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Era Uma Vez em… Hollywood: Tarantino nostálgico, corajoso e genial

É um dos três melhores filmes sobre Hollywood, junto com Crepúsculo dos Deuses (1950) e Cidade dos Sonhos (2001).

Por Ricardo Garrido
Atualizado em 23 ago 2019, 16h12 - Publicado em 17 ago 2019, 16h06

O nono filme de Quentin Tarantino, é ao mesmo tempo sua obra mais pessoal, menos violenta e menos verborrágica – mas se engana quem pensa que o resultado final é menos espetacular. Esta saga de um ator decadente e seu dublê numa Los Angeles em clima de fim de festa (os anos 60 acabavam, a era de ouro de Hollywood ficara pra trás, clima de mudança no ar) aprofunda seus melhores recursos cinematográficos e escancara suas influências.

Acima de tudo, Era Uma Vez em… Hollywood prova que Tarantino é um dos melhores e mais talentosos cineastas vivos. Pode não ser “o” melhor – Martin Scorsese – ou “o” mais talentoso – Pedro Almodóvar –, mas é o mais corajoso. A esta altura da vida, ele não pensa em agradar mais ninguém. Constrói a tensão da trama com toda a calma do mundo (pense naquela cena do nazista entrevistando o fazendeiro na abertura de Bastardos Inglórios).

A Hollywood de Tarantino não era a dos jovens diretores que mudariam tudo. Era a TV ligada o dia todo, alternando-se entre lutas do Bruce Lee, faroestes canastrões e pop desavergonhado.

Se demora o quanto quiser pra revelar aos poucos a insegurança e a ingenuidade da personagem de Margot Robie ou para detalhar processos internos da produção de filmes, e – como já tinha acontecido com Bastardos Inglórios – não faz a menor cerimônia em reescrever a história. Não faz concessão nenhuma a demandas ou práticas atuais: sua única dívida é com sua infância nas quebradas de Los Angeles em 1969, quando o rádio (e sua música descartável) e a TV (e seus seriados toscos) lhe faziam companhia, e caubóis já antiquados para a época lhe serviam de super-heróis.

A Hollywood de Tarantino não era a dos jovens diretores-autores que mudariam tudo na década seguinte, nem a da música delicada e ensolarada de Joni Mitchell ou Crosby, Stills & Nash; a Hollywood de Tarantino era a TV ligada o dia todo, alternando-se entre lutas do Bruce Lee, faroestes canastrões e versões pop desavergonhado de Jose Feliciano para rocks de sucesso.

E assim, escrevendo certo por linhas tortas, temos o terceiro componente do seleto grupo dos melhores filmes já feitos sobre Hollywood (os outros são Crepúsculo dos Deuses, de Billy Wilder, e Cidade dos Sonhos, de David Lynch). Esses são os filmes que acertam o nervo, que falam tudo sobre a ilusão do iniciante, a alienação do famoso e a decadência implacável de quem já viu seu tempo passar. Outros filmes tentaram (a La-La-Land sobrou fofura e faltou estofo, a Cafe Society faltou Woody Allen ter vivido ou entendido Los Angeles), mas Tarantino acertou em cheio. 

Um pequeno parêntese sobre os títulos: sempre achei que Cidade dos Sonhos era uma atualização “anos 2000” de Crepúsculo dos Deuses, de 1950. E adoro o fato dos dois títulos originais terem os nomes das avenidas de Los Angeles que abrigavam os artistas de cada época: o filme de Billy Wilder se chama Sunset Boulevard, onde artistas novos e antigos viviam expostos como troféus no coração de Hollywood.

O filme de David Lynch se chama Mulholland Drive, a sinuosa e perigosa estradinha no alto das montanhas onde artistas atuais se escondem sinistramente em sua própria escuridão. Se Tarantino tivesse as mesmas referências óbvias que eu tenho, chamaria seu filme “Cielo Drive”, ou faria alguma referência mais genérica aos Canyons onde os artistas ripongas levavam uma vida bucólica e simples no fim dos anos 60. Mas as referências dele são mesmo os westerns, e não são dadas a metalinguagem. Então ele foi de Sergio Leone, que já tinha feito Once Upon a Time in the West e Once Upon a Time in America, e acabou entregando orgulhoso o seu Once Upon a Time… in Hollywood.

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Sem entrar em detalhes sobre a trama, uma palavra sobre o elenco: sensacional. Leonardo DiCaprio consegue emocionar mesmo num papel satírico, Brad Pitt esbanja carisma, Margot Robie entrega uma atuação antológica de cinema mudo – como se fosse uma Mary Pickford mod -, e mais aquele festival de pontas de luxo, incluindo Al Pacino, Bruce Dern, Lena Dunham, Kurt Russell, Dakota Fanning, Damien Lewis no papel de Steve McQueen… imperdível pra quem gosta de cinema.

Agora, se você quiser ver a melhor atuação de 2019, encontrará uma cena avulsa de um filme dentro do filme com DiCaprio, no papel de um astro decadente, contracenando com a pequena Julia Butters, 10 anos, no papel de uma atriz-mirim cheia de método e ambição. O resultado emociona os dois personagens, deve ter emocionado os dois atores, e me emocionou também. Um milagre de cinema.

A longa sequência final é construída de modo a tornar a tensão quase insuportável – e mais não devo falar.

Só recomendo o seguinte: chegue ao cinema sabendo sobre o caso da “Família Manson”, que assassinou a atriz Sharon Tate e mais quatro pessoas, naquele que é um dos crimes mais célebres e inexplicáveis do século 20. Quem não souber do que estou falando, perderá toda a construção de tensão planejada por Tarantino, e talvez não entenda o desenlace do filme.

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Tarantino avisou que se aposentará após seu décimo filme; a julgar pelo seu penúltimo, estamos mais e mais perto da sua formação, do seu coração, e de entender de onde veio o cineasta que transformou o cinema na década de 90 e que dispôs a corrigir a corrigir o curso da história com sua subversão irrefreável e uma insana dose de humor.

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