Explosão demográfica e urbanização: inflação humana
Existe gente demais no mundo? Ou o que há é gente demais nas cidades? De toda forma, a superpopulação agride a Terra, inferniza a vida e gera um problema tamanho família.
Aconteceu tudo em tempo recorde. Num abrir e fechar de olhos, a contar no relógio da História da espécie, ou numa fração infinitesimal disso, no calendário da História do planeta, o homem disse adeus a um modo de vida que inventara há uns 10 mil anos, quando pela primeira vez plantou uma semente, e escolheu crescer e multiplicar-se em aglomerações de pedra e cal – as cidades, um mundo de maravilhas, mas também um mundo literalmente à parte da natureza desta Terra. A vertiginosa rapidez da mudança é, de fato, de tirar a respiração – e esse ritmo, por sinal, tem muito a ver com as mazelas que a própria mudança engendrou.
Há apenas 89 anos, quando estava para começar um novo século, nove em cada dez homens, mulheres e crianças, que somavam uma população global de 1,65 bilhão de seres, ainda viviam no campo. Pois daqui a onze anos, quando estiver para começar um novo milênio, pouco menos da metade dos estimados 6 bilhões de pessoas habitará cidades. E desses quase 3 bilhões de citadinos nada menos de 485 milhões, ou seja, numa proporção de três para vinte, se apertarão em meia centena de metrópoles e megametrópoles de 5 milhões de habitantes para cima cada uma. Nesse período, por exemplo, São Paulo terá deixado de ser uma acanhada cidade de 240 mil almas (em 1900) para ascender à condição de segundo maior centro urbano do planeta, com 24 milhões de habitantes, o que representa um crescimento de colossais 9.900 por cento. E São Paulo é só um entre dezenas de casos de igual porte.
Dificilmente se encontrará metamorfose comparável a tamanha irrupção em qualquer outro capítulo da acidentada aventura do homem. Os números não são apenas espantosos. Constituem o caroço de uma realidade cada vez mais difícil de digerir. Servem para desenhar os contornos de um labirinto aparentemente sem saída ou sem saída até onde a vista alcança. Porque a crise da superpopulação humana e do congestionamento urbano já não se pesa na balança ingênua dos bons velhos tempos em que se lotava um dos pratos com pessoas enquanto se polvilhava o outro com grãos para, ao fim e ao cabo, provar judiciosamente que a oferta de comida, em escala planetária, não conseguiria crescer tanto e tão depressa como o número de bocas famintas. O buraco agora é mais profundo.
É claro que gente demais costuma andar de braço dado com alimento de menos – e aí estão largas fatias da Ásia e da África para provar que essa antiga verdade ainda sobrevive. Mas na dança macabra da pobreza com a proliferação humana nem sempre se enxerga com nitidez quem guia quem, sendo legítimo afirmar que as pessoas têm mais filhos porque são pobres (e portanto precisam mais braços para a lavoura, por assim dizer) e não que se tornaram pobres por terem tido mais filhos – sempre supondo, naturalmente, que se não quisessem tê-los saberiam como evitá-los. O problema em todo caso é outro: quando os demógrafos começaram a falar em explosão demográfica, a produção mundial de proteínas realmente perdia a corrida para a produção mundial de bebês e muita gente jurava que iria ser assim até o fim dos tempos. A ciência, porém, deu conta dessa profecia.
A revolução agrícola iniciada nos anos 60 e a revolução da engenharia genética que já desponta devem afugentar o fantasma da escassez alimentar, ficando por resolver a engenharia social da distribuição da fartura. Vista pelos inquietos olhos deste final de século, a questão populacional tem duas outras carrancas. A primeira assombra as combalidas relações do homem com a natureza. A segunda, as relações entre os próprios homens. Num caso, são os ecologistas que ficam de cabelo em pé. “A proliferação humana é a maior ameaça ao ambiente do planeta”, denuncia o biólogo americano Paul Ehrlich, da Universidade de Stanford, Califórnia, autor do best-seller The population bomb, ainda não editado no Brasil.
No outro caso, quem se atormenta são os urbanistas, sociólogos e demais estudiosos da conduta humana. Não importa apenas saber quantos homens a Terra pode alimentar, mas a partir de qual densidade os homens começarão a se odiar uns aos outros”, alertou certa vez o etólogo austríaco Konrad Lorentz, Prêmio Nobel de Medicina de 1973, morto em fevereiro último. Ele pensava na inevitável deterioração da qualidade de vida e do convívio entre as pessoas, obrigadas a pelejar às cotoveladas pelos seus direitos de cidadania em ajuntamentos urbanos cada vez mais inchados, onde as asperezas do dia-a-dia cobram de todos e de cada um pesados tributos emocionais, pagos geralmente na moeda da violência.
Na vertente ecológica, o aumento acelerado da população mundial – que simplesmente dobrou de 2,5 bilhões para os atuais 5 bilhões em menos de quarenta anos – é apontado como principal responsável pelos desastres acumulados que ameaçam a vida na Terra, desde o efeito estufa até a extinção em escala sem precedentes de espécies animais e vegetais,do buraco na camada de ozônio ao esgotamento dos solos e de recursos minerais. Para o biólogo Paul Ehrlich, a vítima preferencial da superpopulação são os ecossistemas -o conjunto de formas de vida e de processos naturais em equilíbrio dinâmico que tornam o mundo habitável. Os serviços que tais ecossistemas oferecem à humanidade são literalmente vitais”, ensina ele.
Um desses serviços, ameaçados não só pelo aumento físico das populações como também pelas condições em que se dá a expansão da presença humana na Terra, é o que determina a qualidade da mistura de gases na atmosfera. Como se sabe, a respiração de animais e plantas consiste numa ciranda de oxigênio e dióxido de carbono. Este é usado pelas algas e plantas verdes terrestres para fixar a luz solar no processo da fotossíntese, da qual um subproduto é o oxigênio.Também se sabe que a queima de combustíveis fósseis, como carvão e petróleo, e o desmatamento por atacado desequilibram aquele jogo da vida, ao aumentar a quantidade de dióxido de carbono no ar. Pois bem. Recente pesquisa conduzida por cientistas americanos mostrou que existe uma íntima relação entre a concentração de gás carbônico na atmosfera e o crescimento populacional.
Trabalhando com medições de dióxido de carbono de um lado e de índices de expansão demográfica de outro, ao longo de um período de 26 anos; encerrado em 1983, os pesquisadoras verificaram estatisticamente o parentesco muito próximo entre as duas séries de dados. Ou seja, o ritmo do aumento da concentração do gás segue rigorosamente o ritmo do aumento da população mundial. Outro efeito potencialmente maligno da proliferação humana atinge aquilo que os cientistas chamam “produtividade da rede primária” – a energia total obtida do Sol por algas, plantas e bactérias (a fonte básica de alimento para os animais) menos o que elas próprias gastam para sobreviver.
Pois bem de novo: calcula-se que a espécie humana – uma entre milhões de formas de vida na face da Terra – se apropria de aproximadamente 40 por cento do potencial da produtividade do conjunto dos ecossistemas. As eventuais conseqüências de tamanha voracidade daqui a uns quarenta anos, quando as projeções indicam que haverá duas vezes mais gente do que hoje no mundo, é matéria aberta à especulação. Mas não é difícil imaginar, por exemplo, os efeitos ambientais da expansão em marcha batida das atividades agrícolas. Porque, por mais que a tecnologia faça aumentar a produtividade por unidade de terreno cultivado, o alargamento das fronteiras agrícolas em escala mundial será indispensável para que a humanidade tenha o que comer – pelo menos conforme os nem sempre satisfatórios padrões atuais.
Isso significa que extensões florestais essenciais à delicada contracorrente que torna suportável o clima na Terra terão de ser convertidas em plantações ou pastos. O uso cada vez mais intensivo do solo, por outro lado, irá requerer doses também maiores de fertilizantes sintéticos, o que deve modificar dramaticamente a química das terras da Terra. A água potável, outro recurso natural não renovável, tampouco fica imune à superpopulação. Mais gente, logicamente, usa mais água – e a velocidade do crescimento do consumo já é maior que o tempo necessário à recuperação dos mananciais.
Essa dor de cabeça que o homem está vertendo tem tudo a ver com a explosão das cidades. O aumento avassalador das áreas urbanizadas se traduz em novas ruas, avenidas, estradas asfaltadas. Tudo isso acaba por impermeabilizar o solo, impedindo que os lençóis subterrâneos sejam realimentados pelas águas das chuvas. Resultado: a cidade precisa capturar mananciais cada vez mais distantes, o que, entre outras conseqüências, irá pesar no bolso do consumidor. E dê-se ele por feliz se o seu dinheiro pelo menos servir para comprar confortos essenciais, como água à vontade. Pois tal qual os demais serviços urbanos afogados em gente, o abastecimento de água e esgoto tende a piorar no futuro.
Hoje, na maior cidade brasileira e terceira maior cidade do mundo, São Paulo, com seus 16 milhões de habitantes, cerca de 550 mil pessoas todo dia deixam de receber água. As autoridades explicam que o sistema não consegue acompanhar o ritmo com que novos conjuntos habitacionais brotam da noite para o dia nas quebradas da inflada periferia. Esse é apenas um exemplo, uma entre tantas contas que formam o colar de aborrecimentos da supercidade atual. Existem aí dois paradoxos: a metrópole passa mal porque deu certo e corre o risco de ficar pior sempre que melhora.
Com efeito, poucos experimentos humanos se revelaram tão bem-sucedidos como a grande cidade – provavelmente a mais vistosa criatura da civilização industrial-capitalista que aflorou no século passado. Foi em lugares como Londres, Paris, Berlim e Nova York que tomou forma e substância a explosão do engenho humano, que produziu a nunca por demais louvada moderna cultura ocidental – nas artes e no comportamento, na ciência e na tecnologia, na política .e na organização da sociedade. Acima de tudo, a vida urbana proporcionou ao homem o prêmio maior da liberdade. Mesmo ao mais ácido e competente crítico do mundo burguês há cem anos, o filósofo alemão Karl Marx, não escapou o fato de que o modo de vida engendrado pela metrópole capitalista libertou o homem do fardo da “idiotia rural”, como ele afirmava.
Para dar um salto no tempo e alcançar um só exemplo: a revolução na conduta individual das últimas três décadas é simplesmente impensável dissociada das pulsações da cidade grande. Nada mais natural, portanto, que de um continente para outro, através dos oceanos, ou dentro de um mesmo país, ao longo de estradas poeirentas, todos os caminhos conduzissem o homem das esquálidas aldeias do passado ao reino da esperança encarnada na ruidosa agitação urbana. A busca da cidade foi responsável até bem pouco pelos maiores movimentos migratórios da crônica humana – e a partir daí, com variações determinadas pela História, a Geografia e a Economia, a cidade começou a não mais dar conta do recado.
Não tardou que os administradores percebessem que estavam acorrentados a um círculo de ferro. Pois quanto mais investissem na melhora do conjunto de bens e serviços urbanos, mais depressa essa melhora seria tragada por uma overdose de uso. É simples: para desafogar o trânsito, por exemplo, gastam-se caminhões de dinheiro na abertura de novas vias, que justamente por tornarem mais fácil a circulação tendem a atrair um número maior de veículos – e o tráfego volta a empacar. Guardadas as proporções, o mesmo se aplica a tudo de bom e necessário que a cidade tem a oferecer, sobretudo às populações mais pobres – o conjunto de conveniências que foi exatamente o chamariz para legiões de migrantes. As conseqüências desse interminável inchaço da demanda não há citadino que não as conheça na pele.
De todas as doenças que acometem a metrópole, nenhum sintoma parece tão desconfortável como o sufoco no trânsito que asfixia o cotidiano de ricos e pobres e para o qual não há medicamento eficaz à vista em parte alguma – a menos que se adotassem cirurgias sociais tão severas que atropelariam o sagrado direito de ir e vir. Mesmo sem ousar tanto, a tendência é restringir cada vez mais o uso do automóvel particular, seja pelo fechamento puro e simples – de áreas crescentes ao carro de passeio, seja mediante a cobrança de pedágios extorsivos pelo acesso ao centro, por exemplo. Pode ser pouco, mas é imprescindível: mesmo sem isso não há cidade grande capaz de permitir que toda a sua frota saia à rua ao mesmo tempo; e ainda que um bom número de carros permaneça sempre quieto nas garagens, a regra é a hora do rush virtualmente imobilizar um número maior de ruas durante períodos cada vez mais longos.
Os resultados são previsíveis: numa capital como Paris, em cuja área metropolitana vivem 8 milhões de pessoas e em cujas ruas rodam todo dia 1,3 milhão de carros, a velocidade média de deslocamento nos períodos de pico não chega a 13 quilômetros por hora – uma toada que deve acometer muitos parisienses de nostalgia do tempo das carruagens puxadas por garbosos cavalos – que, além de tudo, não enchiam o ar de monóxido de carbono. Considerado o problema do estrangulamento urbano em dimensão mundial, o dado mais inquietante é empobrecimento – em todos os sentidos – da metrópole. A grande cidade está se tornando, em primeiro lugar.uma grande cidade pobre. A regra atual, ao que todos os números indicam, é a ascensão das sofridas metrópoles do Terceiro Mundo ao ranking das cidades mais povoadas do planeta.
Em 1970, por exemplo, pertenciam ao time dos pobres apenas cinco das doze urbes mais povoadas; em 1985 tornaram-se oito; e no ano 2000 deverão ser dez, lideradas pela inabitável Cidade do México, com seus 25,8 milhões de moradores previstos, ficando apenas Tóquio (20,2 milhões) e Nova York (10,8 milhões) para fazer as honras da casa em nome do Primeiro Mundo. Ou, por outra: em 1914, para cada habitante do hemisfério norte havia outro no sul. No ano passado.para cada nortista já havia três do lado de cá do equador. E no ano 2008 a proporção será de um para seis. A primeira lição desses números está em que o que ainda passa por qualidade de vida em tais ajuntamentos tende a piorar à medida que for encolhendo a receita por habitante à disposição dos governos, pela simples razão de que quanto mais pobre a população, menor o valor dos impostos arrecadados.menor portanto a possibilidade de investimentos públicos capazes de melhorar a vida dessa mesma população.
Onde foi que homem errou, ao ocupar tanto e de forma tão desigual a superfície do planeta? Eis uma questão sujeita a chuvas e trovoadas, para a qual os especialistas oferecem as mais disparatadas explicações.muitas vezes em função das idéias políticas de cada um. Os conservadores, por exemplo, dirão que a culpa é dos pobres, sempre tão férteis e tão imprevidentes. Os progressistas acusarão as injustiças na distribuição da renda, tanto dentro de cada país como entre os países. Para além dessas simplificações, no entanto, pode-se dizer com alguma margem de confiança que tudo começou com os avanços da Medicina.
De fato, como resultado da revolução científica do século passado, não só os adultos começaram a morrer mais tarde como a mortalidade infantil iniciou uma queda sem volta. Assim, a população mundial cresceu 70 por cento entre 1800 e 1900, e outros 50 por cento entre 1900 e 1950. Na década de 60, a espécie humana multiplicava-se alegremente ao ritmo de pouco mais de 2 por cento ao ano. Parece nada, mas é uma explosão: uma taxa de crescimento anual da ordem de 2,5 por cento significa dobrar a população em menos de trinta anos. Isso exige, apenas para manter o padrão de vida da geração anterior, dobrar também toda a malha de bens e serviços à disposição dessa massa humana – desde o número de casas ao de vagas nas escolas, desde a produtividade agrícola à capacidade do sistema de transportes. Haja dinheiro.
Pois enquanto isso, na mesma década de 60, a taxa de crescimento da população brasileira roçava os 3 por cento – passando de 5 nas cidades (quase 6 por cento em São Paulo). Na verdade, a explosão demográfica há muito que não se propagava por igual no mundo. No hemisfério norte laico e moderno, a pílula anticoncepcional recém-inventada mantinha a demografia sob controle, havendo países, como a França e a Alemanha, onde a população até diminuía ligeiramente, descontados os contingentes de imigrantes africanos, turcos, portugueses e iugoslavos. Mas o Brasil e outras nações ao sul do equador passaram a conhecer o que os cientistas chamam transição demográfica – e que em bom português significa o pior dos dois mundos.
Pois, de um lado, o padrão material de vida melhorou, prolongando a existência dos velhos e encurtando as estatísticas de mortalidade das crianças; de outro lado, porém, nessa etapa os padrões de comportamento ainda permaneciam em larga medida tradicionais, incluindo-se aí arraigadas resistências culturais ao planejamento familiar. Isso, mais as migrações internas, explica o fantástico crescimento das cidades maiores. A década de 80 encaminha-se para o fim registrando que o Homo sapiens cresce à razão de 1,7 por cento no mundo. Os demógrafos, porém, não estão soltando rojões. A queda em relação aos anos 60 reflete, segundo eles, apenas a continuação da curva embicada para baixo da natalidade nos países ricos – somada aos efeitos do feroz programa de controle da natalidade adotado na China (1,1 bilhão de habitantes), sob o lema “uma família, um filho”.
No conjunto dos países pobres, suspiram os demógrafos, a situação não mudou muito. Os africanos, por exemplo, crescem ao ritmo de 2,9 por cento ao ano. Não espanta, por isso, que na virada do século a empoeirada Kinshasa, capital do Zaire, deva ter 5 milhões e Lagos, na Nigéria, mais de 8. Sem falar no Cairo, no Egito, com 11 milhões. Com tanta gente no pedaço urbano mais pobre do globo, a aritmética apronta uma crueldade: mesmo que despenquem as porcentagens de crescimento demográfico (o que ainda não aconteceu), em números absolutos a população das cidades continuará a galopar. E, como diz o ambientalista americano Paul Ehrlich, “os ecossistemas respondem ao impacto de gente, não de taxas”. Os ecossistemas e tudo mais, diga-se.
Pelo menos uma convicção os demógrafos tendem a ter em comum: a chave para o controle populacional nos países chamados em desenvolvimento é a melhora da condição social das mulheres. E nesse ponto os especialistas dizem enxergar uma luz no fim do túnel no caso brasileiro. “A taxa de fecundidade da mulher no Brasil vem diminuindo desde 1965”, informa a demógrafa paulista Neide Patarra, da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados). Ela se refere à relação declinante do total de filhos nascidos no país e o total de mulheres em idade reprodutiva, de 15 a 50 anos. “Hoje, 70 por cento das brasileiras em idade fértil usam anticoncepcionais”, contabiliza. De seu lado, o sociólogo Vilmar Faria, da Universidade de São Paulo, autor de pesquisas sobre o assunto, acredita que quatro fatores contribuíram indiretamente para isso.
Seriam eles: o crédito direto ao consumidor (que ampliou a compra de bens domésticos em detrimento dos gastos relacionados à reprodução da família); a melhora na Previdência (que amenizou a necessidade de ter muitos filhos para sustentar os pais na velhice); o acesso mais fácil aos serviços de saúde (com o mesmo resultado); e, enfim, o desenvolvimento dos meios de informação (que modernizaram os costumes). “As famílias pobres estão tendo menos filhos”, concorda o urbanista Jorge Wilheim, secretário do Meio Ambiente em São Paulo.Com não pouco otimismo. ele aposta que “a perspectiva da grande cidade brasileira não é o cataclismo, mas a estabilização”.
De novo é o problema dos índices e dos números absolutos. Pois, ainda que a taxa de crescimento da população paulistana congele em 2,3 por cento no ano 2000, como se prevê,contra 3,4 por cento hoje, bastarão 34 anos para que essa população simplesmente duplique. E o Brasil, então, sétimo país mais populoso do mundo,terá de prover pão e bem-estar para 245 milhões de cidadãos. Um século e meio antes de Cristo, numa cidade grega chamada Megalópolis, que apesar do nome não tinha mais de 6 mil habitantes, vivia um historiador chamado Políbio, a quem muito preocupava o pouco entusiasmo de seus patrícios em gerar descendentes. “Vai ser um suicídio coletivo”, costumava advertir. Talvez o velho Políbio não tivesse outro comentário a fazer se conhecesse as estatísticas da proliferação humana às portas do século XXI.
Para saber mais:
A bomba relógio da superpopulação
(SUPER número 5, ano 7)
Megametrópoles do ano 2000.
Na virada do século, 485 milhões de pessoas estarão vivendo em cidades com 5 milhões de habitantes ou mais.
Acompanhando o sentido do aumento das populações, o inchaço das cidades atinge principalmente os países mais pobres. Prova disso é que, no ano 2000, das 48 metrópoles de 5 milhões de habitantes para cima, 36 estarão localizadas no Terceiro Mundo – e, destas 21 na Ásia. Entre as regiões menos desenvolvidas, porém, a América Latina lidera a urbanização: em 1985, sete em cada dez latino-americanos já moravam em cidades. Na virada do século, serão praticamente oito em dez.
A dança das cidades
De meados do século passado até o fim da Segunda Guerra Mundial, a cidade grande era tipicamente uma expressão dos grandes países – basta pensar em Londres, Paris, Nova York, Berlim. Desde então, nas metrópoles mais ricas, a população tendeu a estabilizar-se, quando não diminuiu efetivamente – com a notável exceção de Tóquio. Enquanto isso, a explosão das megacidades arrasa o Terceiro Mundo e subverte o ranking das maiores concentrações urbanas do planeta. Em 1970, por exemplo, Calcutá, na Índia, nem ao menos figurava entre as doze mais do mundo, então lideradas por Nova York. Em 1985, já com Tóquio na cabeça, Calcutá tinha massa humana suficiente para colocar-se em sexto lugar. No ano 2000, quando a Cidade do México for o maior ajuntamento urbano da Terra, Calcutá estará no quarto posto. São Paulo conhece bem este filme: de décima maior em 1970 saltou para terceira em quinze anos e deve subir mais um degrau até o ano 2000. Essas cidades sediam as chamadas “nações de miséria”. Segundo o economista Carlos Lessa, da Unicamp pertencem a tais nações três em cada dez habitantes do Brasil urbano.
Explosão na Terra
No século passado, a humanidade cresceu algo como 70 por cento. Neste, os números da demografia rebentam as costuras: até o ano 2000 a espécie humana terá aumentado cerca de 270 por cento em relação a 1900. Todo dia, 220 mil bebês vêm ao mundo. Apesar disso, o ritmo de crescimento da população mundial está diminuindo, sobretudo por causado planejamento familiar voluntário, adotado como regra geral nos países mais ricos. Também pesa nessa conta, porém, a severíssima política de controle da natalidade imposta pelo governo da China, às voltas com seu mais de 1 bilhão de cidadãos,onde a meta oficial é “uma família,um filho”. Isso permite prever que no início do século XXI a humanidade estará crescendo à razão de 1,4 por cento ao ano, contra 1,7 por cento hoje em dia. No entanto, há quem receie que essa tendência venha a ser detida nos países modernos por uma espécie de contra-revolução dos costumes resultante da epidemia da AIDS; com a monogamia de novo em alta, as pessoas passariam a casar mais cedo, a ficar casadas mais tempo com o mesmo cônjuge – e a ter mais filhos que o planejado.
Estouro no Brasil
Tendo se multiplicado por cinco no século passado, a população brasileira deverá ter crescido outras dez vezes quando o calendário marcar o início do século XXI – um estouro por qualquer lado que se olhe os números. Mas podia ser pior. Em 1974 o IBGE concluía de suas projeções que no ano 2000 o Brasil teria 200 milhões de habitantes. As estimativas mais recentes, porém, indicam uma população vizinha dos 180 milhões, havendo até quem desenhe um total otimista de 170 milhões. Num país onde os governos sempre resistiram à idéia de patrocinar ativamente políticas de planejamento familiar, a desaceleração das taxas demográficas mostra o efeito de uma série de mudanças na economia, na sociedade, nos costumes: calcula-se que sete em dez brasileiras em idade fértil usam anticoncepcionais. Não raro, a queda dos índices de natalidade reflete também situações de patologia, nos abonos e esterilizações nem sempre consentidas. O Brasil, de todo modo, não vive uma crise demográfica como a Índia, a China e a maioria dos países africanos. O problema de arrepiar, aqui, é a explosão das cidades.
Haja espaço
Quando já se é grande, qualquer crescimento adicional, por discreto que seja, representa muito – em números absolutos. Essa elementar verdade aritmética, que faz a delícia dos milionários, por exemplo, é a face mais impiedosa da crise social que anda de braço dado com a proliferação urbana no Terceiro Mundo. É só imaginar a montanha de dinheiro, tecnologia, bens, serviços e equipamentos necessários para ao menos não piorar o padrão de vida do grosso da população de metrópoles como Cidade do México e São Paulo, Bombaim e Calcutá, onde o número de habitantes ameaça simplesmente dobrar em 25 anos ou pouco mais, se não caírem as taxas de crescimento atuais. Mesmo que se confirmem as projeções da ONU, segundo as quais mexicanos e paulistanos festejarão o novo século multiplicando-se à razão de 2,3 por cento ao ano (contra uns 3,5 hoje), a população das duas cidades duplicará em 34 anos.
Onde estão os brasileiros.
Nestes vinte anos finais do século, nenhuma região do pais crescerá tanto como o Norte. De fato, em 1980 as vastidões amazônicas abrigavam esparsos 1,65 habitantes por quilômetro quadrado. No ano 2000, serão 3,2 habitantes – o dobro, portanto. Com isso, os nortistas serão ainda apenas 6,4 por cento do povo brasileiro (contra 5,6 % atualmente). Também representando pouco no conjunto da população, os habitantes do Centro-Oeste, com a expansão da fronteira agrícola, produzirão um aumento de 70 % na densidade demográfica da região – de 4 habitantes por quilômetro quadrado para 6,8. Os números amargos vêm do Sudeste, onde a densidade demográfica, que já é a maior do país com 56,3 habitantes/km2, deverá alcançar 84,5 habitantes/km2 na virada do século. Esse adensamento tornará a vida ainda mais difícil nas áreas metropolitanas de São Paulo, do Rio de Janeiro e Belo Horizonte. No todo, a densidade demográfica no Brasil irá a 21,1 habitantes/km2, 50 por cento a mais do que em 1980.