Para isso, ele se vale de raciocínios e histórias reais – e até de uma animação da Disney. Ok, ele tem seus créditos – Taylor já trabalhou na IBM e na Siemens, como gestor de projetos, e está na área há 26 anos. “No final de um grande projeto, que durou três anos, percebi que a forma com que isso tinha consumido finais de semana e noites e o estresse que tinha me dado eram insustentáveis”, afirma. A partir daí, Taylor começou a tentar reduzir os níveis de esforço no trabalho.

No livro, o autor explica que a ciência do que ele chama de a arte da preguiça está fundamentada no Princípio de Pareto (ou a Regra dos 80 por 20), segundo o qual 80% das consequências resultam de 20% das causas. E isso pode ser aplicado a diversas situações. De acordo com essa regra, você usaria 20% das suas roupas preferidas em 80% do seu tempo – aquele monte de peças esquecidas no fundo do armário confirma a tese, certo? Ou ainda: 20% dos clientes de um estabelecimento podem ser responsáveis por 80% do montante das vendas – e isso pode ser útil na tomada de decisões futuras, diz Taylor.

O princípio foi sugerido pelo consultor de negócios Joseph M. Juran e levou o nome do economista italiano Vilfredo Pareto após ele ter observado que 80% da propriedade na Itália estava nas mãos de 20% da população. Isso quer dizer que a maioria dos resultados, de qualquer natureza, seria determinada por um pequeno número de causas. Taylor sugere que os indivíduos identifiquem esses 20% e não percam tempo com o restante. Focar no que realmente importa, como dizem os livros de autoajuda, parece fazer mesmo sentido.

 

Para saber mais
The Lazy Project Manager
www.thelazyprojectmanager.com (em inglês)

The Art of Laziness
Peter Taylor, Infinite Ideal, 2011

 

 

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