A explicação científica por trás do Clube dos 27
As mortes de Jimi Hendrix, Amy Winehouse, Kurt Cobain e companhia são uma coincidência, é claro. Mas coincidências têm um poder profundo sobre nossa imaginação.
Há mais de meio século, um mito assombra famosos ao redor do mundo. O burburinho começou com a morte de quatro estrelas da música, no início da década de 1970: Brian Jones, do Rolling Stones, Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrison, do The Doors.
O quarteto faleceu em um curto espaço de tempo – apenas dois anos. E todos tinham 27 primaveras. O pequeno intervalo entre as fatalidades incutiu no imaginário imaginário dos fãs a ideia de que essa é uma idade cabalística, em que o sexo, as drogas e o rock n’roll cobram seu preço.
Seria possível que esses talentos musicais extraordinários – todos com um tremendo impacto contracultural, marcados pela fama, dependência química e a necessidade urgente de umas consultas com um psicólogo – morressem por acaso na mesma idade?
Em 1994, Kurt Cobain, do Nirvana, concretizou mais uma vez a profecia. Anos depois, seria a vez de Amy Winehouse. Desde então, o fascínio pelo clube só cresce e, sempre que alguma vida interrompida se enquadra nos parâmetros essenciais, novos participantes são inseridos.
Por isso, um estudo recente publicado no jornal científico PNAS, buscou explicar de vez a ciência por trás do mito. Zackary Okun Dunivin, autor da pesquisa, escreve para o The Conversation que ele e o co-autor, Patrick Kaminski, não tinham a intenção de desmentir o mito, “afinal, não há razão para acreditar que os 27 anos sejam uma idade especialmente perigosa, além da superstição.”
O artigo foi criado com o objetivo de explorar a teoria, tentando entender como um mito ganha força suficiente a ponto de alterar a percepção de realidade das pessoas.
Os pesquisadores analisaram mais de 340 mil dados de mortes de pessoas famosas, e descobriram que, por mais que não exista um pico de mortes precoces de músicos aos 27, os óbitos recebem muito mais atenção pública quando acontecem nessa idade.
Usando as visualizações de páginas da Wikipédia como indicador de fama, eles observaram que os legados das pessoas que morreram após seu vigésimo sétimo ano na Terra têm mais visibilidade do que os de quem morre em qualquer outra idade.
Assim, o mito se transformou em uma profecia autorrealizável. Tornou-se “real” porque acreditamos nele.
Dunivin e Kaminski defendem que a popularidade da lenda se apoia em três conceitos diferentes da psicologia, chamados de dependência de trajetória, estigmergia e reificação mimética.
A estigmergia seria um tipo de coordenação indireta entre indivíduos dentro de um sistema ou grupo, em que a interação entre eles não ocorre diretamente, mas por meio de marcas ou sinais deixados no ambiente que influenciam as ações futuras.
É o que acontece hoje em dia com a ciência por trás dos algoritmos, que entregam aos usuários das redes sociais informações que ampliam o engajamento em torno de algum acontecimento, explica William Brady, psicólogo social, também no The Conversation.
No caso do Clube dos 27, existem livros e diversas páginas na web dedicadas ao fenômeno, que amplificam a visibilidade da teoria. “Isso cria um ciclo de feedback: quanto mais clicamos, mais essas figuras se tornam proeminentes, e mais o mito é reforçado”, escreve Dunivin.
Os pesquisadores estimaram que a chance de quatro grandes famosos morrerem com 27 anos na mesma época é baixíssima. “Uma em cada 100 mil linhas do tempo teria quatro mortes famosas como essas aos 27 anos”. É aí que entra a dependência de trajetória.
O conceito é utilizado para descrever como decisões anteriores criam um “caminho” que limita ou molda as opções disponíveis no futuro e dificulta a mudança de direção. Foi isso que aconteceu com o Clube: a persistência da narrativa moldou a realidade.
Quando Kurt Cobain morreu, por exemplo, sua mãe Wendy Fradenburg Cobain O’Connor, disse à Associated Press que “agora ele [Kurt Cobain] foi-se e juntou-se aquele clube estúpido. Eu disse para ele não se juntar àquele clube estúpido”.
Por último, os autores sugerem que os conceito de reificação mimética: o poder das crenças de mudar a realidade. A ideia veio de um conceito da Sociologia, o chamado teorema de Thomas. Formulado em 1928, por William I. Thomas e Dorothy S. Thomas, tem em sua formulação a frase: “Se as pessoas definem certas situações como reais, elas são reais em suas consequências”.
Em outras palavras, a realidade percebida é tão poderosa quanto a realidade objetiva porque as ações humanas são motivadas pelas percepções das pessoas sobre as situações, e não necessariamente pelos fatos concretos.
Se um grupo define uma situação como verdadeira, isso afeta as escolhas, comportamentos e decisões desse grupo, gerando consequências reais.
Mesmo que não haja uma relação causal real entre os 27 anos e a morte precoce de artistas, a sociedade passou a acreditar que existe uma espécie de “destino trágico” associado a essa idade.
“Embora pareça que estamos desmentindo o mito do Clube dos 27, não devemos abandonar a sua história”, escreve Dunivin sobre o estudo. “Ao entender os processos por trás da formação de mitos, podemos apreciar melhor a riqueza da cultura e as histórias que as pessoas escolhem contar.”