A Pixar sob o olhar de um funcionário brasileiro
Claudio De Oliveira trabalha desde 2013 em um dos estúdios mais amados (e premiados) do planeta. Entre seus projetos, "Carros 3", que está nos cinemas
Você pode até não ser fã de animações, mas o fato é: a Pixar sabe fazer esse tipo de filme com perfeição. Desde 2001, quando o prêmio de Melhor Animação foi estipulado no Oscar, os filmes do estúdio levaram 8 das 16 estatuetas possíveis desde então. Bom para o currículo, e para o bolso também – só esses longas arrecadaram um total de US$ 4,6 bilhões (R$ 14,4 bi). Esse mérito, veja só, também tem um quê nacional. O estúdio conta com um time de brasileiros para fazer os filmes chegarem aos cinemas da maneira ideal. A equipe tem de diretores a animadores. É o caso de Claudio Oliveira, paulistano que trabalha como animador na Pixar desde 2013 e esteve envolvido no desenvolvimento de Carros 3, lançamento mais recente do estúdio desenvolvido por Steve Jobs e comprado pela Disney. Conversamos com ele sobre o longa, a rotina dentro do estúdio e seus próximos trabalhos:
SUPER: Seu cargo é “animador de personagens”. Explica um pouquinho o que você faz:
Claudio De Oliveira: Nos filmes com atores, os profissionais cuidam da atuação como um todo. Na animação a gente divide essa tarefa com os atores que fazem as vozes. Geralmente a voz é gravada primeiro com o diretor, aí recebemos a cena e animamos em torno disso. Mas em alguns casos específicos, fazemos um pouquinho diferente: usamos uma voz provisória e animamos com esse áudio temporário. É o que a maioria das pessoas faz quando está trabalhando para um filme da Pixar. Em Carros, por exemplo, a gente chegou a ter 80 animadores trabalhando ao mesmo tempo. O volume vai aumentando conforme o estágio da produção. No começo são só dois animadores, pra dar uma ideia.
SUPER: E quanto tempo, mais ou menos, você leva pra animar uma cena?
CDO: Varia muito, depende a cena, mas eu tendo a ficar uma semana para animar mais ou menos quatro segundos. Para Carros 3, foi mais ou menos um ano de trabalho assim.
SUPER: E como foi sua entrada na Pixar?
CDO: Eu vivia em São Paulo e não sabia o que queria fazer, então ficava pulando de um trabalho pro outro. Sabia que gostaria de algo voltado pra artes, pensei em publicidade, porque é um mercado grande no Brasil. Acabei me mudando pros EUA e lá acabei estudando animação.
Depois disso comecei a trabalhar em Los Angeles, fazendo coisas pra Sony e pra Disney. A Pixar foge desse eixo, ela fica em São Francisco, então nunca tinha tido contato com alguém que trabalhava aqui. Tudo o que eu sabia era que era difícil ser contratado, que a Pixar gostava muito de trabalhar com animadores que faziam estágio lá, então era complicado entrar depois disso. Até que alguns amigos começaram a tentar fazer entrevistas, e rolou.
A entrevista é meio pesada. Claro que entrevista nunca é algo que você gosta de fazer, mas como o setor de animação aqui é muito democrático, você fala com gente de todos os setores: animadores, supervisores, cada vez que sai uma pessoa da sala entra outra. Isso rola pra eles conseguirem entender sua personalidade.
E nisso eu fui contratado.
SUPER: Foi em 2013, né? Qual foi seu primeiro trabalho aí?
CDO: Foi! Começou com Divertidamente, depois fui pra O Bom Dinossauro, e depois pra Piper!
SUPER: E Piper ganhou Oscar de melhor curta nesse ano! Como é essa dinâmica de premiações aí dentro?
CDO: Como eu trabalhei em outros estúdios é legal que eu tenho uma comparação. Nos outros estúdios quando rolam essas premiações, elas eram muito mais comemoradas, mais faladas. Aqui é mais natural. Geralmente no em que o filme é lançado, rola uma comemoração com o John Lasseter [o chefe de criação das animações da Disney]. Mas se comemora o lançamento, não se foi um sucesso de bilheteria ou não. Esse é o principal. Quando acontecem as premiações, você já está em outro projeto, não dá pra ficar pensando muito nisso.
SUPER: E como é a rotina dentro da Pixar?
CDO: Varia muito. Quer dizer, é logico que você tem seus objetivos por semana, mas eles deixam você fazer a sua escala. Se precisar chegar mais tarde, ficar até mais tarde não tem problema. Agora meu filho não está na escola, por exemplo, então eu chego um pouco mais tarde. O horário, então é uma questão bem fácil.
Geralmente a gente trabalha no começo do expediente, e depois exibe a sua produção pros colegas. É ótimo, na verdade, porque nessa hora você aprende. Não só com os conselhos que te dão, mas também para os que dão para os outros. Ajuda bastante: você ouve os outros, e pega melhor a visão do diretor sobre o filme. Mais tarde a gente também faz reuniões para acabar com quaisquer dúvidas.
O ambiente é ótimo, porque aqui a gente é tratado como um talento. Então de um projeto pro outro, você acaba arriscando ir para outras áreas. Você faz um longa, depois é transferido pra um curta. Você acaba aprendendo. Os supervisores dos projetos vão escolhendo para onde cada um vai, e é muito legal que eles continham vendo sua evolução. Eles estimulam que você se arrisque. E principalmente que você opine sobre o projeto que está trabalhando
SUPER: Mas essa liberdade também é um desafio, né? Como que é trabalhado para que um filme tenha tantas vozes, tantas fontes de ideia, e ao mesmo tempo não pareça uma concha de retalhos?
CDO: Essa é uma questão que varia bastante de diretor pra diretor e cultura do estúdio também. Eu nunca me senti tão à vontade como aqui, de expor minhas ideias. Há um incentivo de mostrar isso pro diretor. Eles querem ver a sua individualidade porque sabem que isso vai trazer uma riqueza de detalhes, que não existiria sem essa liberdade. Claro que há diretores que incentivam isso mais do que outros, até para eles manterem esse controle, mas sempre há esse espírito.
SUPER: E vocês costumam fazer algum tipo de pesquisa? Em Carros, por exemplo, você chegou a estudar automóveis?
CDO: Sim! É um dos momentos que eu gosto mais, que me sinto mais realizado. Quando você está só animando, o dia pode ser longo porque é um processo muito minucioso. Mas quando você está criando, pode estar pensando em detalhes, em estilos de animação. Mesmo que você acabe jogando fora 90% da pesquisa, você ganha mais embasamento.
É ótimo também porque você pode sair para andar, se colocar na pelo daquele personagem, só pra ver como você caminharia, como as pessoas olhariam pra você. Eu gosto de pesquisar atores que conversam sobre construção de personagens, as técnicas deles. Um que me chamou a atenção, por exemplo, é o Felipe Abib, que fez o Jeremias no filme do Faroeste Cabloco. Ele disse que acabou fazendo uma festa, como se fosse o personagem, com o pessoal usando roupas da época, e em um momento, ele puxou um facão – só pra ver como as pessoas reagiriam.
SUPER: E você já chegou inserir alguma coisa que você sabia que o público brasileiro ia perceber?
CDO: Não algo que especificamente o público brasileiro ia conseguir perceber de forma diferente, mas eu acho que tem muito disso no Viva – A vida é uma festa [filme da Pixar protagonizado por personagens latinos]. Ele tem muito desse sentido brasileiro. Você não consegue ficar chateado com o protagonista Miguel, porque ele é muito legal, ele já pede desculpas.
Eu falei muito com meus supervisores sobre movimentação. Acho que as pessoas de diferentes partes do mundo se movem de foras diferentes, jeito de andar, tudo. Tomara que o público brasileiro consiga se ver nisso, na maneira dele de se movimentar. Daria uma riqueza muito grande pro filme se a gente conseguir transmitir uma linguagem corporal e cultural que muitas vezes a gente não presta atenção. Eu já vi vários filmes americanos que não prestam atenção nesse nível de detalhe – e não dá tão certo.