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Vou estar defendendo o uso do gerúndio

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 28 fev 2005, 22h00

John Robert Schmitz*

“A gerência vai estar transferindo 3 mil reais de sua conta.” Quem falar ou escrever uma frase assim atualmente corre o risco de ser ridicularizado. Culpa do gerúndio (e de sua junção com os verbos ir e estar), tachado de “assassino” do idioma por alguns gramáticos e formadores de opinião da mídia. Esse gerúndio é vítima da irritação dos usuários com seus maiores divulgadores, os operadores de telemarketing, que nos obrigam a sofrer para ter acesso telefônico a serviços de empresas. Mas será que o equívoco nesse processo é justamente o uso do gerúndio? Seria o gerúndio um erro gramatical da mesma ordem de falhas como “eu dispor” em vez de “se eu dispuser” ou “interviu” em vez de “interveio”. E afinal de contas, o que é que o gerúndio está “assassinando”?

Para desprestigiá-lo, um observador afirmou que o gerúndio é uma firula desnecessária, um drible a mais na comunicação. Dizem, por exemplo, que “estar cuidando” tem o mesmo sentido que “cuidar”. Mas todos nós temos o direito de usar ou não usar certa palavra, expressão ou locução. Qualquer idioma serve às intenções comunicativas dos seus falantes. Um determinado usuário pode dizer “vamos estar cuidando do seu caso” quando tem interesse em expressar continuidade, cordialidade ou polidez ao passo que outro falante pode desejar ir direto ao ponto, recorrendo à forma simples: “Vamos cuidar do seu caso” – que caracteriza um tratamento mais descomprometido ou “seco”.

Outros falantes alegam que “vai estar transferindo” significa que repetidas transferências de dinheiro serão feitas pela agência bancária. É uma interpretação pessoal, que nada tem a ver com as regras da gramática. Além disso, qualquer cliente sabe que os bancos cuidam bem de suas contas e nunca vão esbanjar dinheiro fazendo transferências à toa. Ainda mais levando-se em conta a voracidade da CPMF.

A campanha contra o gerúndio, creio, é fruto de preconceito lingüistico sem embasamento numa pesquisa de campo entre os diferentes tipos de usuários de português em diferentes contextos. Pergunto por que os desafetos do gerúndio condenam a frase “Ele vai estar chegando na parte da tarde” quando os mesmos aceitam tranqüilamente a presença dos verbos modais: “Ele pode estar chegando, ele deve estar chegando, ele tem de estar chegando na parte da tarde”?

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Subjacente à polêmica em torno da campanha de “cassação” do gerúndio, existe uma vontade geral de colocar o idioma numa redoma e não reconhecer que ele muda ao longo do tempo. O português da época de José de Alencar é diferente do português contemporâneo. Todas as línguas vivas inovam graças à criatividade dos seus usuários. Alguns críticos, com o intuito de proteger e manter o idioma estável, implicam com novos verbos, como “disponibilizar”, novos substantivos como “descatracalização”, novos adjetivos como “imexível” e “descuecado” ou até com estrangeirismos (sem equivalentes em português) como “dumping” e “ombudsman”.

Para tentar banir o gerúndio do idioma, alguns observadores questionam as credenciais do mesmo e sugerem que ir+estar+verbo no gerúndio é resultado da invasão sintática do inglês. Essa crença não procede porque, em primeiro lugar, os falantes em questão nem sempre dominam o inglês o suficiente para o idioma estrangeiro interferir no português. Em segundo lugar, o português brasileiro apresenta uma variedade de gerúndios – e o inglês não. Alguns exemplos: “Olha, está querendo chover!”, “Não estou podendo tirar férias agora”. Cabe observar também que os idiomas francês e alemão não têm gerúndios. É a presença no idioma de uma sentença como: “O plantonista está atendendo amanhã na parte da tarde” que serve como “ponte” para a realização de: “O plantonista vai estar atendendo amanhã na parte da tarde”. Na verdade, ao lado de formações como o infinitivo conjugado (“para comprarmos”), a mesóclise (“dir-se-á”) e o futuro do subjuntivo (“se ele der”), a presença de gerúndios contribui para diferenciar o português de todas as outras línguas. É como Zeca Pagodinho e caipirinha; só o Brasil tem.

*Nasceu nos Estados Unidos e tem 69 anos – 35 deles vividos no Brasil. É integrante, e ex-chefe, do Departamento de lingüística Aplicada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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