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Funk: Garotos do suburbio

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 31 out 2004, 22h00

Texto Luciano Marsiglia

Quando a tropa de choque da Polícia Militar forçou os portões principais do Sesc Pompéia, não houve como os 3 mil presentes bloquearem a entrada. Os cassetetes agiram com a mesma agressividade dos acordes do punk rock e cerca de 25 jovens foram presos. Esse era o começo do fim das relações entre o movimento paulistano e os meios oficiais de comunicação.

Uma briga entre alguns punks da Vila Carolina e do subúrbio em plena Rua Clélia, nas proximidades do Primeiro Festival Punk, fez tremer a pacata vizinhança, que chamou a polícia. Após verificar a gravidade da situação (um show punk, com elementos punks, quanta ousadia!), os policiais trataram de algemar aquele que tivesse “mais visual”. Impedidos pela multidão, os oficiais convocaram o Choque. A ditadura ainda reinava naquele novembro de 1982.

Podiam ser os greasers de John Travolta, os motoqueiros de Marlon Brando ou os rebeldes sem causa de James Dean – que chamou seus inimigos de “punks” no filme Juventude Transviada (1955). Mas, por motivos históricos, as gangues da periferia de São Paulo encontraram nos punks europeus diversos pontos em comum. Além de fenômeno típico do início da juventude, o punk brasileiro vinha com um insuportável gosto de ressaca social na boca. O “milagre econômico” havia acabado e, no final da década de 70, o Brasil observava a inflação disparar e o desemprego se agigantar. E para os jovens pobres, sem trabalho, sem diversão, a marginalidade passava a galope.

No campo musical, as produções caras da MPB mitificavam o processo artístico e o rock brasileiro vivia na marginalidade. A música que vinha de fora também não ajudava. A discoteca e o rock progressivo se recusavam a entrar em contato com o mundo real daquela geração. De maneira niilista, seria preciso partir do zero.

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Em princípio, o punk parecia apenas mais uma moda para as gangues que se espalhavam da Vila Carolina à Barra Funda. Até que chegou a coletânea A Revista Pop Apresenta o Punk Rock, em agosto de 1977, trazendo o novo som do Ramones, Sex Pistols, Jam. Pontos em comum foram descobertos ali: a insatisfação com o presente e a vontade de se desassociar da geração anterior. O som, simples e direto, era um convite para quem não sabia discernir entre um conservatório musical e um bistrô.

Em 1978, surgiram os pioneiros Restos de Nada, AI-5 e, pouco depois, Condutores de Cadáveres – era uma resposta brutalizada, típica da periferia, contra as discotecas, a MPB e o tédio. O palco para os grupos, curiosamente, era montado em “instituições” como escolas e sociedades amigos do bairro. No início dos anos 80, o cenário começou a ganhar terreno. A Rádio Excelsior transmitia o programa de Kid Vinil. As Grandes Galerias, no centro de São Paulo, ganhava a Punk Rock Discos, de Fábio Sampaio. O Largo de São Bento se tornava ponto de encontro daqueles garotos. Aos poucos, salões como o Construção (Vila Mazei) e O Templo (Pari), começaram a incluir o punk rock em suas programações. A cena cresceu com o nascimento de Olho Seco, Fogo Cruzado, Anarkólatras, Lixomania, seguidos de Cólera, Ratos de Porão e Inocentes. Era chegada a hora de agir.

Em 1982, Fábio Sampaio alugou um estúdio de oito canais da Gravodisc para que Olho Seco, Cólera, Inocentes, Anarkólatras e M-19 registrassem suas músicas. Tinham apenas 12 horas, divididas em dois períodos, para captar ao vivo toda a raiva e urgência daquela geração. Os técnicos do estúdio, habituados a artistas sertanejos, se assustaram com aquele ruído de serra elétrica que atrapalhava as sessões – eram os pedais de distorção. No confuso processo de captação, Anarkóltras e M-19 acabaram ficando de fora de Grito Suburbano.

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A imagem dos punks retratada na mídia tinha a mesma distorção das guitarras, como a exibida na reportagem “Geração Abandonada”, do jornal O Estado de S. Paulo, que dizia que eles “assaltavam velhinhas no metrô”. Para a polícia, os punks eram os cabeludos de dez anos atrás. Mesmo assim, dois Antônios, o Callegari e o Bivar, decidiram organizar o festival que reuniria 20 das mais representativas bandas no Sesc Pompéia.

Além de escrever a mais romântica abordagem da cena brasileira no livro O Que É Punk, Bivar publicou a famosa carta de Clemente na revista Gallery Around: “Somos uma nova face da música popular brasileira. Relatamos a verdade sem disfarces, não queremos enganar ninguém. Procuramos algo que a MPB já não tem mais e que ficou perdido nos antigos festivais da Record e que nunca mais poderá ser revivido por nenhuma produção da Rede Globo”. Ele ficou fascinado com a vitalidade da cena brasileira, que se ligava ao levante punk’s not dead europeu. Faltava coroar 1982 com o Primeiro Festival Punk, apelidado “O Começo do Fim do Mundo”. Mas um incidente policial, no segundo dia do evento, minou o movimento. Um abaixo-assinado exigia o fechamento da Punk Rock Discos e a polícia instalou uma guarita na Estação São Bento do Metrô. De nada adiantou Carlos Drummond defender que “uma postura punk para nos salvar do abismo tem sua razão de ser”.

Em 1983, outra coletânea mostrava que o punk resistia. Produzida por Redson, do Cólera, Sub apresentava o Ratos de Porão, Fogo Cruzado e Psykose, além de sua banda. No início do ano, Inocentes, Lixomania e Ratos de Porão se apresentaram no Circo Voador, fortalecendo a cena no Rio de Janeiro, onde bairros como o Méier sediavam shows do Coquetel Molotov, Espermogramix e Descarga Suburbana. Em Brasília (Aborto Elétrico, Blitx 64), Recife (Trapaça, Karne Krua), Rio Grande do Sul (Replicantes), Curitiba (Carne Podre, Contrabanda) e Salvador (Camisa de Vênus), o punk ganhou características próprias.

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Em 1986, as grandes companhias descobriram o filão. Inocentes (Pânico em SP), pela WEA, e Replicantes (O Futuro É Vórtex), pela RCA, chegaram às prateleiras. A lição para o rock brasileiro, contudo, havia sido dada nos primórdios. Com sua tática de choque, o punk revelou o fosso que existia entre os artistas “sérios” da MPB e a nova geração. Gil ainda tentou abraçá-la com “Punk da Periferia”, em 1983, imaginando uma linha evolutiva, mas o roteiro não se confirmou. Para aqueles garotos não havia futuro (musical) que não fosse uma ação própria, rápida e direta, desvinculada de qualquer tradição.

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O personagem: Redson

Entre os articuladores do punk de seus primeiros anos até o presente, Edson Lopes Pozzi foi o mais ativo. Guitarrista do Cólera, compositor, produtor, dono de selo, fanzineiro, apresentador, empresário – não houve área em que Redson, como é mais conhecido, deixasse de atuar seguindo o lema “Faça você mesmo”. Antes dos Racionais Mc’s, ele fazia do bairro paulistano Capão Redondo o quartel-general para o protesto da periferia.

Para Redson, vestir a camisa do movimento não siginificava ser radical ou sectário. Enquanto muitos punks se divertiam assustando as pessoas com a postura agressiva, seu grupo lançava Pela Paz em Todo Mundo (1986). As letras, marcadas pela esperança e pelo pacifismo, se diferenciavam do estilo “sem futuro” de seus pares de movimento. O disco vendeu cerca de 85 mil cópias, uma enormidade para o mercado independente, e serviu de gancho para uma turnê de mais de 50 shows pela Europa, no ano seguinte.

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Nos Estúdios Vermelhos e depois na Ataque Frontal, Redson lançou e produziu títulos seminais do punk nacional, como a coletânea Ataque Sonoro e Tente Mudar o Amanhã, clássico disco de estréia de sua banda, ambos lançados em 1985. As boas relações com a mídia, outro trunfo raro entre os punks, gerou participações em programas de TV, além do convite da rádio paulistana 89FM para apresentar o programa Independência ou Morte na emissora.

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