Hattie McDaniel, primeira pessoa negra a ganhar um Oscar, sofreu racismo na própria premiação
A atriz levou a estatueta em 1940 por interpretar uma escrava doméstica em "...E o Vento Levou", mas precisou sentar numa mesa segregada durante a cerimônia. O próximo prêmio para uma pessoa negra só viria 24 anos depois.

A primeira cerimônia do Oscar, a principal premiação do cinema nos Estados Unidos, aconteceu em 1929. Os vencedores da honraria são escolhidos pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que demorou 11 anos até selecionar a primeira pessoa negra a vencer o prêmio: Hattie McDaniel, que levou a categoria de Melhor Atriz Coadjuvante em 1940.
McDaniel, que nasceu em 1893, foi uma atriz, cantora, compositora e comediante afro-americana que trabalhou numa época em que os Estados Unidos ainda tinham leis segregacionistas e racistas contra pessoas negras.
Ela ganhou o Oscar por seu papel em …E o Vento Levou, épico de 1939 que dominou a cerimônia da Academia em 1940. O longa-metragem (e bota longa nisso: 3 horas e 58 minutos de duração) dirigido por Victor Fleming, George Cukor e Sam Wood se consagrou como clássico do cinema, e venceu nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Atriz e ainda garantiu as estatuetas de fotografia, edição e direção de arte (hoje chamada de “design de produção”).
Além dessas sete vitórias, …E o Vento Levou também foi o primeiro filme a conseguir um Oscar para uma pessoa negra. Apesar da conquista histórica, McDaniel ainda sofreu racismo na estreia do filme e na premiação, quando foi obrigada a se sentar numa mesa separada, só para negros, no fundo do salão.
Segregada na estreia e no Oscar
No filme, McDaniel interpreta Mammy, a escrava que trabalha como empregada da família O’Hara, no sul dos Estados Unidos, durante a Guerra de Secessão. Na vida real, a atriz era filha de dois antigos escravos, e sua avó foi uma empregada numa fazenda, como Mammy no longa. Por causa de seu papel estereotipado, McDaniel recebeu críticas do movimento negro.
Na época, todos os filmes de Hollywood precisavam passar pelo crivo do Código Hays, uma lista de regras de censura moral que durou entre 1930 e 1968 e ditava o que podia e o que não podia aparecer nas produções. O documento tentava “limpar” a imagem dos estúdios de cinema depois dos Loucos Anos 20, um período marcado pela efervescência cultural e ousadia e experimentação nas artes. O código incluía regras racistas, como a proibição de romances entre brancos e negros, e impedia afro-americanos de atuarem em certos papéis.
Isso limitava as possibilidades de atores negros a estereótipos, como o de escrava doméstica, e papéis pequenos, muitas vezes não creditados. Mesmo nessas circunstâncias, McDaniel conseguiu se destacar e conquistou o papel em …E o Vento Levou – o filme que lhe deu o Oscar, mas para o qual ela nem foi convidada para a estreia.
…E o Vento Levou estreou em Atlanta no dia 15 de dezembro de 1939. Foi um evento gigante, com 300 mil pessoas presentes e uma festa que durou três dias, com muitas bandeiras confederadas, em referência aos separatistas escravistas do sul dos Estados Unidos durante a guerra civil.
McDaniel não foi convidada para a estreia do filme em Atlanta porque o sul do país, mesmo depois do fim da escravidão, mantinha as chamadas leis Jim Crow, que ordenavam a segregação de brancos e negros em espaços públicos. Somente 16 anos depois disso a ativista dos direitos civis Rosa Parks questionaria a legislação racista ao se recusar a abrir mão de seu assento no ônibus para um homem branco, dando início a um movimento que levaria ao fim das leis segregacionistas.
Apesar do desrespeito com McDaniel, ela foi muito elogiada pela crítica especializada por sua atuação e foi a primeira pessoa negra a receber uma estatueta do Oscar. Sua caminhada até o palco foi longa: em vez de estar sentada com o resto do elenco do filme numa mesa nas primeiras fileiras, ela e seus acompanhantes foram relegados a uma mesa segregada,no fundo do salão. Dá para assistir seu discurso emocionado:
Ela era a única mulher negra daquela sala, a primeira a ser convidada para um prêmio da Academia. O produtor de …E o Vento Levou, David O. Selznick, precisou de uma autorização especial para levar McDaniel para o teatro do Oscar. Ela não podia nem tirar foto junto de seus companheiros de elenco, porque a Califórnia também continuava como um estado segregado e o Hotel Ambassador, onde aconteceu a cerimônia, não aceitava pessoas negras.
O Oscar demorou 24 anos para voltar a dar um prêmio para uma pessoa negra. O próximo a vencer foi o ator Sidney Poitier, em 1964. Artistas negros continuam sendo minoria na premiação até hoje: na história do Oscar, só 58 prêmios, em todas as categorias, foram entregues a pessoas negras.
Em 2015, internautas começaram a campanha #OscarsSoWhite, que criticou a predominância branca na premiação. Os prêmios estão começando a mudar, diversificando a base de votantes da Academia e abrindo as portas mais pessoas negras, asiáticas, latinas e histórias fora do eixo Estados Unidos-Europa. Nesse ano, há candidatos negros para as categorias de Ator, Atriz, Atriz Coadjuvante, Figurino, Trilha Sonora, Canção Original e duas indicações para Roteiro Adaptado.