De cada três falas em Hollywood, apenas uma é dita por uma mulher
Atrizes têm menos papéis de protagonismo e menos posições de comando – e têm três vezes mais chances de ficarem nuas em cena
Se é verdade que Hollywood é uma fábrica de sonhos, está bem claro quem é que manda nessa fábrica: os homens. Os dados são bem claros: mulheres no cinema têm muito menos falas, muito menos papéis de protagonismo, muito menos posições de comando. Só há um indicador no qual elas lideram de longe: nudez.
Onde elas não têm voz
Um estudo realizado pela Polygraph, plataforma americana de cultura popular, analisou o roteiro de 2 mil filmes e compilou informações sobre idade e gênero. A pesquisa mostrou que as mulheres têm a maior parte das falas em apenas 22% das produções. Outro dado impressionante é que a chance de um filme ter pelo menos duas personagens femininas entre os três destaques é de 18%, mas a proporção de homens na mesma posição acontece em 82% deles.
Mesmo em um ano em que os três filmes mais populares dos Estados Unidos (A Bela e a Fera, Mulher Maravilha e Star Wars: O Último Jedi) foram estrelados por mulheres, os números não são dignos de comemoração. O relatório do Centro de Estudo das Mulheres na Televisão e no Cinema, da Universidade Estadual de San Diego, chegou à mesma conclusão infeliz que a Polygraph: apenas 24% dos filmes lançados em 2017 tiveram protagonistas mulheres – contra 29% em 2016. Nem o Oscar serviu para alavancar os números de protagonismo feminino: das nove produções indicadas a melhor filme, quatro tinham mulheres nos papéis principais. E o machismo não se restringe à distribuição de papéis e quantidade de falas. Até o público contribui para perpetuar o padrão “homens no poder”: quando o personagem principal é homem, o filme consegue o dobro de audiência se comparado a uma produção estrelada por uma atriz.
Esse estudo, chamado It’s a Man’s (Celluloid) World, observou 2.361 personagens nas 100 produções mais rentáveis de 2017 feitas nos Estados Unidos e revelou que, a cada três falas, só uma é dita por uma mulher. A pesquisa também agrupa dados de representação desde 2002 até 2017 – uma análise de 16 mil personagens e mais de 700 filmes.
Mesmo quando os papéis principais não estão nos holofotes da pesquisa, os resultados continuam sendo preocupantes: dentre os 100 filmes de 2017, apenas 32% deles mostravam dez ou mais personagens femininas em papéis que exigiam alguma fala na mesma obra. Já entre os homens, o número sobe para 79%. Quem leva o prêmio de menor representatividade nas telas são as mulheres de minorias étnicas: a porcentagem de mulheres negras não passa de 16%, as latinas participaram de 7% das produções e as asiáticas estão em 7% dos filmes.
Se o cinema é uma representação da realidade, Hollywood consegue reforçar muito bem os estereótipos consolidados do lado de fora dos estúdios. Enquanto 78% dos personagens homens tinham empregos ou ocupações possíveis de serem identificadas, entre as mulheres o número foi de 63%. Ou seja, quase 40% das personagens femininas não trabalhavam fora de casa ou o trabalho não era importante o bastante para ser explorado na trama a ponto do público identificá-lo.
Os pesquisadores também notaram que os homens são mais propensos a interpretar tramas relacionadas apenas à vida profissional (65% homens, 44% mulheres). Já às atrizes têm mais chances de atuar em papéis em que a vida pessoal é o centro da narrativa (39% mulheres, 21% homens).
A desigualdade existe inclusive quando as mulheres não são feitas de carne e osso. Dentre as 30 animações da Disney analisadas pela Polygraph, em apenas 7 as mulheres falam mais que os homens. A surpresa é que até filmes em que os personagens principais são mulheres, como Mulan e Frozen, a maioria das falas é masculina. Em Frozen, mesmo com as irmãs Elza e Anna em destaque, os homens dominam 57% dos diálogos (Olaf, o boneco de neve, fala sem parar). No filme Mulan, por exemplo, o dragão Mushu fala muito mais que a própria guerreira.
E, quanto mais velhas as atrizes ficam, menor é o espaço delas em cena. Na análise de roteiros da Polygraph, é nítido o cala-te boca que Hollywood dá nas mulheres depois dos 40 anos. Ao passar dessa idade, a média de palavras faladas por elas é de 11 milhões – que representa 20% do total das falas femininas. O auge da participação feminina acontece entre os 22 e os 31 anos, quando elas ficam responsáveis por 38% dos diálogos reservados às mulheres. O ápice masculino, em contrapartida, acontece alguns anos depois. Os homens com idade entre 42 e 65 anos são muito mais falastrões: dizem 55 milhões palavras e essa média equivale à 39% das falas masculinas. Enquanto a idade descarta as mulheres, a velhice premia os homens: há mais papéis disponíveis para atores mais velhos, porque eles têm duas vezes mais voz que elas.
Exposição
A participação das atrizes pode ser menor, mas elas estão mais expostas e sexualizadas. De acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade do Sul da Califórnia, personagens femininas têm três vezes mais chances de aparecerem parcial ou completamente nuas nos longas. A possibilidade delas tirarem a roupa durante as interpretações passa de 25% e a deles não chega nem a 10%.
Faltam mulheres por trás das câmeras
A representatividade das mulheres nas telonas já é baixa, e por trás das câmeras elas ocupam menos posições ainda. De acordo com um estudo realizado em 11 países, as mulheres estão em menos de 25% dos cargos de criação cinematográfica. Mas esse número baixa quando analisamos as 3 mil pessoas que trabalharam nos 250 filmes americanos mais rentáveis– em 2017, 18% dos funcionários fora de cena eram mulheres. Apesar de ser um sensível aumento de 1% se comparado a 2016, é a mesma situação de 1998. No ano passado, 88% dos filmes foram dirigidos por homens, 45% dos produtores executivos eram homens e apenas 11% dos filmes foram escritos por mulheres – menos ainda que há 19 anos, quando 13% das produções foram assinadas por roteiristas mulheres.
O cinema pode ter evoluído muito nas últimas décadas, mas a igualdade de gênero ainda vai levar um bom tempo até cimentar os pés em Hollywood.
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